Day: novembro 26, 2019
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FAP lança edital para contratação de plataforma digital do curso Jornada da Cidadania
Fundação oferecerá curso de formação política online e gratuito; propostas podem ser enviadas até 10 de janeiro
Cleomar Almeida, das Ascom/FAP
A FAP (Fundação Astrojildo Pereira) lançou, nesta segunda-feira (25), edital para contratação de empresa destinada à prestação de serviços técnicos relativos ao fornecimento de plataforma digital para gestão do programa de educação a distância. A contratação visa à realização do curso de formação política desenvolvido pela instituição, por meio da Jornada da Cidadania, cujas inscrições já estão abertas. As propostas podem ser enviadas até as 10 horas do dia 3 de janeiro de 2020. O prazo para a prestação dos serviços é de 12 meses, após a assinatura do contrato.
» Acesse, aqui, a íntegra do edital de cotação de preços.
A plataforma deverá estar plenamente adequada à LGPDP (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais) e deve ser acessível por meio de um navegador web padrão (Microsoft Internet Explorer/Edge, Opera, Mozila Firefox e Google Chrome). O serviço de hospedagem da solução terceirizada deverá garantir a eficiência de conectividade necessária ao ambiente LMS com, no mínimo, 98% de disponibilidade da solução em pleno funcionamento, mantendo um canal de suporte 24/7 para os usuários do sistema, em caso de indisponibilidade da solução.
O edital prevê, entre outros pontos, que o acesso ao ambiente deverá ser realizado mediante autenticação de usuários por meio de criação de conta de acesso (e-mail/senha) ou por login social (oauth) por meio da conta do aluno no Facebook, Twitter ou Google. Além disso, a solução deverá permitir que os cursos possam ser acompanhados por meio de dispositivos móveis, seja por meio de solução responsiva do ambiente LMS seja por aplicativo para smartphones em padrão IOS (para dispositivos Apple) ou android (para outros dispositivos).
Habilitação
Para ser habilitado para a cotação, é indispensável que os interessados apresentem carta de credenciamento, assim como o contrato social e possíveis alterações ou o estatuto e ata de alterações, devidamente registrados na junta comercial; e, no caso de sociedade anônima, as respectivas publicações. Além disso, deve ser apresentada proba de regularidade perante a Fazenda Federal e Distrital ou Estadual do domicílio ou sede do licitante.
De acordo com o edital, os interessados também devem apresentar certificado de regularidade do FGTS – CRF; prova de inexistência de débitos inadimplidos perante a Justiça do Trabalho, mediante a apresentação de CNDT (Certidão Negativa de Débitos Trabalhistas) ou da CPDT (Certidão Positiva de Débitos Trabalhistas) com os mesmos efeitos da anterior.
A empresa interessada também deverá entregar a declaração de que cumpre o disposto no inciso XXXIII do art. 7º da Constituição Federal, nos termos do Decreto Federal nº 4.358. Os documentos necessários à habilitação poderão ser apresentados em original, por qualquer processo de cópia, exceto fax, autenticada por cartório competente ou por servidor da administração pública ou publicação em órgão da imprensa oficial.
As propostas devem ser entregues pessoalmente pelo representante credenciado ou via Sedex e obedecer às seguintes condições: apresentadas em uma via digitada, em impresso próprio da firma, sem rasuras, assinada e em envelope fechado; e indicando o preço proposto em reais e o prazo de validade de no mínimo 30 dias.
A empresa vencedora do certame, segundo o edital, deverá encaminhar as faturas para o e-mail da Fundação Astrojildo Pereira (fundacaoastrojildo@gmail.com). Os pagamentos serão efetuados em até 30 dias após o aceite dos serviços. Sempre que ocorrer atrasos nos pagamentos, a FAP ficará sujeita a pagar 1% ao mês, pró-rata dia, limitada ao total de 10%.
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‘Tinha escravos nos Palmares’, diz Antonio Risério à revista Política Democrática online
Em entrevista concedida à publicação da FAP, antropólogo diz saber de história de mulheres da classe dirigente
Cleomar Almeida, da Ascom/FAP
“A história brasileira é muito mal conhecida no Brasil. Às vezes, as pessoas se surpreendem quando você fala que tinha escravos nos Palmares e se surpreendem quando você fala que os Tupinambás eram escravistas”. A afirmação é do antropólogo, poeta, ensaísta e historiador brasileiro Antonio Risério, em entrevista exclusiva concedida à 13ª edição da revista Política Democrática online. Todos os conteúdos da publicação podem ser acessados, de graça, no site da FAP (Fundação Astrojildo Pereira), que produz e edita a publicação.
» Acesse aqui a 13ª edição da revista Política Democrática online
A FAP é vinculada ao partido político Cidadania, que tem fortalecido a sua identidade como esquerda democrática. Na entrevista, concedida à revista Política Democrática online, Risério diz que conhece uma história de mulheres da classe dirigente, o que, segundo ele, é completamente diferente das histórias das mulheres da classe dominada. A entrevista foi concedida ao diretor da fundação e consultor político Caetano Araújo com colaboração de Ivan Alves Filho.
