Day: novembro 22, 2019

Conselho Curador da FAP aprova realização de curso online de formação política

Aulas serão ministradas por meio da plataforma de educação a distância Jornada da Cidadania; organização quer atrair 5 mil inscritos

Cleomar Almeida, da Ascom/FAP

O Conselho Curador da FAP (Fundação Astrojildo Pereira) realizou, nesta sexta-feira (22), a segunda e última reunião ordinária e extraordinária deste ano, em Brasília. O colegiado aprovou a proposta de realizar, a partir de janeiro de 2020, um curso online de formação política, por meio da plataforma de educação a distância Jornada da Cidadania. O objetivo é contribuir para o aprimoramento da democracia brasileira e ser uma alternativa de boa política diante da polarização e radicalização partidárias que tomam conta do país.

O coordenador pedagógico do curso é o professor Marco Marrafon, que também é mestre em Direito do Estado pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), com estudos doutorais (sanduíche) na Università degli Studi di ROMA TRE – Itália. A coordenação também é composta pelos diretores da FAP Ciro Gondim Leichsenring e Caetano Araújo. Durante a reunião, o colegiado parabenizou a iniciativa e sugeriu caminhos para que o curso tenha alto nível de excelência, com temas sobre democracia e sustentabilidade, por exemplo.

https://youtu.be/VOeUe3gYZiQ

A FAP é vinculada ao Cidadania. “A proposta busca que a fundação vá além dos muros partidários”, disse Marrafon. “A fundação desempenha um importante papel. Entendemos que o público-alvo merece receber formação fundamental para que possa fazer escolhas democráticas”, afirmou ele. As inscrições devem ser abertas em breve e seguir até o dia 15 de janeiro, em uma página específica da Jornada da Cidadania na internet. A previsão inicial para o início das aulas é o dia 23 de janeiro. O curso terá 36 horas, ao longo de três meses.

O presidente do conselho curador, Cristovam Buarque, ressaltou a importância da iniciativa de formação política da fundação. “Estou encantado com as ações da FAP”, disse ele, que compôs a mesa de reunião junto aos demais conselheiros. Cristovam destacou, ainda, a importância do engajamento de jovens na política e da garantia de direitos para toda a sociedade.

Caetano Araújo, que também é consultor político, afirma que a oferta do curso é uma demanda do Cidadania e uma tradição do partido. Segundo ele, em várias eleições passadas a legenda garantiu a oportunidade para que os seus candidatos fizessem a capacitação de formação política. "Neste ano, estamos fazendo algo maior ainda. Queremos atrair possíveis candidatos com esse curso. Além de ser uma peça de formação, o curso pretende qualificar os possíveis candidatos e candidatas", destaca.

A proposta do curso, segundo Caetano, é atrair pessoas para uma perspectiva de oposição consequente ao governo Bolsonaro. "O curso vai ofertar conteúdos em várias áreas, dando informação e posição políticas em cada um delas. Vai ser radicalmente democrático, a favor dos ideais da República e da sustentabilidade. Essas posições são opostas ao que o governo Bolsonaro tem defendido", adianta Araújo.

Diretor da FAP, historiador e professor titular da Unesp (Universidade Estadual Paulista), Alberto Aggio ressalta que a fundação é partidária, mas tem se notabilizado por realizar atividades político-culturais para um público muito mais amplo, não necessariamente vinculado ao partido, com temas contemporâneos, para debater a crise da política e da democracia, no mundo, na América Latina e no Brasil, por exemplo. "É uma fundação partidária muito mais aberta na sua composição porque tem pessoas que não são do partido Cidadania, antes PPS, e também porque sempre projeta iniciativas voltadas para o público mais amplo", destaca ele.

Aggio diz, ainda, que a inciativa do curso online de formação política a distância mostra que a FAP busca abrir um espaço de interlocução com milhares de pessoas. "O curso vai tentar promover essa interlocução com muito mais pessoas no âmbito da relação entre política e sociedade", assevera o historiados. Ele lembra que a FAP desenvolve outras ações relevantes, como a publicação da revista Política Democrática online e de livros, que, segundo ele, são "excelentes".

"Agora, temos o desafio enorme de ampliar a relação entre os partidos políticos, no caso o Cidadania, com pessoas vinculadas e não vinculadas para participarem da Jornada da cidadania. Será um  curso online com temas importantes sobre a realidade da política atual e a necessidade de comprensão dos sistemas políticos", exemplifica o professor da Unesp.

