Day: novembro 27, 2019

Míriam Leitão: As ideias políticas de Paulo Guedes

Se houver outro AI-5, investidores fugirão do Brasil. A economia não é uma ilha que possa manter seu equilíbrio sobre escombros da civilização

O que assusta é o quanto o ministro da Economia desconhece sobre a relação entre economia e política, entre democracia e fatores de risco atualmente avaliados pelos fundos de investimento. Se houver um outro AI-5, ou que nome tenha uma violenta repressão policial militar às liberdades democráticas, os investidores fugirão do Brasil. A economia não é uma ilha que possa manter seu equilíbrio sobre escombros da civilização.

O governo Bolsonaro neste momento saiu das palavras autoritárias para as propostas autoritárias. O perigo mudou de patamar. A ideia de uma operação de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) para ação na área rural mais a proposta de que dentro das GLOs haja o “excludente de ilicitude” formam uma mistura perigosa. E intencional, na opinião do deputado Marcelo Freixo (PSOL-RJ):

— Isso é um AI-5. Quando a GLO se generaliza e dentro dela está embutida o excludente de ilicitude temos um verdadeiro AI-5.

Em outro momento de sua desastrada e longa fala, Paulo Guedes disse que o presidente não está com medo do ex-presidente Lula. “Ele só pediu o excludente de ilicitude. Não está com medo nenhum, coloca um excludente de ilicitude. Vam’bora.”

É impossível ir embora, tocar adiante com essa leveza que o ministro sugere, porque a expressão “excludente de ilicitude” parece um termo técnico e anódino, mas significa licença para matar. No país em que as forças de segurança matam muito e cada vez mais, em que os militares das Forças Armadas respondem apenas à Justiça Militar e em um governo que jamais escondeu sua profunda admiração pelas ditaduras, esse instrumento não é um detalhe burocrático. Pode ser a porta do horror.

O ministro repetiu uma ideia que é recorrente em seu discurso, a de que se há crítica ao governo é porque não se aceitou o resultado da eleição. “Sejam responsáveis, pratiquem a democracia, ou democracia é só quando um lado ganha? Quando o outro lado ganha, com dez meses você já chama todo mundo para quebrar a rua?” Vários equívocos numa mesma fala. Pela ordem: não existem só dois lados na política, a eleição não é cheque em branco para que o governante possa fazer tudo o que lhe der na telha, a crítica é natural numa democracia, e protestos não significam necessariamente “quebrar a rua”. E se por acaso em alguma futura manifestação houver excessos, como o caso dos black blocs, nos protestos de 2013 e 2015, não é preciso abandonar a democracia. Como ficou provado na época.

O ministro continuou sua fala, sendo mais explícito: “Não se assustem então se alguém pedir o AI-5. Já não aconteceu uma vez? Ou foi diferente? Levando o povo para a rua para quebrar tudo”. Foi diferente. O AI-5 não foi feito porque o povo estava quebrando tudo. Foi o resultado de uma luta dentro do regime e venceu a ala que queria o endurecimento. “Às favas com os escrúpulos”, disse o então ministro Jarbas Passarinho. Delfim Netto achou que o ato era brando. A frase de Guedes “já não aconteceu uma vez?”, e a evidente ameaça que ela contém, mostra que 51 anos passaram em vão para Paulo Guedes. Ele não entendeu ainda o que havia de errado naquele ato liberticida.

Não viu também a mudança dos tempos. Se fossem repetidos hoje, os crimes do AI-5 afastariam totalmente os melhores investimentos do Brasil. Os novos administradores dos grandes fundos prestam contas aos stakeholders, ou seja, a todos os envolvidos direta e indiretamente em suas captações e escolhas de alocação de recursos.

No governo Bolsonaro já houve manifestações de rua contra e a favor. Normal numa democracia. O ministro gostou muito de uma que apoiava a reforma da Previdência. Houve até atos com presença de ministros do governo em que grupos pediram fechamento do Supremo. O problema nunca foi o que se pede nas ruas, mas o que o governo faz, como reage. Se estimula os ataques às instituições, se reprime com violência desmedida, se usa os atos como pretexto para decisões antidemocráticas.

Alguns tentam isolar a economia, dizendo que ela está melhorando, apesar dos péssimos sinais em outras áreas. Eu nunca acreditei que fosse possível essa separação. O ministro ajudou a esclarecer as coisas. Ao ecoar explicitamente a ameaça feita pelo filho do presidente, removeu o suposto isolamento e uniu a economia à parte sombria do governo que abraçou.