“Porque as mulheres da classe dominada têm primazia, dominando, inclusive, o pequeno comércio no Brasil, nas vendas, porque eram mulheres da vida e da rua, ao passo que as sinhás e sinhazinhas ficavam enclausuradas em sobrados na casa grande”, afirma ele à revista Política Democrática online. “A gente tem de pegar cada ponto disso e discutir com conhecimento. Conhecimento acima de tudo, não adianta ficar só ideologizando; ideologizando a gente não vai para lugar nenhum”, acrescenta.
O historiador compara, ainda, que, as histórias dos Estados Unidos e da França, por exemplo, são muito bem conhecidas pelas suas respectivas populações, ao contrário do que ele diz ocorrer no Brasil. “Uma frase de que eu gosto muito que Freud estudava do Leonardo da Vinci: você não pode amar nem odiar nada se primeiro você não souber o que aquilo é, o que aquilo foi, como aconteceu e o que aquilo significa”, pondera, em outro trecho da entrevista publicada pela revista da Fundação Astrojildo Pereira.
De acordo com Antonio Risério, entre os principais líderes do movimento abolicionista, havia três eram negros: André Rebouças, José do Patrocínio e Luiz Gama. “Deram-se as mãos e acabaram com a escravidão”, afirma ele, na entrevista publicada na revista Política Democrática online.
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Bernardo Mello Franco: Plano de Bolsonaro envolverá militares em violência no campo
Não basta entregar o Incra aos ruralistas e paralisar a reforma agrária. Agora Bolsonaro quer usar as Forças Armadas para despejar famílias sem terra
Não basta entregar o Incra aos ruralistas e paralisar a reforma agrária. Agora Jair Bolsonaro quer usar os militares para despejar famílias sem terra. Ontem o presidente anunciou a criação da “GLO rural”. A ideia, segundo ele próprio, é usar as Forças Armadas para reprimir e dispersar ocupações no campo.
As operações de “garantia da lei e da ordem” podem ser convocadas em situações de emergência, como greves das PMs. Por lei, só devem ser usadas “de forma episódica, em área previamente estabelecida e por tempo limitado”. A regra foi sancionada em 1999 pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso.
O texto frisa que as tropas só devem ser empregadas “após esgotados os instrumentos destinados à preservação da ordem pública”. O motivo é simples: as Forças Armadas são treinadas para a guerra, não para as atividades de segurança pública.
Pelo plano de Bolsonaro, os militares passariam a ser acionados para cumprir ordens de reintegração de posse, com blindagem contra eventuais processos. “É chegar e tirar o cara da propriedade”, afirmou.
Ao anunciar a proposta, ele deixou claro que não está preocupado em evitar confrontos. “Não é uma ação social, chegar com flores na mão. É chegar preparado para acabar com a bagunça”, disse, antes de atacar o MST e chamar sem-terras de “marginais”.
Reintegrações de posse são operações complexas, que exigem prudência e negociação. O Estado deve ter responsabilidade com as famílias assentadas, que em muitos casos já enfrentam ameaças de jagunços a serviço de fazendeiros.
Bolsonaro não disfarça que tem lado nos conflitos pela terra. Ele entregou a Secretaria de Assuntos Fundiários a Nabhan Garcia, chefão da UDR. É um personagem truculento, que já foi associado a milícias rurais no Pontal do Paranapanema.
Em agosto, o presidente prometeu indulto aos policiais condenados por matar 19 trabalhadores no massacre de Eldorado do Carajás, em 1996. Com a proposta de ontem, ele arrisca envolver os militares em novos casos de derramamento de sangue.
Merval Pereira: Obstáculos para Lula
Ex-presidente está prestes a provar o gosto amargo de uma derrota que poderá representar sua volta à cadeia
Tudo indica que há uma maioria consistente no Congresso para alterar a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de autorizar a prisão de um réu apenas após o trânsito em julgado do processo. Mas a aprovação da prisão em segunda instância, que a pressão da opinião pública pede, não se dará sem troca de concessões.
Deputados estão convencidos de que não é possível resistir ao clamor das ruas, mas querem proteção contra delações premiadas no pacote anticrime do ministro da Justiça, Sérgio Moro.
As mudanças, já aprovadas por um grupo de trabalho, pretendem deixar claro que as delações são instrumentos para obtenção de prova, não podendo ser utilizadas como a única prova para incriminar alguém. Não é novidade, mas não está em lei alguma. A definição já foi feita pelo Supremo Tribunal Federal (STF), e consta de cartilhas do Ministério Público Federal.
Querem também proibir os juízes de decretarem de oficio medidas cautelares sem que haja solicitação de autoridade policial ou do Ministério Público. Mesmo assim, para impor essas medidas, desde prisão até proibição de saída noturna ou uso de tornozeleira, o juiz terá que demonstrar que não é cabível uma medida mais branda, devendo a decisão ser baseada em provas do crime, indícios de autoria e comprovação de perigo em função de manter o acusado em liberdade.
O acordo e os depoimentos deverão ser mantidos em sigilo até o recebimento da denúncia ou da queixa-crime, não tendo o juiz mais o poder de divulgá-los.
O ex-presidente Lula está prestes a provar o gosto amargo de uma derrota que poderá representar sua volta para a cadeia. Com a probabilidade aumentada de o Congresso aprovar a prisão em segunda instância, Lula tem se esforçado nos bastidores para conseguir votos para manter a decisão do Supremo Tribunal Federal de só permitir a prisão após o trânsito em julgado.
