Day: dezembro 19, 2019
'Não vejo o governo Bolsonaro capaz de se impor’, avalia Carlos Melo à Política Democrática online
Professor do Insper analisa política nacional e defende reforma da previdência justa, em entrevista da edição de dezembro da revista produzida pela FAP
Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP
O cientista político Carlos Melo, mestre e doutor pela PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo), afirma que a deficiência do Executivo provocou uma transferência de poder para o Legislativo. “Não vejo o governo Bolsonaro capaz de se impor, de tomar a contento e moderadamente as rédeas do processo político”, destaca ele, em entrevista exclusiva concedida à revista Política Democrática online de dezembro. É gratuito o acesso a todos os conteúdos da publicação, no site da FAP (Fundação Astrojildo Pereira), que produz e edita a revista. “A grande incógnita é se o Congresso terá o tipo de liderança necessária, após a presidência de Rodrigo Maia”, acrescenta.
» Acesse aqui a 14ª edição da revista Política Democrática online
A FAP é vinculada ao Cidadania. Professor em tempo integral do Insper desde 1999, Carlos Melo é analista político com participação ativa em vários veículos de comunicação, palestrante e consultor de empresas nacionais e estrangeiras. Ele tem buscado contribuir com o debate político, econômico e social do Brasil por meio de uma análise conjuntural isenta e reflexão desapaixonada, conforme apresentado na revista Política Democrática online.
Na entrevista concedida ao consultor político e diretor da FAP Caetano Araújo, algumas reformas devem ser entendidas como clássicas e inevitáveis. “A reforma da previdência, uma reforma tributária, a questão do federalismo. Isso não tem a ver com direita ou esquerda, e o necessário ajuste deveria ser um ponto pacífico. Um imperativo”, afirma, para acrescentar: “Ninguém governa com desajustes fiscais. É necessária uma estrutura tributária que incentive a atividade econômica, senão não haverá emprego”, acentua.
Na avaliação do professor do Insper, a falta de líderes reflete na oposição ao governo Bolsonaro. “É preciso definir o que unifica a oposição. Qual é a pauta mínima para as oposições, no plural?”, questiona. “Eu diria que é a questão da democracia. Poderia haver também algum acordo em relação as reformas como a da Previdência”, avalia.
Colaborador de vários veículos de comunicação, é também colunista do UOL onde alimenta um Blog com análises a respeito da política brasileira (carlosmelo.blogosfera.uol. com.br), Melo é pesquisador de temas como eleições, partidos, conflito político e liderança política. “É imperativo uma reforma da previdência que seja justa e que envolva todos os setores da sociedade, que não proteja corporações; que não se volte apenas para o regime geral da previdência”, afirma.
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Eduardo Rocha: Injustiça Fiscal e Revolta Social
Pouco antes da erupção da Revolução Francesa (14 de julho de 1789), um primeiro-ministro – o economista Turgot (1774-1776) - e os três últimos ministros da economia da monarquia - Colenne (1783-1787), Brienne (1787) e Necker (1789) – propuseram ao rei Luiz XVI taxar os ricos e diminuir privilégios tributários da aristocracia (nobreza e clero) para fazer frente à caótica situação econômico-fiscal-social. Eles foram derrubados pelos senhores da riqueza do Antigo Regime e a Revolução depois derrubou a tudo e a todos.
Após a queda da Bastilha, Luís XVI escreve, em 12 de agosto de 1789, ao arcebispo de Arles mostrando sua indignação aos decretos revolucionários de 5-11 de agosto, que aboliram privilégios tributários e direitos clerical-senhoriais. “Não consentirei jamais que meu clero e minha nobreza sejam esfolados”, escreveu. As massas populares, nas Jornadas de Outubro, impuseram-lhe a aceitação dos decretos, que iam além da questão fiscal.
Àquela altura, o último rei francês não tomara ciência que seu trono era apenas um assento, que sua coroa era apenas uma relíquia, que a estrutura social feudal-monárquica ruíra e que a história já apagara o seu sol (a escuridão eterna só o alcançaria em 21 de janeiro de 1793, às 10h20m).
Nutridas por múltiplas causas, o fato é que várias revoltas sociais em diversos países e épocas tiveram como fermento político à desigualdade social, fruto também de injustiça fiscal: privilégios à minoria e sacrifícios à maioria.
A reforma tributária em gestação em Brasília reproduz a injustiça fiscal. Em sua forma, sinaliza à simplificação ao fazer cirurgia plástica nos impostos sobre produção e consumo, mas, em sua essência, mantém intocáveis os privilégios fiscais sobre a renda e propriedade da minoria endinheirada.
