Day: novembro 26, 2019
Luiz Carlos Azedo: Manual de sobrevivência
“Três variáveis que podem levar Bolsonaro a alterar a composição de seu governo: primeiro, o desempenho da administração; segundo, a criação de seu partido; terceiro, a instabilidade da base do governo”
Toda vez que se fala em reforma ministerial, os ministros mais inseguros começam a dar declarações atacando os setores descontentes com o governo, como uma forma de agradar o presidente Jair Bolsonaro. É uma receita de bolo: houve um erro clamoroso no ministério ou uma denúncia contra o gestor, o ministro em apuros sapeca um post no Twitter ou dá uma coletiva com uma declaração bem polêmica, atacando a imprensa, os professores, os artistas e outros setores considerados desafetos do presidente da República. O campeão nessa estratégia é o ministro da Educação, Abraham Weintraub. Com isso, cria-se uma situação na qual a saída do cargo seria vista como uma derrota de Bolsonaro para os seus desafetos. Aparentemente, está funcionando.
A última do ministro foi acusar universidades federais de estarem envolvidas na plantação de maconha e produção de drogas em laboratório, o que provocou reações dos reitores, do Ministério Público e até da Justiça. Weintraub utilizou casos isolados de ocorrências policiais para acusar diretamente a Universidade de Brasília (UnB) e a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). No primeiro caso, usou como exemplo alguns pés de maconha plantados numa área de cerrado próxima ao Câmpus Darcy Ribeiro, erroneamente avaliado pelos policiais como pertencente à UnB. No segundo caso, foi a apreensão de 14 buchas de maconha e 1kg de haxixe no câmpus da UFMG, mas seus portadores não eram alunos nem funcionários da instituição. Foi o suficiente para o ministro generalizar.
Boatos de queda de ministros não faltam. Na semana passada, as vítimas eram o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, que se encarregou de desfazer o boato divulgando sua agenda com Bolsonaro, e o ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, enrolado no caso das candidatas laranjas do PSL em Minas Gerais. Agora, os alvos preferenciais são o ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, por causa do quase fracasso do leilão do pré-sal, e o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, com a imagem pichada por causa do desmatamento na Amazônia e da demora para enfrentar o desastre ambiental causado pelo derramamento de petróleo no litoral brasileiro.
Três variáveis que podem levar Bolsonaro a alterar a composição de seu governo: primeiro, o desempenho da administração propriamente, uma vez que a aprovação do governo continua negativa (na pesquisa XP de novembro, por exemplo, eram 39% de ruim e péssimo e 35%, de ótimo e bom); segundo, a criação de seu partido, a Aliança pelo Brasil, que precisa ser prestigiado no governo para ser uma alternativa de poder; terceiro, a instabilidade da base do governo, que aumentou com o racha do PSL e tem provocado reveses no Congresso, com a derrubada de vetos e a não aprovação de medidas provisórias.
Segunda instância
O ministro da Justiça, Sérgio Moro, se reunirá hoje com o presidente do Senado, Davi Alcolumbre, os líderes da Casa e também alguns deputados para discutir a chamada PEC da Segunda Instância. Na Câmara, a Comissão de Constituição e Justiça aprovou, na semana passada, a admissibilidade da PEC que altera os artigos 102 e 105 da Constituição, de autoria do deputado Alex Manente (Cidadania-SP). O Senado também discute um projeto com o objetivo de permitir a prisão após condenação em segunda instância, mediante alteração do Código de Processo Penal (CPP), acabando com os recursos especiais e extraordinários para o Superior Tribunal de Justiça (STJ) e o Supremo Tribunal Federal (STF), ou seja, sem emenda constitucional.
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), nega a existência de uma corrida com o Senado para aprovação da PEC, mas já está instalando uma comissão que vai apreciar o mérito da proposta. Isso significa que a PEC vai tramitar na Câmara de fato, apesar da resistência surda dos que são contra a mudança constitucional. Essa resistência será ainda maior no Senado, embora exista um grupo aguerrido de senadores que defendem a prisão após a condenação em segunda instância.