Para se transformar em alternativa viável para a campanha de 2022, não basta a Lula, porém, recuperar a capacidade de mobilização popular, que, no momento, parece abalada. Terá que lutar contra a prisão em segunda instância, e também contra a Lei da Ficha Limpa.
No caminho tortuoso da política, uma coisa tem a ver com outra, embora a primeira seja da esfera criminal, e a outra da eleitoral. Nada impede que a lei eleitoral exija como condição para ser elegível que o candidato não tenha condenação por órgão colegiado, e que a prisão só seja permitida com o trânsito em julgado do processo.
Mas a defesa de Lula pretende argumentar que se a culpa só se verifica no final de todos os recursos, por que um candidato pode ser barrado quando ainda tem recursos aos tribunais superiores? É a mesma coisa de argumentar que se uma pessoa pode votar aos 16 anos, por que não pode beber ou dirigir automóvel?
Além dessas atribulações, o ex-presidente tenta adiar uma eventual nova condenação em segundo grau, desta vez no caso do sítio de Atibaia. O julgamento no TRF-4 está previsto para amanhã, mas é possível que o processo retorne à primeira instância, graças à decisão do STF de que os delatores devem se pronunciar nas alegações finais antes dos demais réus.
Como essa norma nunca existiu, quando a juíza Gabriela Hardt condenou Lula a 12 anos e 11 meses de prisão por corrupção e lavagem de dinheiro no processo do sítio, a defesa de Lula se pronunciou ao mesmo tempo que os delatores, que denunciaram que as obras foram feitas pelas empreiteiras Odebrecht e OAS em pagamento de favores em licitações.
Se as alegações finais tiverem que ser refeitas, o processo retrocede cerca de 11 meses, dando mais tempo para Lula. Mas, antes de 2022, alguns acontecimentos já com data marcada necessariamente serão obstáculos à sua tentativa de se candidatar novamente à presidência da República.
Em novembro de 2020, se aposenta compulsoriamente o ministro Celso de Mello, ao completar 75 anos. No ano seguinte, será a vez do ministro Marco Aurélio Mello. Ambos são contra a prisão em segunda instância, e serão substituídos por ministros indicados pelo presidente Jair Bolsonaro. Além disso, o ministro Luis Fux, favorável à prisão em segunda instância, assumirá em setembro do ano que vem a presidência do STF, para um mandato de dois anos.
Provavelmente por isso Lula pela primeira vez semana passada admitiu que pode não se candidatar: “Terei 75 anos até lá, a Igreja, na sua sabedoria, aposenta seus cardeais ao 75 anos”.
Andrea Jubé: Graciliano, Bolsonaro e o comunismo
O comunismo na ficção e na eleição em 85 anos
O lançamento do Aliança pelo Brasil (APB) reflete a atualidade de um dos romances seminais da literatura brasileira, “S. Bernardo”. A trajetória do homem simples que se tornou um rico produtor rural, egocêntrico e autoritário, completou 85 anos.
A afinidade entre o partido do presidente Jair Bolsonaro e a trama de Graciliano Ramos (1892-1953) converge na imaginária ameaça comunista, no cenário de grave crise econômica, instituições fragilizadas e exaltação da fé religiosa.
O Aliança pratica a defesa do “livre mercado, da propriedade privada e do trabalho, e repudia o socialismo e o comunismo”, anunciou a advogada Karina Kufa no ato de fundação da sigla há cinco dias. Instantaneamente, ressoaram as palavras de ordem do bolsonarismo: “A nossa bandeira jamais será vermelha”.
Impressiona que os preceitos de um partido do século XXI - quando a China comunista se tornou referência capitalista no mundo - remontem ao Brasil do início do século XX. Na revolução de 1930, uma aliança com os militares, e não com os comunistas, alçou Getúlio Vargas (1882-1954) ao poder.
As premissas do Aliança convidam a uma angustiante viagem ao passado. É lamentável que a economia recessiva, na esteira da crise de 1929, dialogue com o cenário econômico atual. No início dos anos 30, o país amargava os efeitos da falência da cafeicultura, no ocaso da política do café-com-leite, enquanto o ministro da Fazenda, Oswaldo Aranha, renegociava a dívida externa e o câmbio despencava.
Passados 90 anos, a economia também resfolega, sofrendo as consequências de uma instabilidade política que remonta às eleições de 2014, agravada pelo impeachment de 2016 e o aprofundamento de uma polarização que não dá sinais de esgotamento.
Assim como em 1930, o desânimo e a insatisfação contaminam os brasileiros. O contraste é que se no Brasil dos anos 30 os focos revolucionários culminaram na insurreição paulista de 32, hoje os brasileiros parecem conformados.
“S. Bernardo” foi publicado em 1934, mas Graciliano Ramos começou a esboçá-lo dois anos antes, em plena revolução constitucionalista, quando Getúlio ainda não havia se consolidado no cargo. Ambientado na área rural de Alagoas, terra natal do autor, os personagens receiam que o agravamento da turbulência abra caminho para o comunismo.
Esse temor é tratado no livro com fina ironia, já que o velho Graça era comunista e o sistema nunca chegou perto de ser implantado no país. O escritor só viria a se filiar ao PCB em 1945, mas viu-se perseguido e preso pela política getulista um ano antes do golpe de 1937.
Com a razão comprometida pelo ciúme obsessivo, o fazendeiro Paulo Honório, proprietário de S. Bernardo - um dos personagens mais irascíveis e cruéis da literatura brasileira - enxerga a ameaça comunista ao seu lado na cama.