A concentração da riqueza em favor da minoria em meio a uma maioria pobre, miserável e esfolada enfraquece a democracia, apequena a República, bloqueia o crescimento e o desenvolvimento do país.
A natureza humana suporta até certo ponto a ponto a dor, o sofrimento, o descontentamento, o desrespeito, a frustração, a humilhação, a miséria, a desigualdade e a opressão das circunstâncias, mas passando esse ponto-limite dá adeus à passividade política e liberta seu espírito crítico-social ao statuo quo e aciona um cérebro coletivo revoltoso não só aos efeitos da ordem, mas ao fundamento da própria ordem.
Os conselheiros econômicos de Luís XVI não foram ouvidos e as consequências são conhecidas. No Brasil, serão necessárias novas, mais fortes e mais conscientes jornadas massivas, como as de junho de 2013, para a insensível consciência dos senhores da riqueza aceitarem uma justiça fiscal?
*Eduardo Rocha é economista
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Vera Magalhães: Queiroz para estragar o Natal dos Bolsonaro
Tal como o Grinch, ex-assessor de Flávio volta à cena para assombrar o fim de ano da família presidencial
Busca e apreensão. Na penúltima semana do ano e um ano depois de Fabrício Queiroz se tornar um personagem conhecido nacionalmente graças a uma reportagem do Estadão, o Ministério Público do Rio trouxe o ex-assessor parlamentar de Flávio Bolsonaro de volta à cena política ao deflagrar uma operação de busca e apreensão com vários alvos, ligados a ele e a uma das ex-mulheres do presidente, Ana Cristina Valle, na capital do Rio e em Resende, interior fluminense. Os parentes são todos ex-assessores do filho 01 de Bolsonaro na Assembleia Legislativa do Rio e figuram no inquérito que investiga se o ex-assessor foi usado para organizar uma "rachadinha" dos salários dos funcionários e quais as circunstâncias que explicam sua intensa e incompatível movimentação financeira e bancária.
Endereços. Uma loja de franquia de chocolates de Flávio Bolsonaro foi um dos lugares que receberam a visita do MP. O advogado do senador, Frederick Wassef, disse que não vão "encontrar nada", uma vez que o cliente não teria o que esconder. Reportagem da revista Crusoé esmiúça transações imobiliárias de Flávio e da mulher e diz que o MP trabalha com a hipótese de que imóveis tenham sido vendidos como forma de "lavar" o dinheiro proveniente da rachadinha dos salários dos funcionários.
Atraso. As buscas marcam a retomada do caso Queiroz depois de quatro meses de paralisia, graças a uma liminar concedida pelo presidente do STF, Dias Toffoli, que sustou o inquérito e, de quebra, atingiu todas as investigações que tinham origem em relatórios do Coaf. Esta e as demais apurações só foram retomadas depois que, em novembro, o pleno do Supremo derrubou a liminar.
Bruno Boghossian: Caso contra Flávio deve causar mais estragos no clã Bolsonaro
Investigação pode revelar essência política e relações da família no topo do poder
Poucos conhecem a essência do clã Bolsonaro como Fabrício Queiroz. Amigo do presidente há 35 anos, o ex-policial desabafou quando viu que as investigações sobre os gabinetes da família avançavam. Em julho, numa gravação, ele dizia que o Ministério Público tinha “uma pica do tamanho de um cometa” contra o grupo. Pois o cometa chegou.
A operação desta quarta (18) contra alvos ligados a Flávio Bolsonaro mostra o tamanho do estrago que o caso ainda pode provocar. Promotores já encontraram indícios de desvio de salários de assessores e conexões do clã com parentes de milicianos.
Suspeito de executar a “rachadinha”, o famoso Queiroz recebeu R$ 2 milhões de 13 assessores lotados no gabinete do filho do presidente na Assembleia do Rio, segundo a revista Crusoé. O Ministério Público identificou 483 depósitos desses funcionários na conta do ex-policial.
Parte do dinheiro foi enviada pela mulher e pela filha de Adriano da Nóbrega, acusado de chefiar uma das maiores milícias do estado. Quando trabalhavam para Flávio, as duas repassaram R$ 203 mil para Queiroz e sacaram mais R$ 202 mil em espécie.
Transferências fracionadas e pagamentos em dinheiro vivo são típicos do esquema em que servidores são obrigados a devolver parte dos salários para políticos ou operadores.
Flávio disse várias vezes que não participava de atividades suspeitas, mas os promotores estão decididos a ir mais fundo. Eles acham que o filho do presidente pode ter usado transações de imóveis e uma loja de chocolates para lavar dinheiro.