A propósito, amanhã, o Supremo Tribunal Federal (STF) retoma o julgamento do compartilhamento de dados sigilosos da Receita Federal com o Ministério Público Federal (STF) e outros órgãos de controle. Votaram até agora o presidente da Corte, Dias Toffoli, relator do caso, contra o compartilhamento sem autorização judicial, e o ministro Alexandre de Moraes, a favor.
http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-manual-de-sobrevivencia/
El País: Paulo Guedes repete ameaça de AI-5 e reforça investida radical do Governo Bolsonaro
Num momento em que presidente insiste em aumentar excludente de ilicitude para proteger excessos de agentes militares, ministro da Economia traz de volta fantasma de decreto da ditadura
No dia 13 de dezembro de 1968, quando o Governo do marechal Costa e Silva baixou o decreto do Ato Institucional de número 5 (AI-5), o ministro da Fazenda Antonio Delfim Netto justificou seu voto favorável à medida da seguinte forma: "Eu creio que a revolução veio não apenas para restabelecer a moralidade administrativa neste país, mas, principalmente, para criar as condições que permitissem uma modificação de estruturas que facilitassem o desenvolvimento econômico". Nesta segunda-feira, quase 51 anos depois daquela data, em que se institucionalizou a perseguição política e o terror cometido pelo Estado durante a ditadura militar (1964-1968), o atual ministro da Economia, Paulo Guedes, seguiu linha similar: "Não se assustem então se alguém pedir o AI-5. Já não aconteceu uma vez? Ou foi diferente? Levando o povo para a rua para quebrar tudo. Isso é estúpido, é burro, não está à altura da nossa tradição democrática", disse ele durante entrevista coletiva em Washington.
Guedes falava sobre os massivos protestos de rua que mergulharam alguns países da América em uma verdadeira convulsão social. Sobretudo o Chile, onde a população vem colocando em xeque o modelo liberal implantado pela ditadura Pinochet (1973-1990) e que é a principal referência do ministro do Governo do ultradireitista Jair Bolsonaro. Sobre o risco de um possível contágio dessas manifestações em solo brasileiro, ele pedia que a oposição "fosse responsável" e praticasse democracia. "Ou democracia é só quando o seu lado ganha? Quando o outro lado ganha, com dez meses você já chama todo mundo para quebrar a rua? Que responsabilidade é essa?", questionou. Ao ser perguntado por jornalistas sobre a diminuição dos ritmos das reformas econômicas por medo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Guedes respondeu: "Aparentemente digo que não [Bolsonaro não está com medo do Lula]. Ele só pediu o excludente de ilicitude. Não está com medo nenhum, coloca um excludente de ilicitude. Vam'bora".
Guedes depois ponderou que um novo AI-5 "é inconcebível", mesmo "que a esquerda pegue as armas". Mas a menção ao decreto da ditadura em tom de ameaça vem num momento em que a extrema direita brasileira se arma de instrumentos jurídicos para justificar ações radicais contra eventuais manifestações no Brasil. Há menos de um mês, o deputado federal Eduardo Bolsonaro, o filho zero três do presidente Jair Bolsonaro, afirmou em uma entrevista que, caso os protestos no Chile se repetissem no país, um novo AI-5 poderá ser editado. "Se a esquerda radicalizar a esse ponto, a gente vai precisar ter uma resposta. E uma resposta pode ser via um novo AI-5, pode ser via uma legislação aprovada através de um plebiscito como ocorreu na Itália. Alguma resposta vai ter que ser dada". Mesmo desmentido na ocasião por seu pai, a radicalização segue no horizonte do Governo. Na última quinta-feira, Bolsonaro enviou ao Congresso Nacional um Projeto de Lei que busca isentar de punição os militares, policiais federais e agentes da Força Nacional (formada por policiais de vários Estados) que cometam excessos ou matem durante operações sob o decreto presidencial de Garantia da Lei e da Ordem (GLO). Nesta segunda deixou claro que sua intenção era também a de reprimir protestos. "Vai tocar fogo em ônibus, pode morrer inocente, vai incendiar bancos, vai invadir ministério, isso aí não é protesto. E se tiver GLO já sabe. Se o Congresso nos der o que a gente está pedindo, esse protesto vai ser simplesmente impedido de ser feito", disse o mandatário quando entrava no Palácio da Alvorada, segundo reportou a Folha.