Eventos e publicações
O colegiado reconheceu a importância de eventos realizados pela FAP para o fortalecimento da democracia brasileira, como o 3° Encontro de Jovens e os seminários Desafios da Democracia e Cidades Inteligentes. Os conselheiros ressaltaram a relevância das publicações da FAP, como a revista Política Democrática online, que, neste mês de novembro, chegou à sua 13ª edição como um instrumento de intervenção política.

As atividades da Biblioteca Salomão Malina também foram apresentadas aos conselheiros, com destaque para a batalha de poesias do Slam-DF, realizada no auditório do Espaço Arildo Dória, que é mantido pela FAP, na parte superior da biblioteca. Por ano, a competição reúne cerca de 300 jovens da periferia de Brasília e de cidades-satélites no local, abrindo espaço para que usem as palavras como forma de protesto.

Os conselheiros conheceram, ainda, os detalhes do clube de poesias, que reúne cerca de 260 pessoas ao ano na biblioteca, assim como receberam informações sobre o clube de leitura e dos cursos de idiomas (inglês, espanhol e japonês) oferecidos, gratuitamente, ao público, no local.

Planejamento
Araújo disse ao conselho que o planejamento da fundação prevê, para o ano de 2020, a publicação de 12 livros, um por mês. Além disso, segundo ele, devem ser mantidas as edições mensais da revista Política Democrática online, devido à grande adesão que ela tem recebido do público, sempre com análises e entrevistas exclusivas, além de uma grande reportagem sobre assunto relevante, atual e de interesse da sociedade.

De acordo com Caetano, o objetivo de lançar um livro por mês é estimular a reflexão sobre os temas abordados em cada obra para o público em geral. Ele explicou, ainda, que as linhas temáticas devem envolver a história do PCB e das lutas sociais no Brasil, os dilemas da democracia, as reformas do Estado e políticas de equidade, além de sustentabilidade e desenvolvimento. Também devem ser considerados temas relacionados à governança mundial e a diretriz de contemplar a perspectiva de igualdade de raças.

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Nova edição da Política Democrática online analisa desastre do petróleo no litoral brasileiro

Produzida e editada pela FAP, 13ª edição da revista tem acesso gratuito pelo site da fundação

Cleomar Almeida, da Ascom/FAP

O impacto ambiental causado pelas manchas de petróleo que chegaram ao litoral brasileiro é o destaque da nova edição da revista Política Democrática online, produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), em Brasília. A publicação, que pode ser acessada gratuitamente no site da instituição, tem ainda uma entrevista exclusiva com o antropólogo Antonio Risério, uma série de análises sobre o contexto brasileiro e internacional, como a presença negra no país e a crise no Chile, a última reportagem da série sobre Serra Pelada e um artigo sobre o filme Coringa.

» Acesse aqui a 13ª edição da revista Política Democrática online

A revista produzida pela FAP, que é vinculada ao Cidadania, traz em seu editorial uma análise sobre a nova rodada de reformas no Brasil. “Encerrado o processo de deliberação sobre as regras da Previdência, o governo dá início à nova rodada de reformas”, diz um trecho. “Tramitam no Congresso Nacional três propostas de emendas à Constituição da lavra do Governo Federal, conhecidas respectivamente como pacto federativo, emergencial e dos fundos. Espera-se para breve uma proposta de reforma administrativa, que completaria a etapa presente da agenda reformista do Executivo”, continua.

O editorial alerta que sobre a oposição democrática e progressista recai uma tarefa adicional nesse processo: construir uma articulação parlamentar ampla, capaz de assegurar os ganhos pretendidos em termos de equilíbrio das contas públicas; inserir o viés da equidade, ou seja, das políticas de inclusão social e redução das desigualdades, e garantir a prevalência de soluções que preservem a autonomia dos entes federativos. “Executivo e Legislativo, a coalizão governista e a oposição na sua diversidade, todos os atores relevantes da política serão redimensionados ao fim do processo que se inicia”, destaca.

Na entrevista, concedida ao diretor da FAP Caetano Araújo com colaboração de Ivan Alves Filho, Risério diz acreditar que muita gente do campo democrático anda preocupada em superar a atual polarização brasileira e encontrar um rumo para o País. “Eu me coloco claramente no campo da esquerda democrática e não tenho nenhum problema com isso. O que acho houve no país foi o seguinte. Ao se tornar independente e conquistar autonomia nacional, o Brasil teve de construir a imagem do que somos”, diz o entrevistado, que também é ensaísta, poeta e historiador.