A família acreditava que as investigações perderiam força com o sumiço de Queiroz e pensavam que o STF mataria o caso no peito, mas as apurações ainda devem ganhar força. Além da quebra de sigilos bancários, foram apreendidos celulares de dezenas de pessoas ligadas ao clã.
A investigação já mostrou que o gabinete de Flávio funcionava como um caixa eletrônico. Agora, ainda pode revelar as engrenagens políticas e as relações nada inofensivas do grupo que chegou ao topo do poder.
Mariliz Pereira Jorge: A falácia da maioria
Ao dizer que governa para a maioria, Bolsonaro varre os números para debaixo do tapete
Jair Bolsonaro não entendeu, e tudo indica que isso jamais acontecerá, que foi eleito para cuidar de todos os brasileiros e não apenas daqueles que o elegeram. E, volta e meia, vem com a ladainha de que governa para a maioria. Difícil saber se ele acredita nisso ou é só caô para ver se cola. Do jeito que fala, parece um democrata interessado no que o povo, a maioria mesmo, quer.
Com a falácia de defender os interesses da maior parte das pessoas, ele apenas varre os números para baixo do tapete, mas vamos relembrar. Jair teve 39,24% dos votos, quase 58 milhões de eleitores, o que ele adora exaltar, num universo de 147 milhões. Juntando Fernando Haddad, brancos, nulos e abstenções temos cerca de 89,5 milhões de brasileiros que não se sentem representados. Somem-se a isso os decepcionados e os arrependidos. Quem mesmo é minoria?
Antes da eleição, Bolsonaro já dizia que elas, as minorias, teriam que se curvar às maiorias, em alusão às pautas relacionadas a grupos em desvantagens sociais. Desde então ficou claro que minoria para o presidente é todo mundo que não votou nele ou não apoia suas decisões.
Na semana passada, ele voltou a bater na tecla da "maioria" em dois episódios. Ao dizer que "cultura tem que estar de acordo com a maioria da população", sem apontar qualquer dado que mostre o que essa tal "maioria" quer. O presidente também foi ao Twitter (oi?) perguntar se os seus seguidores concordavam com a volta dos radares móveis nas rodovias. Sua lógica é a de que, se a "maioria" não quer, o que importam os números que apontam aumento de mortes e feridos?
Bolsonaro ignora estatísticas, pesquisas e tendências e termina o primeiro ano de governo parecendo desdenhar do que grande parte dos brasileiros pensa, precisa e quer, apenas para satisfazer uma minoria fanática que endossa sua estupidez. Isso talvez explique parte de sua baixa popularidade.
Ricardo Noblat: O triste Natal da família Bolsonaro sob o estigma da corrupção
Tempestade anunciada
Há mais de um mês, auxiliares do presidente Jair Bolsonaro que o procuravam para despachar ou tão somente jogar conversa fora ouviam dele que estava preocupado com o seu filho mais velho, o senador Flávio, que abandonara o PSL para embarcar na aventura do pai de construir um novo partido, o Aliança pelo Brasil.
Dos seus quatro filhos homens, Flávio é o mais introspectivo, o mais tímido, o mais ponderado. Sempre foi. Ao contrário dos irmãos Carlos, o vereador, e Eduardo, o deputado federal, Flávio se deixa abater quando desafiado. E mais abatido se tornou desde que começou a ser investigado por suspeita de corrupção.
Bolsonaro respirou aliviado quando o ministro Dias Toffoli, presidente do Supremo Tribunal Federal, suspendeu os inquéritos abertos no país com base em informações fiscais sigilosas compartilhadas sem prévia autorização judicial, o que beneficiou Flávio. Mas quatro meses depois a decisão de Toffoli foi revogada.
Então Bolsonaro passou a temer que Flávio pudesse ser preso. Era o que repetia nos seus desabafos. Até que há uma semana ele teve a certeza de que algo poderia acontecer com Flávio. Foi quando se antecipou ao que estava por vir, autorizou Carlos a disseminar a informação nas redes sociais e preparou-se para o pior.
Não foi desta vez. Mas o que aconteceu ontem marcará para sempre o final do primeiro ano de governo do mais improvável dos presidentes brasileiros. Estreitou-se o cerco a Flávio e ao seu ex-motorista Fabrício Queiroz. Mas não somente a eles, também a Carlos e a uma ex-mulher de Bolsonaro.
Todos estão sendo investigados por crimes de peculato, lavagem de dinheiro, ocultação de patrimônio e organização criminosa. Bolsonaro é citado por ter recebido dinheiro de Queiroz. Parte do dinheiro, que Bolsonaro atribui a uma dívida, foi depositado na conta de Michelle, sua atual mulher, a terceira.