O projeto enviado ao Congresso também assinado pelos ministros da Defesa, o general Fernando Azevedo Silva, e da Justiça, Sergio Moro. “Não adianta alguém estar muito bem de vida se está preocupado com medo de sair na rua com medo de ladrão de celular. Ladrão de celular tem que ir para o pau”, justificou Bolsonaro na quinta-feira. A ampliação do excludente de ilicitude durante operações no âmbito da GLO complementa o Pacote Anticrime enviado por Moro ao Congresso. Seu texto original previa que os agentes que aleguem "escusável medo, surpresa ou violenta emoção" após matar podem ficar sem nenhuma punição. Essa parte foi excluída do projeto pelos deputados na Comissão de Segurança Pública da Câmara logo após a morte da menina Ágatha Félix, mas Moro fez um apelo na última quinta-feira para que o trecho volte a ser incluído no plenário.
Um Governo com licença para matar
Se o Congresso Nacional aprova a última medida proposta por Bolsonaro, os agentes que estiverem agindo sob ordem direita do Governo Federal ficarão livres para matar. Algo que por si só já vem sendo ventilado como possível retorno de ferramentas autoritárias que estavam disponíveis após o decreto do AI-5. Para o historiador Carlos Fico, professor da UFRJ e especialista em ditadura militar brasileira, o clã Bolsonaro reedita a estratégia do passado de invocar uma suposta ameaça da esquerda. "O campo progressista está derrotado, sem iniciativa, parece que ainda surpreso com a vitória de Bolsonaro. Não vejo nenhuma ameaça de radicalização [por parte da esquerda]", opinou durante entrevista ao EL PAÍS no início do mês.
Em 1968, quando o AI-5 foi editado, tampouco havia uma ameaça real das forças progressistas. "Houve ações armadas, mas poucas. O AI-5 é do final de 68, um ano de manifestações pacíficas, sobretudo do movimento estudantil. Então, também naquela época, essas manifestações foram usadas como pretexto. E agora nem há nada, não está acontecendo coisa nenhuma", reforça o historiador. Contudo, Fico argumenta que, ao contrário dos militares linha-dura do regime, Bolsonaro não apresenta embasamento ideológico. Também não acredita que as Forças Armadas brasileiras estejam interessadas em um novo projeto autoritário de poder. "Hoje, o presidente Bolsonaro não tem nenhuma densidade ideológica, doutrinária, nada disso. Acho que ele chegou à presidência um pouco por acaso, em grande medida porque foi poupado de uma exposição pública mais intensiva graças ao episódio terrível da facada. Por conta disso, conseguiu não ir a nenhum debate", argumentou. "Ele vai sendo movido por essa intuição política, que certamente ele tem, muito pautada pelo autoritarismo, violência e despreparo", completou.
Por ora, as declarações de Guedes geraram uma enxurrada de críticas, inclusive daqueles que se identificam com o liberalismo econômico idealizado pelo ministro. "Não tem 'mas', nem 'porém', nem 'todavia', nem qualquer outra conjunção adversativa. Quando, e se, houver protestos a democracia está plenamente equipada para lidar com eles. Nada justifica autoritarismo; simples assim", afirmou o economista Alexandre Schwartsman no Twitter. "E a máscara do liberalismo caiu. Ninguém vai para governo Bolsonaro por acaso. As ruas estão tranquilas. A cabeça dele não", afirmou a também economista Elena Landau.
Já as declarações de Eduardo Bolsonaro fizeram com que a oposição apresentasse uma queixa-crime no Supremo e instaurasse um processo na Comissão de Ética da Câmara. "Não se pode punir ninguém por achar ou pensar alguma coisa, mas pelo o que ela faz. Outra coisa muita diferente é fazer propaganda de atos que atentem contra o Estado Democrático de Direito. Foi o que o deputado fez", explicou Fico. Para ele, Eduardo deve ser punido com a cassação de seu mandato e os ministros do Supremo podem considerar que ele cometeu um crime. "Não se trata de uma simples opinião, mas um crime, que inclusive é previsto na lei de Segurança Nacional que ainda vigora no Brasil desde a época da ditadura. Ela diz claramente que é proibido fazer propaganda de meios capazes de atentar contra o Estado de Direito, as instituições...", explicou.
Fico ainda opina que, como agravante, as declarações de Eduardo Bolsonaro, o deputado federal mais votado do país, expressam também o pensamento e as vontades do presidente. E que uma punição seria uma oportunidade de as instituições brasileiras de fato se mostrarem como contrapeso às vontades presidenciais. "Se continuarem assim, vai se tornar uma atitude de leniência em relação a essas declarações todas, que agora se desbordaram do simples ponto de vista, da simples opinião, para uma situação claramente criminosa", argumenta. "É um teste importante, porque seria uma forma de afirmação. Mesmo que venha em forma de uma punição branda, uma simples advertência, já seria saudável para o momento atual da política brasileira", completa.