“Sim, senhor, conluiada com o [professor] Padilha e tentando afastar os empregados sérios do bom caminho. Sim, senhor, comunista! Eu construindo, ela desmanchando!”, praguejou sobre a esposa Madalena.
Numa passagem do romance, ele se queixa de ter gastado uma pequena fortuna com a compra de material escolar para os alunos da escola que inaugurou visando a obter benesses do Estado. “O governador se contentaria se a escola produzisse alguns indivíduos capazes de tirar o título de eleitor”, calculou.
Mas a esposa o pressionava para reformar o prédio, comprar um globo terrestre, cadernos para os alunos - “despesa supérflua” - e a melhorar a qualidade de vida do professor, Luís Padilha. Quando é demitido por conspiração, Padilha culpa Madalena. “Seu Paulo embirra com o socialismo. É melhor a senhora [Madalena] deixar de novidade, essas conversas [sobre justiça social] não servem”, lamentou.
Outra premissa do Aliança pelo Brasil é de que o partido “não pratica a exclusão de Deus da vida” e “prega a moral judaico cristã”. A relação estreita entre política e religião marca a legenda e é pano de fundo do romance.
Um dos personagens principais é o padre Silvério, influente na cidade e com nuances socialistas, mas que refreia seus instintos políticos.
Durante um jantar na casa de Paulo Honório e Madalena, o padre Silvestre defendeu a necessidade de “reformas”, mas não o comunismo, porque este gera “miséria, a desorganização da sociedade, a fome”.
O vigário enfatiza que o comunismo no Brasil seria “lorota” e não pegaria porque o povo brasileiro “tem religião, é católico”. Convicto de que estaria sendo traído - o que nunca ocorreu - o fazendeiro vocifera contra a esposa, mais afeita à literatura, às artes em geral e à política que à leitura da Bíblia: “comunista, sem religião”, vociferou em outro trecho.
O repúdio ao comunismo e ao socialismo - “ideologias nefastas”, conforme o documento do Aliança - é relativizado na prática se o fundador do Aliança ocupa a presidência da República.
Há um mês, Bolsonaro foi recepcionado pelas três principais lideranças da China em plena comemoração dos 70 anos da Revolução Comunista.
A China governada pelo Partido Comunista é o principal parceiro comercial do Brasil: o superávit brasileiro é de US$ 29 bilhões. O Brasil é o quarto principal destino dos investimentos chineses no mundo. São 45 anos de relação bilateral, inauguradas em 1974 pelo presidente Ernesto Geisel, em pleno regime militar brasileiro. Ainda durante a campanha, Bolsonaro se indispôs com os chineses, mas o pragmatismo prevaleceu depois da posse. A retórica ideológica, no entanto, persiste no plano eleitoral.
Na China
Por falar em “comunismo”, ontem a governadora do Rio Grande do Norte, Fátima Bezerra, do PT, desembarcou em Pequim a convite do Bank of China para abrir o seminário “Um Cinturão, Uma Rota”, direcionado aos países de língua portuguesa. Ela é a única governadora brasileira no evento. Em outubro, ela selou contrato de exportação de melão potiguar para a China - os primeiros contêineres saem em fevereiro do ano que vem. O acerto deve gerar 10 mil novas vagas no setor em três anos.
Ranier Bragon: Rap do privilégio negro
A semana marcada pela exposição vandalizada terminou ao som antirracista
Nos meus tempos de mocidade, nenhum fracasso era maior do que o sábado à noite à frente da TV. O tom azulado na face simbolizava toda a insignificância de não ter nenhuma vida para viver fora de casa.
Neste sábado (23), porém, o rapaz e a mocinha que talvez possam ter se sentido como eu tiveram um alento.
Durante muito tempo produziu-se humor esculhambando o "diferente" --o negro incluído, é claro. O Zorra Total (TV Globo) de sábado deu um exemplo de como o combate ao racismo, coisa muito séria, pode ser feito com humor de qualidade.
Isso na semana da Consciência Negra marcada pela encenação do deputado Coronel Qualquer-Coisa rasgando a charge sobre o morticínio de pretos e pobres pela polícia.
No humorístico da TV, dois brancos papeiam em um bar. "Se pudesse, eu nasceria negro. Hoje em dia tá moleza pros caras", diz um. "É cota, é Dia da Consciência Negra, quero saber quando é que vai ter o dia da consciência branca", responde o outro. Ocasião em que o garçom, negro, dá início ao Rap do Privilégio Negro.
Como o de não gastar com táxi --porque ele passa direto--, de se sentir protegido por ser monitorado nos shoppings pela segurança, de receber mesuras do guarda do banco já na porta giratória, de ser símbolo da "meritocracia" quando vira juiz ou médico, de não ser exatamente "bonita", mas "exótica", e de, por fim, ver o orgulho de brancos em "até ter um amigo como eu".
Os fofinhos do centro antipolarizante certamente verão só mais uma "polêmica" entre radicais e defenderão um meio-termo. E, infelizmente, não estarão fazendo piada.
A memorável conquista deste memorável Flamengo merece todas as honrarias, inclusive a paciência de Jó com o irritante sotaque (supostamente) carioca-descolado do cavalinho do Fantástico. Gabigol balançando as vergonhas para torcedores e atletas argentinos mostra, porém, como, às vezes, mais difícil do que saber perder é saber ganhar.