Bolsonaro encerrou mais cedo seu expediente no Palácio do Planalto para reunir-se no Palácio da Alvorada com Flávio, seu advogado e Eduardo. Durante o dia, evitou os jornalistas. Deu ordem para que seus ministros não comentassem o caso. Orientara os filhos a não escreverem nada a respeito nas redes sociais.
Um dos ministro, o general Luiz Eduardo Ramos, da Secretaria de Governo, aproveitou uma solenidade no Palácio do Planalto para tentar baixar a tensão e alegrar Bolsonaro. “Em que pesem as críticas infundadas, presidente, o senhor está arrebentando”, disse. E mais: “Esses olhos azuis que conheci em 1973…” Não adiantou.
No relatório em que justifica a operação policial de ontem, o Ministério Público do Rio arrola 23 ex-assessores de Flávio da época em que ele era deputado estadual. Eles devolviam parte do salário que recebiam. Desses, 10 moravam em Resende, onde os Bolsonaro moraram. E dos 10, 9 são parentes de Ana Cristina Vale.
Que vem a ser… A mãe do filho mais novo de Bolsonaro, Jair Renan. Pelo menos 13 dos 23 ex-empregados do gabinete de Flávio fizeram 483 depósitos ou transferências bancárias para a conta de Queiroz em 11 anos. Foram R$2,6 milhões aproximadamente. A esse tipo de manobra dá-se o nome de “rachadinha”.
Pesa também contra Flávio a acusação de que ele lavava o dinheiro arrecadado por Queiroz por meio de uma loja de chocolate que tem com um sócio em um shopping da Barra da Tijuca. São sócios iguais. Mas entre 2015 e 2018, Flávio tirou da loja quase o dobro do lucro tirado por seu sócio – pouco menos de R$ 1 milhão.
O policial militar Diego Sodré e a empresa dele, Santa Clara Serviços, fizeram depósitos bancários na conta da loja de Flávio. A Santa Clara e Sodré foram alvos de uma investigação da Corregedoria da Polícia Militar sob a suspeita de oferecer serviço de segurança privada ilegal em Copacabana.
Sodré pagou uma das prestações de R$ 16.564,81 para aquisição de um apartamento de cobertura no bairro de Laranjeiras. O boleto estava em nome da mulher de Flávio, Fernanda Bolsonaro, proprietária do imóvel, assim como o marido. A ligação dos Bolsonaro com milicianos passa também por Danielle Mendonça.
Ex-funcionária do gabinete de Flávio, ela foi casada com Adriano Nóbrega, acusado de pertencer ao grupo de extermínio Escritório do Crime. Está foragido. No celular apreendido de Daniele há mensagens comprometedoras para ela e Queiroz. Numa, ela se diz “incomodada com a origem” do dinheiro que recebia.
Em outra mensagem, é Queiroz que a adverte: “Tá havendo problemas. Cuidado com que vai falar no celular”. Numa terceira, datada do ano passado, Queiroz escreveu: “Não querem correrem (sic) risco, tendo em vista que estão concorrendo e a visibilidade que estão”. Foi o segredo mais bem guardado da campanha do clã.
Míriam Leitão: Radiografia da crise do Rio
Crivella deu aumento a servidores quando já atrasava pagamentos e recusou ajuda do Bird porque não quis fazer o ajuste
- A cidade do Rio está vivendo uma situação dramática, em grande parte pelos erros do prefeito Marcelo Crivella e por sua incapacidade de administrar a cidade. O Rio recusou ajuda do Banco Mundial porque teria que fazer ajustes e, ao contrário do que se imagina, não teve queda de receita em relação ao ano passado. A arrecadação de IPTU e ISS cresceu 7,4%, mas com a natural concentração da receita do IPTU no começo do ano. O prefeito não fez as reservas que deveria ter feito para o segundo semestre e ainda concedeu aumento ao funcionalismo em janeiro mesmo quando já estava atrasando o pagamento das organizações sociais.
Esse é o retrato imediato. Há outras complexidades quando se olha o quadro de vários anos do município do Rio. Eu conversei com duas ex-secretárias de Fazenda do município, Duda La Roque e Sol Garson, e com técnicos federais que acompanham as finanças dos municípios para entender o colapso da cidade. Crivella recebeu uma situação difícil, mas poderia ter evitado essa crise, se tivesse se planejado.