Um dos maiores crimes ambientais que chegaram ao país, o caso das manchas de petróleo no litoral brasileiro é analisado pelo Anivaldo Miranda, que é mestre em meio ambiente e desenvolvimento sustentável pela UFAL (Universidade Federal de Alagoas). “O Brasil do pós-Mariana, Barcarena (Pará), Brumadinho, dos mega incêndios florestais e atualmente do óleo no mar precisa refletir de maneira abrangente sobre isso e fazer conexões mentais importantes no contexto de sua inteligência coletiva, para enfrentar os dilemas do século atual com boas possibilidades de acerto que, ao final, conduza seu povo a um nível razoável de bem-estar e mantenha seu território e biodiversidade num plano seguro de preservação e capacidade de reprodução”, observa.

O professor e diretor da FAP Alberto Aggio é o autor da análise sobre o Chile. Segundo ele, os chilenos colocaram para fora toda a raiva frente ao mal-estar resultante do “modelo econômico”, que ordena o país desde os tempos da ditadura do Pinochet, durante as manifestações de outubro. “Em outubro, o Chile explodiu. Por vários dias, milhares de pessoas saíram às ruas em marchas de protesto que invariavelmente se tornaram violentas”, escreve ele.

A revista também traz outros artigos de opinião, com análises sobre democracia, cultura e economia. Integram o conselho editorial da Política Democrática online Alberto Aggio, Caetano Araújo, Francisco Almeida, Luiz Sérgio Henriques e Maria Alice Resende de Carvalho.

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Luiz Carlos Azedo: Bolsonaro já mira a reeleição

“A criação do Aliança pelo Brasil sinaliza uma reorganização do quadro partidário, ainda que num primeiro momento à custa de mais fragmentação, pois nasce de um racha no PSL”

O presidente Jair Bolsonaro já tem um partido para chamar de seu, o Aliança pelo Brasil, cujas principais bandeiras são a livre iniciativa, a posse de armas, o combate ao comunismo e ao globalismo e a defesa da família e da infância, segundo o ex-ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) Admar Gonzaga, principal estrategista da criação da legenda. Na presidência de sua comissão provisória, Bolsonaro conta com o apoio dos filhos Flávio, Eduardo e Carlos para cumprir as exigências da legislação eleitoral, entre as quais a coleta do mínimo de 491.967 assinaturas, em nove unidades da Federação, até março, para poder participar das eleições municipais.

Entretanto, se o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) não autorizar a coleta de assinaturas eletrônicas, ou seja, pela internet, Bolsonaro não pretende participar das eleições municipais do próximo ano.Trocando em miúdos, Bolsonaro lançou um partido com objetivo de com ele disputar a reeleição à Presidência. Essa é a missão principal do Aliança pelo Brasil, que busca unificar a extrema direita brasileira, tendo como núcleo central os parlamentares das bancadas evangélica, ruralista e da bala. Há um ideário político por trás dessa definição, sem dúvida, mas também há um cálculo eleitoral estratégico: com o governo federal nas mãos e um partido que represente os setores mais conservadores da sociedade, Bolsonaro acredita que estará no segundo turno das eleições, na pior das hipóteses.

Esse cálculo parte do princípio de que a estratégia de polarização da sociedade entre direita versus esquerda é o melhor caminho para preservação do poder, ainda que não o seja para realizar um bom governo. Faz todo sentido, desde que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva continue esticando o outro lado da corda, à frente do PT e seus aliados de esquerda, sem nenhuma intenção de moderar o confronto com Bolsonaro. Nessa perspectiva, os demais candidatos que se apresentarem no processo — o ex-ministro Ciro Gomes (PDT); o governador paulista, João Doria (PSDB); o governador fluminense, Wilson Witzel (PSC); e o apresentador Luciano Huck, que está costeando o alambrado, como diria Leonel Brizola, e talvez seja candidato pelo Cidadania — seriam protagonistas da pulverização dos votos à margem do bolsonarismo e do lulismo.

“Fulanização”
É óbvio que esse raciocínio nem sempre se reproduz no processo eleitoral. A rigor, essa polarização extrema somente ocorreu nas eleições de 1989, com a vitória de Collor de Mello (PRN ), e agora, em 2018, com a de Bolsonaro. Mesmo assim, há que se dar um desconto, porque a candidatura de Collor de Mello centrou fogo nas lideranças políticas tradicionais, mas cavalgou a esperança despertada pela redemocratização do país. Nas eleições passadas, Bolsonaro fez uma campanha antissistema, aproveitando-se do desgaste da democracia, que centrou fogo nas instituições políticas, nos direitos humanos e nas pautas identitárias, ao contrário de Haddad. O centro político foi esmagado e até hoje não conseguiu se recompor.