Aliança pelo Brasil, o novo partido da ultradireita
A radicalização promovida por Bolsonaro e membros mais próximos de seu Governo vem na esteira da criação de seu novo partido, o Aliança pelo Brasil, anunciado oficialmente na última quinta-feira. O presidente vem buscando agregar os aliados mais radicais do bolsonarismo e imprimir sua ideologia extremista numa sigla inteiramente controlada por ele — que presidirá a nova legenda — e seu filho, o senador Flávio Bolsonaro — que será o vice. Assinada sua desfiliação do PSL, legenda à qual se uniu para disputar as eleições de 2018 e que está sendo investigada por promover candidaturas laranjas, o presidente busca seguir os passos de outros líderes da extrema direita no mundo, como a francesa Marine Le Pen e o premier húngaro Víktor Orbán. Em comum, as lideranças ultraconservadoras controlam com mão de ferro partidos feitos sob medida para eles. Não pode haver fissuras em um projeto autoritário.
A ideologia de extrema direita do Aliança pelo Brasil começa por sua logomarca e seu número. Na semana passada, Bolsonaro ganhou do artesão Rodrigo Camacho uma placa em que projéteis de vários calibres, entre eles de fuzis, compunham o nome da legenda. Momentos depois do ato de lançamento, que aconteceu em Brasília, o presidente anunciou por meio de uma live no Facebook que o número da sigla na urna será o 38. Enquanto seus partidários celebram a coincidência com o revólver de calibre 38, Bolsonaro garantiu que se devia ao fato de que ele é o 38º presidente da República. Ainda assim, a defesa do armamentismo é uma de suas prioridades: "O partido se compromete a lutar incansavelmente até que todos os brasileiros possam ter plenamente garantido o seu direito inalienável de possuir e portar armas para a sua defesa e dos seus", disse a advogada Karina Kufa, ao ler o programa do novo partido durante o ato de lançamento, na última quinta. Ainda é precisa colher quase 500.000 assinaturas em ao menos nove unidades federativas para ter sua criação chancelada pelo Tribunal Superior Eleitoral.
As pessoas mais próximas ao presidente, e que devem migrar do PSL para o Aliança pelo Brasil, vêm demonstrando, semana após semana, fidelidade ao seu estilo. Na semana em que foi comemorado, no dia 20, o Dia da Consciência Negra, os deputados federais Daniel Silveira — o mesmo rasgou a placa de Marielle Franco durante ato de campanha no ano passado — e coronel Tadeu se voltaram contra uma exposição na Câmara dos Deputados sobre o data. Após uma placa contra o genocídio da população negra ter sido quebrada por Tadeu, Silveira, em uma fala claramente racista, afirmou que negros morrem mais porque são maioria portando armas e cometendo crimes. "Não venha atribuir à Polícia Militar do Rio de Janeiro as mortes porque um negrozinho bandidinho tem que ser perdoado", afirmou.
Em claro contraponto, o presidente da Casa, o deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), condenou a atitude dos parlamentares bolsonaristas e ordenou que a exposição fosse restabelecida. Nessa mesma linha atuou prontamente o deputado estadual de São Paulo Cauê Macris (PSDB), que proibiu que também na última semana que ocorresse na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo uma homenagem ao ditador Augusto Pinochet, promovida pelo deputado Frederico D'Ávila (PSL).
O historiador Carlos Fico acredita que o grau de virulência e radicalismo promovidos pelo clã Bolsonaro podem ser uma estratégia em decorrência de algum receio ou medo. "Provavelmente dessas investigações que os associam a milicianos ou a corrupção de verbas obtidas como parlamentares. Flávio Bolsonaro está envolvido com acusações de corrupção, e agora houve essa coisa nebulosa do Caso Marielle Franco. Então, é um momento crítico para a família Bolsonaro e para o presidente", explica Fico, que também cita alguns fracassos, como a estratégia falida de elevar Eduardo Bolsonaro ao posto de embaixador brasileiro nos Estados Unidos. "É tudo muito confuso, de modo que o pior quadro que a gente pode ter é de políticos autoritários acuados e com medo. Eles reagem dessa maneira autoritária e violenta. Mas não é surpreendente, vai muito de acordo com o próprio pensamento de muitos anos".