As duas economistas admitem que o custo de saúde do Rio é muito grande. O ex-prefeito Eduardo Paes municipalizou dois hospitais estaduais em 2016, Albert Schweitzer em Realengo e o Rocha Faria, em Campo Grande, e construiu 36 novas clínicas da família. Tudo isso virou gasto.
— A taxa de investimento da Prefeitura cresceu, nós fomos o ente nacional que mais investiu, ainda bem. Mas parte do investimento se transforma em custeio no ano seguinte. Tem que fazer projeção de longo prazo para saber se é sustentável ou não. Uma UPA é investimento, mas depois vira custeio anual — lembra Duda La Roque.
Ela foi secretária de Fazenda de Paes, período em que o Rio alcançou grau de investimento. Conta que a cidade negociou um empréstimo de R$ 1 bilhão com o Banco Mundial, com isso pré-pagou uma parte da dívida com o Tesouro e reduziu 25% da dívida. Eram outros tempos. Havia, como ela diz, “uma janela de oportunidade”.
Sol Garson, que foi secretária de Fazenda na gestão Luiz Paulo Conde, acrescenta que o Rio gasta muito mais com Saúde do que está estabelecido em lei.
— As cidades têm que aplicar em Saúde no mínimo 15% das receitas próprias de impostos e das transferências. Prefeituras boas vão até 18%. O Rio foi a 25%. Fez isso cobrindo a ausência do estado, só que é difícil manter porque há outras despesas permanentes num município. E o Rio é grande também na educação. Do total da educação do fundamental, praticamente 98% são do município. Quando o gestor entra, ele tem que ver se a receita se sustenta antes de decidir. O problema é que o prefeito não olhou para trás, nem para frente — diz a economista.
Para complicar, o país tem tido dificuldade de sair da crise e ela é mais intensa no Rio. Mas os piores anos de recessão foram os de 2015 e 2016, período final da gestão anterior. Crivella assumiu em 2017. A receita de ISS estava em queda, mas ele poderia ter feito o mesmo que Paes fez ao assumir a Prefeitura. Ele ajustou para depois investir. A inércia de Crivella é apontada como a grande responsável pelo agravamento da crise.
— Eduardo Paes no primeiro mandato fez um enorme esforço para entender a situação e fazer o ajuste. No segundo mandato ele aumentou despesas e sua atuação já não teve a mesma qualidade. O Crivella pegou uma situação embicando para baixo e não teve capacidade de contornar a situação — diz Duda la Roque.
Na avaliação de técnicos federais que estão analisando a crise do Rio, os erros de Crivella foram gasto excessivo e falta de gestão.
— Basicamente, ele gastou mais do que deveria. Não poderia ter dado os reajustes que deu e pôr por terra o equilíbrio que a Prefeitura tinha. O Rio tem uma folha de pessoal pesada, algo como R$ 800 milhões, e ele ainda deu um reajuste de 7,84% em janeiro quando já estava atrasado com as OS. A cidade deve ao governo federal, e está pagando em dia. Mas deu calote no BNDES. No começo da administração, Crivella pediu um empréstimo ao Banco Mundial para reestruturar a dívida com o BNDES. O BIRD concordou, mas exigiu ajuste e a Prefeitura não aceitou. Como a nota de crédito do município é C, não pode ter empréstimos com garantia da União — explica um técnico.
O que se explica em Brasília é que não há previsão legal de ajuda financeira ao município.
Ascânio Seleme: O golpe de Trump
Políticos encrencados e acuados ficam tão óbvios que se tornam vulgares, comuns
Não tenho a menor pretensão de querer substituir Dorrit Harazim ou Demétrio Magnoli, dois dos melhores comentaristas da política internacional do GLOBO, mas tampouco resisto a dar meu pitaco no processo de impeachment de Donald Trump. De todo modo, vou tratar do caso pelos pontos que o aproximam de nossa própria história política. Começando pela delícia de carta que o presidente dos Estados Unidos mandou para a presidente da Câmara, deputada Nancy Pelosi.
O documento mostra a fúria conhecida de Trump, mas isso pouco importa. O interessante é como esta ira se parece com a que vimos aqui no Brasil no processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff. Separei alguns trechos da carta que parece terem sido tirados de discursos e pronunciamentos de Dilma, Lula e de inúmeros parlamentares do Partido dos Trabalhadores que tomaram as tribunas da Câmara e do Senado para protestar.
“Isto não passa de um golpe de Estado ilegal e partidário”. Quem disse isso? Todos os petistas se referiam assim ao processo de impeachment de Dilma. Mas a frase reproduzida literalmente é de Trump na carta a Pelosi. “É um abuso de poder inconstitucional sem igual na história”, escreveu o presidente americano lembrando o “nunca antes na história desse país”. Trump refere-se ao processo como “um juízo político (...) uma guerra contra a democracia”. Mesmos termos, quase literais, usados pelos defensores de Dilma.