Os esforços nessa direção ainda não ganharam a força necessária para que se forme um bloco político como alternativa de poder. A “fulanizaçao” dessas forças de centro, como gosta de dizer o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, ainda está por acontecer. O que predomina são as tendências centrífugas das disputas locais, em razão das eleições municipais, as quais Bolsonaro está esnobando, porque detém o poder mais concentrado do país, o da União. Em contrapartida, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que protagonizou todas as disputas eleitorais desde 1989, aposta nas eleições municipais para resgatar o PT do gueto político no qual está confinado em razão do “mensalão” e da Operação Lava-Jato. É pagar pra ver.

De certa forma, a criação do Aliança pelo Brasil sinaliza uma reorganização do quadro partidário, ainda que num primeiro momento à custa de mais fragmentação, pois nasce de um racha no PSL. As candidaturas de Ciro, Doria, Witzel e, eventualmente, Huck apontam para a mesma direção, sendo que esse processo ainda comporta muitas surpresas. Bolsonaro e Witzel, em tese, disputam o mesmo espaço; igualmente, Doria e Huck. Ciro é um caso à parte, pois queimou os navios com Lula e o PT, não pode abduzir Haddad nem vice-versa, embora a prudência não recomende tal afirmação tão categórica.

 

http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-a-ultima-do-bolsonaro/

 

 


Elena Landau: Chama o Chacrinha

Para ganhar apoio da sociedade, importância de PECs deve ficar bem clara

O governo enviou, recentemente, três propostas de emendas constitucionais visando reorganizar as finanças públicas e recuperar os princípios da Lei de Responsabilidade Fiscal, que foram sendo abandonados pelo caminho com aval dos Tribunais de Contas dos Estados, e mesmo do STF.

As emendas são bastante complexas, mas mesmo que apresentadas em separado, elas estão conectadas. A lógica do processo não é de fácil entendimento, ficando circunscrita aos especialistas em contas públicas. Para ganhar apoio da sociedade, é fundamental que fique clara a importância de cada uma das medidas propostas, como se articulam, qual o objetivo final e por que o saldo das mudanças é positivo, ainda que imponha perdas para alguns grupos. Foi assim que a reforma da Previdência conseguiu ser aprovada este ano, após dois anos de debates, campanhas de esclarecimento e negociação política.

Complementando essas três PECs, o governo anunciou outra para a simplificação tributária, que deve ocorrer em etapas, ao longo de 2020. A prometida reforma administrativa subiu no telhado, deve ser desidratada, mas não foi ainda abandonada. Tudo isso aprovado, no conjunto, começa a dar um novo desenho ao Estado brasileiro. Mas refundar o Estado ainda vai exigir muitas outras medidas e mais radicais, lembrando que a privatização continua muito tímida. Que o governo não pare por aqui.

Temos uma carga tributária elevada, empresas estatais que não se justificam, número excessivo de funcionários públicos, baixa produtividade e serviços públicos de péssima qualidade. Não deveria, portanto, haver dúvidas sobre a importância das medidas. Mas em uma sociedade patrimonial, acostumada a depender do Estado para tudo, o programa proposto é mais que um pacote econômico, é um choque cultural. Começa agora a fase mais difícil dos trabalhos, que é o convencimento da sociedade e de seus representantes no Legislativo. Ela envolve todo o governo, não só a equipe econômica.

A ausência de uma boa estratégia de comunicação pode ser fatal. Os exemplos da inabilidade deste governo nesse quesito são muitos e, por isso, não surpreende o número de iniciativas de Bolsonaro derrubadas pelo Congresso. Essas PECs são importantes demais para que deslizes na comunicação coloquem tudo a perder. Não são vendetas pessoais, nem fazem parte de uma guerra ideológica.

Fora o contexto geral de grande complexidade, há detalhes em cada uma das emendas que vieram à tona conforme as propostas foram sendo destrinchadas. E neles mora o diabo. Duas propostas causaram reação imediata: o fim dos municípios sem autonomia financeira e a desobrigação do governo em construir escolas públicas em locais carentes de vagas, utilizando bolsas para inscrição em escolas privadas, os vouchers.

A ideia de reduzir número de municípios pode ser boa, se o objetivo é a redução de gastos públicos. Mas não estão claros os critérios, nem como será feita a transição. Os habitantes de lugares isolados reagiram imediatamente. Temem o esquecimento. Lembrando que esse assunto será votado em plenas eleições municipais, tornando o desafio da comunicação ainda maior.