Eliane Cantanhêde: É guerra?
Para Gleisi, conflitos chegam ao Brasil; Bolsonaro lança ‘GLO do campo’. Onde nós estamos?
Quando o torniquete apertou em torno do PT e do mandato da então presidente Dilma Rousseff, seu patrono Lula ameaçou “chamar o Stédile”. Nem completou ainda um ano de mandato, agora o presidente Bolsonaro tem a audácia de anunciar que quer chamar o Exército para reintegrações de posse no campo. Lembra do “chama o (general) Pires” da ditadura, mas fora de foco, de tempo e de lugar.
“Quero paz e democracia, mas também sabemos brigar. Sobretudo quando o Stédile colocar o exército dele nas ruas”, falou Lula há cinco anos, quando petistas e aliados entraram em confronto com manifestantes contra Dilma no Rio. Poderia ser só mais uma dessas bravatas típicas de Lula, mas continha uma clara ameaça.
Ameaça nunca cumprida, aliás, nem mesmo quando Gleisi Hoffmann, presidente agora reeleita do PT, disse que ia “ter de matar gente” se Lula fosse preso. João Pedro Stédile, principal líder do MST, não apenas nunca acionou suas tropas como saiu de fininho dos holofotes para se distanciar das denúncias de corrupção que passaram a bater firme no PT e a respingar em toda a esquerda. E ninguém matou ninguém na prisão de Lula.
No caso de Bolsonaro, que anunciou ontem um projeto para chamar o Exército nas reintegrações de posse – a “GLO do campo” –, não há bravata, mas, sim, uma intenção clara e um triplo objetivo: agradar à bancada da bala e à bancada ruralista e atender aos interesses dos proprietários de terra. O projeto, ainda em elaboração no Planalto, tem de passar pelo Congresso. Agora, é rezar.
Qual o risco se Lula reativar a fantasia de acionar o “exército do Stédile”, se os Stédiles do MST estiverem dispostos a bater continência e cumprir a ordem e se, enfim, o Congresso aprovar a tal “GLO do campo” de Bolsonaro? O risco é de uma guerra, com oficiais e soldados armados de um lado e os militantes do MST com seus porretes e facões, do outro. Sem contar os jagunços das próprias propriedades.
Mais uma vez, Gleisi Hoffmann entra na história para piorar as coisas. Ao assumir mais um mandato de presidente do PT olha o que ela disse, numa referência aos confrontos sangrentos no Chile, na Bolívia, no Equador e na Colômbia: “Quando as grandes manifestações ecoarem no Brasil, porque vão ecoar, nós temos de estar preparados para ajudar a conduzi-las.”
É de uma irresponsabilidade enorme a presidente de um dos maiores partidos do País falar assim, como é igualmente irresponsável Bolsonaro querer o Exército nos conflitos e fazendas pelo interior. Está todo mundo ficando louco?
A Garantia da Lei e da Ordem (GLO), prevista na Constituição, é uma medida em casos muito graves e específicos, quando as forças policiais não dão conta de crises e os governadores pedem socorro à União. É algo, portanto, para exceção, emergência, não para jogar tropas daqui para lá, sob qualquer pretexto, a qualquer hora.
No caso da “GLO do campo”, há dois agravantes. O primeiro é que, como Bolsonaro deixou claro ontem, não se trata de agir com os governadores e a favor deles, mas passando por cima deles (que, ao ver do presidente, não cumprem as determinações judiciais de posse).
O segundo é que o presidente só usa seu poder e instrumentos de poder para defender os já poderosos: os desmatadores, que não têm mais seus tratores destruídos; os que pescam em reservas ecológicas, livres para fazer o que quiserem; os policiais que exorbitam; os patrões, cujos direitos se sobrepõem aos dos empregados.
Um alerta, porém: as Forças Armadas são disciplinadas e cumprem ordens, mas já têm resistência a jogar seus oficiais e soldados para atuar como policiais em favelas, contra bandidos comuns. O que acham da ameaça, e o risco, de vê-los enfrentando à bala acampamentos com homens, mulheres e crianças?
Vera Magalhâes: Bolsonaro agora quer GLO para tudo
Presidente, que já enviou ao Congresso projeto para excludente de ilicitude em operações, fala em usá-las para reintegrações de posse; virou moda?
Testando limites. O presidente já é bem conhecido por testar a acolhida de suas ideias algo heterodoxas de uso da força para depois submetê-las ao escrutínio do Congresso. O fato é que o governo está paranoico com a ideia de que protestos como os que ocorrem no Chile, na Bolívia e na Colômbia aconteçam no Brasil, sob patrocínio de Lula e do PT. O MST entra na jogada nessa mesma fantasia: Bolsonaro parte da ideia de que os "exércitos" de sem-terra poderiam ser usados no plano lulista para colocar fogo no País.
Aspirina. Que o presidente costuma ser acometido desse tipo de temor e dar corda a essas narrativas já se sabe. O que não é razoável é colocar as Forças Armadas nesta equação. Nem tornar um instrumento que a Constituição prevê para circunstâncias excepcionais de riscos à ordem pública, como as operações de GLO, algo banalizado a ser usado em qualquer circunstância - e ainda com o bônus do excludente de ilicitude para militares que agirem nessas novas circunstâncias.