Na carta, Trump alega ser tudo uma “invenção, produto da imaginação (dos democratas)”. O partido, segundo ele, “incapaz de aceitar o resultado das urnas de 2016 (...) tenta há três anos mudar a vontade do povo e anular seus votos”. Se alguém encontrar alguma semelhança mais clara entre o discurso do PT e o de Trump, só o fará na carta enviada a Nancy Pelosi. Aliás, esse ponto é repetido de outra forma, mas com os mesmos argumentos petistas: “Seu objetivo é desfazer as eleições de 2016 e roubar as eleições de 2020”.
O presidente dos EUA diz que os democratas estão desesperados em razão do sucesso de seu governo, e usa o maior de todos os parágrafos da carta para enumerar resultados econômicos e políticos da sua administração. Vimos isso por aqui também, com a mesma eloquência. Também não faltou no documento endereçado à presidente da Câmara momentos de autopiedade, que também presenciamos no passado recente. “Desconhecem e não se incomodam com a dor e com os danos causados aos integrantes maravilhosos e carinhosos de minha família”, disse ele.
Outros pontos falam em “calúnia e difamação contra uma pessoa inocente”; “usam cálculos políticos pessoais”; “demonstram desprezo aos eleitores e à ordem constitucional”; “nenhuma pessoa inteligente acredita nisso”; “vamos acertar contas em 2020”. A defesa de Dilma usou os mesmos argumentos e a mesma ameaça. De nada adiantou. Dilma foi afastada, e o acerto de contas prometido não ocorreu, como se viu. Claro que no intervalo o maior líder do partido foi condenado e preso.
Essas semelhanças entre a carta de Trump e os argumentos petistas em favor de Dilma não significam que o presidente americano e seu partido se pareçam politicamente com o PT. Claro que não, muito pelo contrário. Elas apenas demonstram que políticos encrencados e acuados ficam tão óbvios que se tornam vulgares, comuns, iguais uns aos outros, pouco importando sua orientação partidária.
Mas, apesar de todas as similaridades, há uma diferença fundamental entre os processos de Dilma e de Trump, fora o objeto da denúncia, inteiramente distinto. O da brasileira resultou no seu impeachment, o do americano não passará pelo Senado. Não há a menor possibilidade de os senadores republicanos endossarem o afastamento proposto pela Câmara. Para aprovar o impeachment são necessários 77 dos 100 votos da casa. Os republicanos têm 53 cadeiras. Os democratas não conseguirão sequer a maioria simples.
Aliás, impeachment como no Brasil, nem no país que inventou a modalidade. Nos Estados Unidos, esta é a quarta tentativa de afastamento de um presidente. As três anteriores naufragaram no Senado. No Brasil varonil, os dois processos abertos resultaram no impedimento dos presidentes Collor e Dilma.
Bernardo Mello Franco: Um dia infeliz para a agenda positiva
O governo vai torrar R$ 40 milhões para falar bem de si mesmo. A ofensiva publicitária coincidiu com as buscas em endereços ligados a Flávio Bolsonaro
O fenômeno é conhecido em Brasília: quando o governo vai mal nas pesquisas, os governantes concluem que o problema está na comunicação. Ontem o Planalto lançou outra campanha publicitária para exaltar a gestão de Jair Bolsonaro. Vai torrar mais R$ 40 milhões para falar bem de si mesmo.
A ofensiva foi apresentada com pompa, em solenidade no salão nobre do palácio. “Vamos ecoar o que há de bom no governo”, anunciou o secretário Fábio Wajngarten. Ele apresentou 49 filmetes de propaganda. Disse que a campanha, batizada de “Agenda Positiva”, vai “resgatar o orgulho e o sentimento de pertencimento do brasileiro”.
O homem da comunicação de Bolsonaro voltou a atacar a imprensa. Alegou que o chefe seria vítima de “uma insana e abominável perseguição”, movida por veículos “sem limites e sem escrúpulos”. “Vivemos, presidente, numa guerra aberta contra seu governo, seus ministros, o senhor e a sua família”, afirmou.
Wajngarten apresentou um vídeo que constrangeria os marqueteiros oficiais da Coreia do Norte. Na peça, o presidente abraça populares, visita uma criancinha doente e sorri ao lado de Donald Trump. O vídeo termina com uma foto da família Bolsonaro seguida pela logomarca do governo federal. É uma afronta explícita ao princípio da impessoalidade, que veta a exaltação de políticos com dinheiro público.