El País: Senadores travam votações em protesto contra congelamento da PEC da segunda instância

Líderes do Congresso Nacional fazem acordo e desagradam parlamentares que queriam mudar regra que resultou na libertação do ex-presidente Lula

Um acordo entre lideranças do Congresso Nacional jogou para 2020 qualquer votação de projetos que tratem da prisão após condenação em segunda instância. A decisão provocou uma reação imediata de um grupo de parlamentares que tinha pressa na aprovação de ao menos um dos projetos em tramitação, eles obstruíram a sessão do Congresso desta terça-feira e prometem repetir o ato até quando conseguirem. “Parece que há um acordão entre a cúpula de todos os poderes que quer evitar esses projetos e fazer com que corruptos continuem soltos”, reclamou o senador Álvaro Dias (PODE-PR), um dos que lidera o grupo de congressistas contrários ao acordo anunciado nesta terça.

Até agora duas propostas estavam em discussão avançada. Um projeto de lei no Senado e uma proposta de emenda constitucional (PEC) na Câmara. Com o acordo firmado entre os presidentes das duas Casas, testemunhado pelo ministro da Justiça, Sergio Moro, e por boa parte das lideranças partidárias, uma comissão especial será criada por deputados e terá 40 sessões para concluir os seus trabalhos. Como faltam apenas 10 sessões para o fim do ano Legislativo, não haveria tempo hábil para levar a PEC à votação. Enquanto isso, no Senado, o projeto de lei ficar temporariamente paralisado, havendo apenas discussões, sem votações.

O entendimento atual, dado no início do mês por um julgamento pelo Supremo Tribunal Federal, é o de que a prisão só poderá ocorrer após o trânsito em julgado, ou seja, o fim da análise de todos os recursos. Mobilizados pela soltura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), um grupo de parlamentares tentou acelerar as propostas, e, agora, acabaram derrotados. “A depender desse acordo de agora, a prisão em segunda instância irá para as calendas”, reclamou o senador Oriovisto Guimaraes (PODE-PR). No início do ano, esse parlamentar chegou a apresentar uma PEC tratando desse tema. Abriu mão dela porque havia um acordo para que fosse votado um projeto de lei que altera o Código de Processo Penal, e institui a prisão após um julgamento por um tribunal colegiado. E, como PLs têm trâmite mais rápido que PECs, concordou com esse combinado.

Álvaro Dias diz que protelar essas votações é uma tentativa de retirar a pressão popular que havia ocorrendo principalmente por meio das redes sociais. “Se esfriar agora, ninguém sabe como será no ano que vem”, reclamou. Além de obstruir os trabalhos, esses parlamentares tentarão reunir ao menos 41 assinaturas para quebrar o acordo de lideranças e mostrar que, apesar de vocalizado por quem é líder, a maioria do Senado é contrária ao combinado.

Ainda que não haja nenhuma votação prevista, no Senado a Comissão de Constituição e Justiça, Simone Tebet (MDB-MS), anunciou que fará uma audiência pública com o ministro Moro para discutir o tema. Ele é um dos apoiadores da matéria. “Entendemos como imprescindível a execução [da pena] após condenação em segunda instância”, declarou a jornalistas após participar da reunião com as lideranças partidárias.

Autor da PEC 199, que define segunda instância como trânsito em julgado e reduz as possibilidades de recursos judiciais, o deputado Alex Manente (CIDADANIA-SP) diz que não houve protelação das votações. “Ela segue o trâmite natural. Acabou de ser aprovada na CCJ da Câmara. Depois vai para uma comissão especial e acreditamos que ela seja aprovada no primeiro trimestre aqui”, afirmou. Nesse cálculo, a PEC estaria sendo votada pelos senadores até meados de 2020.

Líder do PT na Câmara, o deputado José Guimarães, diz que impedir as votações neste ano foi uma vitória da oposição. “Pra que essa pressa toda faltando 15 ou 20 dias para o recesso? Qualquer votação ocorreria sobre o calor da decisão do Supremo, adiar foi uma conquista”, ponderou. Tratando do mérito da questão, Guimarães afirmou que o seu partido é contrário à mudança do entendimento do STF, que resultou na libertação de dois ícones petistas, o ex-presidente Lula e o ex-ministro José Dirceu. “O trânsito em julgado e a presunção de inocência são cláusulas pétreas. Não discutimos o problema do Lula ou de quem quer que seja individualmente, nossa luta é a defesa intransigente da Constituição, fora disso é a barbárie”. Um dos debates é saber se, uma vez aprovadas as novas regras pelo Congresso, elas já valeriam para Lula, por exemplo, ou só seriam aplicadas em novos casos.

Diante das críticas ao acordo, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), afirmou que era necessário chegar a um consenso entre as duas Casas e debater com intensidade o tema para que ele não gere mais insegurança jurídica. “Precisamos de [uma PEC] sem o objetivo de ser contra o cidadão A ou o cidadão B. Porque hoje é contra um e amanhã pode ser contra qualquer outro”.


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