Desvirtuamento. As Forças Armadas não têm o papel constitucional de atuar como força suplementar de segurança pública. Mais: militares não gostam que se recorra às GLOs como quem troca de roupa. Uma coisa é evocar a garantia da lei e da ordem em circunstâncias como chacinas em presídios, comandadas a partir de fora por facções criminosas, ou grandes eventos como Olimpíadas, outra é usar o expediente para cumprir reintegrações de posse em propriedades privadas, algo que é atribuição das polícias estaduais. Não vai passar no Congresso e não será aceito pelas Forças Armadas, mas o presidente gasta tempo e energia para disseminar esse tipo de ideia. E depois a culpa por se discutirem só pautas negativas é da imprensa.
Documentos. Outra notícia que resvala nos pendores pouco democráticos do bolsonarismo veio do jornal O Globo, que mostrou que o Gabinete de Segurança Institucional tem travado o fornecimento de dados da Abin cujo sigilo prescreveu pela Lei de Acesso à Informação Pública, em vigor desde 2012. Mais de 90 pedidos de informações feitos pelo jornal foram negados sob o argumento de que eram dados sensíveis, concernentes a questões de Estado. Mas se a lei define o prazo e o grau de sigilo dos documentos, há que se debater: não é direito da sociedade conhecer as informações quando elas se tornam de domínio público? Qualquer mudança nas regras não teria de passar por emendas à lei que está em vigor?
Segunda instância. Enquanto comemora a melhora dos indicadores de mortes violentas e atribui os números a iniciativas de sua pasta, o ministro da Justiça, Sérgio Moro, enfrenta um jogo de aparências com o Senado: foi cancelada uma audiência pública para debater o projeto que altera o Código de Processo Penal para prever a possibilidade de cumprimento de pena após condenação em segunda instância. No lugar dela, Moro foi chamado para uma reunião nesta terça, 26, na residência oficial da presidência do Senado, em que líderes tentarão convencê-lo de que estão empenhados em buscar formas de antecipar o cumprimento das penas, quando, na verdade, querem jogar o assunto para um futuro remoto.
Câmara. Enquanto isso, na Câmara, o presidente Rodrigo Maia diz que existe uma possibilidade de acordo com o Senado: os senadores que aprovem a PEC já chancelada pela CCJ da Casa quando ela chegar lá. Acontece que os deputados também não têm pressa de levar este tema ao plenário: a emenda vai passar por uma Comissão Especial, cujo prazo de discussão é bastante elástico. A ideia comum a senadores e deputados é esperar que a virada do ano faça arrefecer a pressão popular (e de Moro) pela mudança no rito de cumprimento de penas.
Ricardo Noblat: Paulo Guedes com cara de Bolsonaro
E o mesmo discurso autoritário...
O presidente Jair Bolsonaro, que se apressou a desautorizar seu filho Eduardo quando ele acenou, no final do mês passado, com a edição de um novo Ato Institucional nº5, deveria sentir-se obrigado a proceder da mesma maneira depois do que disse ontem, em Washington, o ministro Paulo Guedes, da Economia.
O AI-5 foi o mais brutal ato de força da ditadura militar de 64. Adotado em dezembro de 1968, ele fechou o Congresso, cassou mandatos de parlamentares e de ministros do Supremo Tribunal Federal, permitiu prisões sem autorização judicial e estimulou a tortura e o assassinato de adversários do regime.
Em entrevista coletiva, à saída de reunião do Fórum de Altos Executivos Brasil-Estados Unidos, Guedes admitiu que o governo desacelerou o envio de propostas de reformas ao Congresso com receio de que se repita por aqui as manifestações de ruas que ocorrem no Chile e na Colômbia. E que ocorreram na Argentina.
Perguntado se a preocupação era gerada por algum medo de Lula, o ministro ocupou-se em criticar o ex-presidente e o que ele tem dito desde que foi solto. Em mais de uma ocasião, Lula convocou os jovens a ocuparem as ruas para “lutar contra a destruição do país”. E afirmou que “um pouco de radicalismo faz bem à alma”.
Guedes retrucou:
– Chamar povo para rua é de uma irresponsabilidade… Chamar o povo pra rua pra dizer que tem o poder, para tomar. Tomar como? Aí o filho do presidente fala em AI-5, aí todo mundo assusta, fala ‘o que que é?’ (…) É isso o jogo? É isso o que a gente quer? Eu acho uma insanidade chamar o povo pra rua pra fazer bagunça.
Segundo o ministro, “assim que ele (Lula) chamou para a confusão, veio logo o outro lado e disse ‘é, saia para a rua, vamos botar um excludente de ilicitude, vamos botar o AI-5, vamos fazer isso, vamos fazer aquilo. Que coisa boa, né? Que clima bom”. Mas não ficou só nisso. Foi além.
Sugeriu que o projeto de lei que prevê o excludente de ilicitude para militares e agentes de segurança pública em operações de Garantia da Lei e da Ordem é uma resposta ao discurso de Lula:
– Aparentemente digo que não (Bolsonaro não está com medo do Lula). Ele só pediu o excludente de ilicitude. Não está com medo nenhum, coloca um excludente de ilicitude. Vam’bora.
O projeto de lei enviado ao Congresso beneficia militares e agentes de segurança pública para que possam agir sem ter que responder criminalmente pelo resultado do que fizerem. Dito de outra maneira: no extremo, o projeto dá licença para matar ou reprimir com o emprego desmedido de violência.