Apesar do esforço, o secretário não conseguiu vencer o campeonato de bajulação. No outro discurso da tarde, o ministro Luiz Eduardo Ramos informou que está vivendo “momentos muito felizes” com Bolsonaro. “Em que pesem todas as críticas infundadas, presidente, o senhor está arrebentando”, derramou-se. O general também elogiou o brilho dos olhos do chefe, “esses olhos azuis que eu conheci em 73”. Acrescentou que fazia a mesura “de maneira hétera” (sic). Ah, bom.
Para quem pretendia vender uma versão cor de rosa da realidade, o Planalto escolheu um dia infeliz. Horas antes da pajelança, o Ministério Público do Rio fez buscas em 24 endereços ligados a Flávio Bolsonaro e assessores. Os investigadores já rastrearam R$ 2 milhões em depósitos para Fabrício Queiroz, acusado de operar um esquema de rachadinha no gabinete do primeiro-filho. Num dos filmetes apresentados ontem, o locutor diz que o governo está livrando o país da corrupção. Diante do que parece vir por aí, seria melhor maneirar na propaganda.
Merval Pereira: Antes mais tarde do que nunca
A ideia é concluir obras paralisadas com expertise e força de trabalho de empresas que tenham firmado acordos de leniência
Com anos de atraso, as autoridades que cuidam dos órgãos de controle como CGU, AGU, TCU estão negociando com o Supremo Tribunal Federal (STF) uma legislação que permita sanear as empresas que fizerem acordos de leniência e, ao mesmo tempo, as obrigue a pagar por seus desvios, finalizando obras públicas paralisadas.
Essa legislação deveria ter sido proposta há muito tempo, ou pelo Legislativo ou pelo Executivo, como aconteceu com o Proer no governo Fernando Henrique Cardoso. Foi o ministério da Fazenda que coordenou a legislação que permitiu evitar uma crise do sistema bancário, transferindo o controle de bancos falidos como o Nacional e o Econômico, para outros saudáveis.
Os governos dos últimos cinco anos, período em que atua a Operação Lava-Jato, não pensaram numa legislação semelhante porque estavam envolvidos com as empresas punidas pela Lava-Jato, assim como o Legislativo.
O Tribunal de Contas da União (TCU) tem levado a debate uma proposta do ministro Bruno Dantas que permitiria o recebimento do prejuízo causado pela corrupção junto com a reativação da empresa. A ideia é concluir obras paralisadas relevantes - cerca de 14 mil pelo país - utilizando a força de trabalho e a expertise de empresas que tenham firmado acordos de leniência com o Estado e ainda estejam em dívida pelos danos causados por meio de atos de corrupção.
“Depois de perdoadas, essas empresas entram em recuperação judicial, sem que nem as multas dos acordos tenham sido quitadas, e na lista dos principais credores figuram exatamente as pessoas físicas responsáveis por colocá-las, e o país, nessa situação”, ressalta Bruno Dantas.
Conceitualmente, a proposta é que o Estado e a população, os principais prejudicados pela corrupção, possam obter alguma coisa desses acordos também. Bruno Dantas diz que ela “se assemelha a uma pena de trabalhos forçados, mas com a vantagem de ser consensual, visto que as empresas só firmam acordos de leniência se quiserem”.
Ele lembra que o país sofre uma grave crise fiscal, e não terá recursos para finalizar diversas obras relevantes. “Colocando as empreiteiras para pagar pela corrupção realizando as obras de infraestrutura que estão paralisadas, como estradas, saneamento, creches, escolas, poderíamos estar em situação bem melhor”.
De acordo com a Comissão Parlamentar de Obras Inacabadas da Câmara dos Deputados, seria necessário algo em torno de R$ 40 bilhões para que as obras paralisadas no país fossem concluídas. O ministro Bruno Dantas admite que há questões jurídicas a serem superadas, e dilemas ainda não resolvidos completamente, como a criação de mecanismo que evite que sejam prejudicadas as empresas que não se corromperam.
O Estado contrata por meio de licitações, e passar essas obras para um grupo de empresas lenientes “é medida que demandará alterações legislativas que criem exceções ao dever de licitar previsto constitucionalmente. Ou, no mínimo, uma decisão judicial reconhecendo a situação excepcionalíssima”.
A definição do preço a ser considerado em cada obra é um fator relevante, e o Tribunal de Contas da União (TCU), já desenvolveu metodologia para analisar o percentual de desconto médio das contratações feitas pelas Petrobras em ambiente minimamente competitivo.