Depois de mais de 1h30 de entrevista, voltou e procurar os repórteres e pediu para que não publicassem o que ele dissera. Era tarde. Agências de notícias e emissoras de televisão transmitiram a entrevista em tempo real. Então ele voltou a falar, na tentativa de suavizar suas declarações:
– Este é o recado para quem está ao vivo no Brasil inteiro. Sejam responsáveis, pratiquem a democracia. Ou democracia é só quando o seu lado ganha? Quando o outro lado ganha, com dez meses você já chama todo mundo pra quebrar a rua? Não se assustem então se alguém pedir o AI5. Já não aconteceu uma vez? Ou foi diferente?
Seria concebível, em qualquer circunstância, adotar uma medida como o AI-5? – perguntou uma repórter. Resposta de Guedes, simulando a voz empostada de certos locutores:
– É inconcebível, a democracia brasileira jamais admitiria, mesmo que a esquerda pegue as armas, invada tudo, quebre e derrube à força o Palácio do Planalto, jamais apoiaria o AI-5, isso é inconcebível. Não aceitaria jamais isso. Está satisfeita?
A repórter perguntou então se ele usava de ironia na sua resposta. Com a simulação do mesmo tom de voz, ele respondeu:
– Isso é uma ironia, ministro? O senhor está nos ironizando? De forma alguma.
Que Bolsonaro tenha faltado às aulas sobre como funciona uma democracia, compreende-se. Mas Guedes, não. O ministro não pode revelar-se um ignorante na matéria. Nem mesmo por ter sido professor de economia na Universidade Nacional do Chile durante alguns anos da ditadura do general Augusto Pinochet.
Numa democracia, manifestações de rua contra o governo são permitidas. Se elas descambarem para a violência, a polícia é chamada para reprimir. O Brasil assiste a manifestações de rua, espontâneas ou encomendadas, desde junho de 2013, pelo menos. E quase todas foram pacíficas.
No ano passado, quando o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) disse que para fechar o Supremo Tribunal Federal bastariam um cabo e um soldado, Lula estava preso. Ainda estava preso quando Eduardo, assustado com o que acontecia no Chile, ameaçou com um novo AI-5.
Quantas vezes, de alguns anos para cá e mesmo depois de empossado na presidência da República, o pai de Eduardo elogiou a ditadura de 64, a tortura e a morte de desafetos do regime? Por isso, dentro e fora do governo, é acusado de trabalhar contra as reformas econômicas de autoria de Guedes.
Desta vez, é o próprio Guedes que sabota seus propósitos. E ao fazê-lo, revela-se tão autoritário quanto o seu chefe. Mais parecido com ele do que seria supor imaginar.
Governo faz o jogo de Lula
O PT agradece
A desastrada entrevista concedida em Washington pelo ministro Paulo Guedes, da Economia, foi o sinal de que o governo piscou primeiro diante das provocações feitas por Lula desde que ele deixou a prisão há quase 20 dias.
O presidente Jair Bolsonaro fora aconselhado pelos ministros que o cercam a não passar recibo das críticas de Lula. O líder do PT saiu da prisão ressentido e disposto a reassumir o protagonismo que sempre teve na política. E para isso teria de elevar o tom da voz.
Lula tem pouco a perder agindo assim. Mas o governo, ao polarizar com ele, teria a perder pelo menos no curto prazo. Sem uma base de apoio expressiva dentro do Congresso, agora sem sequer um partido para chamar de seu, provocar marolas seria muito ruim.
Certamente Bolsonaro não contava com o que Guedes pudesse dizer. Pior: pode cair na tentação de repetir seu ministro ou ir além. É tudo o que Lula deseja. A palavra de ordem dentro do PT é polarizar com o governo e crescer em cima dos seus erros.
Míriam Leitão: O que a alta do câmbio avisa
Valorização de 13% do dólar sobre o real em quatro meses é um alerta de que dúvidas internas se somaram a incertezas com a economia mundial
Alguma coisa está fora da ordem no mercado cambial. A bolsa sobe, o país aprovou a reforma da Previdência, e há sinais de melhora de atividade. Porém o dólar passou de R$ 4,20 e bateu novo recorde em termos nominais. Ontem, o Banco Central divulgou que o déficit das contas externas foi de US$ 7,9 bilhões em outubro. A metodologia foi aperfeiçoada e isso elevou um pouco o déficit em transações correntes, mas o ritmo já era de alta. Está em 3% do PIB nos 12 meses terminados em outubro e foi de 2,67% nos 12 meses até setembro, número já revisto. Há fatores internacionais e outros internos para essa pressão no câmbio. A saída de capitais no país chegou a US$ 21 bilhões este ano e é a maior em mais de duas décadas.
O Brasil segue a tendência de várias economias emergentes, que estão tendo desvalorização de suas moedas. Mas o real está entre as que mais se desvalorizam. Cai menos que o peso da Argentina que tem baixo nível de reservas e passa por uma transição política, e o peso do Chile que vive uma turbulência social.
A cotação do dólar este ano se divide em dois momentos. Até meados de julho, a moeda americana vinha perdendo força em relação ao real. O câmbio caiu de R$ 3,88 no dia 31 de dezembro para R$ 3,72 em 18 de julho. Nesses últimos quatro meses, disparou para R$ 4,22 e obrigou o Banco Central brasileiro a vender reservas no mercado à vista, algo que não acontecia há mais de 10 anos. A valorização da moeda americana desde 18 de julho é de 13,4%. A do peso chileno, de 16,2%, e a do peso argentino, 40%.
No cenário externo, três eventos foram decisivos. Havia a expectativa de cortes mais agressivos de juros pelo Banco Central americano, mas o Fed vem cortando a taxa em doses mínimas. Isso mudou o valor do dólar no mundo inteiro. A guerra comercial entre os EUA e a China se intensificou a partir de agosto. Além disso, velhos temores voltaram a assombrar a América Latina, com mais intensidade no Chile, na Bolívia e Argentina.
— Pelo lado externo, o que se pode dizer é que aumentou a aversão ao risco, e isso afeta os emergentes de forma geral. A guerra comercial entre as duas maiores economias do mundo pode provocar desaceleração do PIB mundial. E na América Latina, uma instabilidade política que não se via há muito tempo — explicou a economista-chefe do banco Ourinvest, Fernanda Consorte.
Aqui no Brasil, também houve uma série de frustrações. A reforma da Previdência foi aprovada, mas foi criada uma expectativa maior do que o fato. Em julho, quando o dólar atingiu as mínimas dos últimos meses, a aposta era que o Congresso voltaria do recesso e votaria rapidamente a previdência, para dar sequência à agenda. Mas a PEC 06 só foi aprovada no Senado em outubro, e bastante desidratada. Alguns ajustes foram reapresentados na chamada PEC Paralela — como a inclusão dos estados e municípios — mas o texto sofreu modificações e a base governista parece ter abandonado o projeto.
Com a reforma tributária, foi pior. O ex-secretário da Receita Marcos Cintra foi demitido, depois de perder meses estudando um projeto a partir da recriação de um imposto sobre transações financeiras. Agora, o governo fala em enviar uma proposta fatiada, em quatro etapas, e ainda não se sabe como e quando isso vai se encaixar com as duas PECs que tramitam no Congresso. Além disso, três PECs foram apresentadas, congestionando a pauta: PEC Emergencial, do Pacto Federativo e dos Fundos Públicos. Tudo deverá ficar para o ano que vem. A agenda de reformas parece confusa e sem foco.
— Temas políticos afetaram a visão do investidor externo. O presidente Bolsonaro brigou com o próprio partido em menos de um ano, e houve aquelas declarações durante a crise da Amazônia, inclusive contra a primeira-dama da França. O debate da segunda instância pode pôr esse assunto na frente dos temas econômicos — explicou Fernanda.
O resultado do leilão do pré-sal foi a maior evidência desse receio do investidor externo em relação ao Brasil. Com as mudanças feitas pelo BC, os dados de balanço de pagamentos ficaram mais precisos. O déficit em transações já vinha subindo. Pela nova metodologia ficou em 3% negativo, o que é alto para um país que mal entrou em recuperação. E há sempre muitos elementos nas oscilações cambiais do que apenas a economia.
José Casado: Pirataria no petróleo
Negócios no submundo do óleo renderam a Taylor um fortuna
Aos 63 anos, o escocês Ian Roper Taylor tenta vencer um câncer na garganta e se manter na mesa de jogos com petróleo, onde aprendeu a viver perigosamente, como um pirata moderno em aventuras com figuras sombrias, como o iraquiano Saddam, o líbio Kadafi e o sérvio Arkan, responsáveis por alguns dos maiores massacres humanos do século XX.
Negócios no lado oculto do mundo do óleo renderam a Taylor uma das maiores fortunas do Reino Unido, avaliada em US$ 180 bilhões — superior ao PIB de Minas. Sua biografia remete à de Marc Rich, fundador da Glencore (Rich acabou condenado nos EUA a três séculos de prisão, maior que a pena do ex-governador Sérgio Cabral. Morreu em 2013, na Suíça).
A empresa de Taylor, Vitol, aumentou lucros em cem vezes nos últimos 25 anos, sobretudo na alta das commodities que mudou economias de Brasil, China e Índia e inflou o caixa da Venezuela, do Congo e da Nigéria.
Semana passada, os escritórios suíços da Vitol e das concorrentes Glencore e Trafigura foram invadidos pela polícia. A ordem judicial nasceu em Curitiba, onde se investigam contratos dessas empresas com a Petrobras.
Parte das transações delas com a Petrobras, entre 2004 e 2014, não teve registro e deu prejuízos à estatal. Foi azeitada com subornos a funcionários, intermediários e políticos de PT, MDB, Progressistas (antigo PP) e do PSDB. As propinas oscilaram de dez centavos até US$ 2 por barril — mostram os processos da Operação Lava-Jato.
Vitol negociou 14 bilhões de barris, e Taylor sabia de tudo — confessou um dos seus agentes, Carlos Herz. Segundo ele, o fundador da Trafigura Claude Dauphin (morto em 2015) e os executivos Tim Water e Mike Wainwright também pagavam para obter lucros fáceis com a Petrobras.
As investigações avançam em Curitiba, Houston e Genebra. Pela dimensão das empresas envolvidas, é previsível uma reforma nas regras do comércio de commodities. A última resultou na divisão da Glencore, de Marc Rich. Desta vez, quem está no centro é a Vitol de Taylor, benfeitor da Royal Opera House, de Londres, e filantropo de pesquisas contra o câncer.