“O resultado foi que, em ambiente de concorrência sadia, o preço contratado se reduz em aproximadamente 17% em relação ao valor obtido nas situações de conluio, quando o valor contratado não se descola da estimativa feita pela própria Administração”.
Será preciso estabelecer requisitos e exigências para que essas empresas – que firmaram acordos de leniência – possam se enquadrar nesse “programa”, bem como uma estrutura de incentivos para que elas entreguem as obras no prazo e com a qualidade exigida. “Não imagino, por exemplo, que a empresa possa ser beneficiada dessa forma e continuar sob a gestão das mesmas pessoas que foram responsáveis pelos ilícitos”, comenta Dantas, que apresentou ao presidente da Câmara Rodrigo Maia projeto de lei que permite o afastamento dos acionistas controladores, mediante alienação compulsória do controle da empresa corruptora.
El País: Promotoria boliviana ordena a prisão do ex-presidente Evo Morales
Ex-mandatário, que está asilado em Buenos Aires, é acusado de terrorismo pelo novo Governo opositor
A Promotoria da Bolívia ordenou na quarta-feira a prisão do ex-presidente Evo Morales, que está asilado na Argentina desde 12 de dezembro. A decisão da Justiça do país, assinada por dois promotores da cidade de Cochabamba, chega quase um mês depois de o gabinete interino que o sucedeu no poder apresentar uma denúncia por sedição (insubordinação) e terrorismo contra o ex-mandatário. O documento determina que policiais e funcionários públicosprendam e conduzam Morales à Promotoria Anticorrupção de La Paz para depor pela suposta realização desses crimes.
A acusação contra o dirigente cocaleiro, que governou a Bolívia durante quase 14 anos, se baseia na suposta tentativa de apoiar os bloqueios às principais cidades, impedindo assim a passagem de alimentos e combustíveis. A Bolívia atravessou uma onda de fortes protestos após a saída de Morales em 10 de novembro. Ele deixou seu cargo forçado pelo Exército e dias depois abandonou o país. Partiu ao México, onde o Governo de Andrés Manuel López Obrador lhe ofereceu asilo, e lá estava durante as mobilizações. O gabinete da presidente interina, Jeanine Áñez, divulgou à época a gravação de uma ligação telefônica em que o ex-presidente supostamente dava ordens a alguns seguidores para cortar caminhos. Os bloqueios isolaram durante dias La Paz e a vizinha cidade de El Alto, um dos principais cenários dos confrontos entre manifestantes e forças de segurança. A escassez de gasolina foi o primeiro efeito. A repressão dos militares, que chegaram a ser eximidos de responsabilidade penal por um decreto depois revogado, deixou dezenas de mortos e centenas de feridos.
O ex-mandatário chamou a investigação de montagem. “A Promotoria inicia investigações com montagens, provas plantadas e gravações manipuladas contra os movimentos sociais que lutam pela vida e pela democracia, mas para 30 irmãos assassinados a tiros na Bolívia, não há investigação, responsáveis e detidos”, atacou em sua conta no Twitter. Morales pediu na terça-feira em Buenos Aires seu direito de voltar a seu país para a convocação de eleições presidenciais —ainda sem data— após a anulação das eleições de 20 de outubro, em que a auditoria da Organização dos Estados Americanos (OEA) detectou várias irregularidades e “manipulação dolosa” das urnas. “Se pretendem realizar eleições livres, me deixem entrar na Bolívia. Não serei candidato nessas eleições, mas tenho direito a fazer política”, solicitou em um comunicado à imprensa.
A ordem de prisão, entretanto, complica o retorno do ex-mandatário à primeira linha. O Governo ultraconservador de Áñez, que assumiu em meio a acusações de golpe de Estado, desde o primeiro dia trabalhou para enfraquecer a máquina do Movimento ao Socialismo (MAS), o antigo partido governista, e colocou em andamento uma campanha para encurralar o entorno de Morales. O ministro do Governo, Arturo Murillo, responsável pela política de segurança, começou no cargo anunciando a “caça” de rivais políticos.
A própria Áñez, do Movimento Democrata Social, prometeu em uma de suas primeiras falas como presidenta que não perseguiria adversários. Mas já à época, antes de apresentar uma denúncia, quis deixar claro que o líder indígena enfrentaria suas responsabilidades caso retornasse. “Agora estão pedindo para que venha quando ninguém o expulsou do país. Ele partiu sozinho, [...] ele sabe que ainda tem contas pendentes com a Justiça boliviana”, disse. “Se o presidente Morales voltar, que volte, mas ele sabe que também precisa responder à Justiça. Nós vamos exigir que a Justiça boliviana faça seu trabalho”.