A questão das escolas públicas é bem mais complicada. Nem mesmo entre os especialistas há consenso sobre a ideia dos vouchers. O ideal é fazer um experimento estatisticamente controlado antes de partir para uma mudança constitucional. E se o governo acha a ideia tão boa, com base no fato de o custo por aluno em escolas privadas ser menor, não deveria limitá-la a locais com carência em vagas nas escolas públicas. Não deveria haver restrições. Educação é um tema que exige bem mais reflexão.

A objetividade e simplicidade de uma PEC ajuda imensamente na sua compreensão. Esses jabutis colocados pelo próprio governo em nada contribuem para sua aprovação. Dizem que são bodes na sala, não me parece o caso. E podem contaminar a apreciação de todo o resto.

A coerência também é fundamental para a persuasão. A ideia de submeter os Tribunais de Conta Estaduais ao TCU vai na contramão do compromisso “Mais Brasil, menos Brasília”. E ainda deve sofrer questionamento sobre sua constitucionalidade. Da mesma forma, a política de desoneração para estimular o 1.º emprego é contraditória, com a redução de subsídios e incentivos prevista na PEC do pacto federativo. Mas se o governo abriu exceção para Zona Franca de Manaus, por que não para o jovem desempregado? E por que deixar o idoso de fora? Conter outras demandas será mais uma árdua tarefa política.

Vem sendo exibido em escolas e centros acadêmicos um documentário sobre os 25 anos do real, produzido pelo Livres. Talvez a melhor lição que se tira das entrevistas com os autores do plano é a importância da boa comunicação. Esclarecer, dialogar e convencer foi o segredo. Quem não se comunica, se estrumbica.

*Economista e advogada


Eros Grau: O STF, a prisão e a Constituição

Só nova Constituinte poderá impor a prisão após condenação em segunda instância

Podemos falar e escrever como juízes, advogados ou cidadãos. Agora, escrevo como a relembrar voto que proferi como relator do Habeas Corpus 84.078-7, em 2009, quando eu era membro daquele tribunal lá de Brasília, o Supremo Tribunal Federal (STF).

Ao me referir aos juízes, desembargadores e ministros dos nossos tribunais seguidamente me repito, lembrando um texto de Sartre a propósito da conduta do garçom que executa uma série de gestos solícitos para atender o cliente. Os garçons cumprem seu papel no café ou restaurante onde trabalham sendo gentis até mesmo com clientes que detestem.

Assim é o juiz. Cumpre o papel que a Constituição lhe atribui. Não é perpetuamente juiz. Mas enquanto juiz deve representar o papel de magistrado, nos termos da Constituição e da legalidade. Não o que é (e pensa) ao cumprir outros papéis, quais os de artesão ou jardineiro, por exemplo. Poderão então prevalecer os seus valores. Enquanto juízes, contudo, hão de se submeter à Constituição e às leis.

O que me traz a escrever este texto é o recente julgamento das ações declaratórias de constitucionalidade (ADCs) n.ºs 43, 44 e 54, o Supremo Tribunal Federal recuperando e reafirmando o quanto decidiu em 2009, no julgamento do Habeas Corpus 84.078-7.

Outro é o meu sentimento como cidadão, distinto do que dispõe a Constituição, que estabelece, no seu artigo 5.º, inciso LVII, que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. E o inciso LXI desse mesmo artigo 5.º, por outro lado, aplica-se não ao cumprimento de pena, mas à prisão preventiva “em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente”.

A distinção entre ambos é evidente: o primeiro – inciso LVII – diz respeito à prisão preventiva e o segundo – inciso LXI –, ao cumprimento de pena.

Mais, o preceito estabelecido pelo artigo 283 do Código de Processo Penal, que autoriza a prisão por “ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente”, não é suficiente para justificar a execução antecipada da sentença. Preceitos constitucionais não podem ser expurgados por leis ordinárias.

A circunstância de ter procedido como um “garantista” durante o tempo no qual exerci a magistratura – e não como “consequencialista”, designação hoje atribuída aos juízes praticantes de direito alternativo – me traz serenidade.

Não me cansarei de repetir que vamos à Faculdade de Direito aprender Direito e não justiça. Uma indagação de Bernd Rüthers é de todo aplicável aos nossos tribunais e juízes: pode um Estado, pode uma democracia existir sem que os juízes sejam servos da lei? A resposta é negativa, dado que a independência judicial é vinculada à sua fiel obediência ao Direito positivo.

Pequenos trechos extraídos do voto que proferi no julgamento do Habeas Corpus 84.078-7, no STF, dizem o quanto desejo aqui enfatizar.

A ampla defesa não pode, em face do que dispõe a nossa Constituição, ser visualizada de modo restrito. Engloba todas as fases processuais, incluídas as recursais de natureza extraordinária. A execução de sentenças após o julgamento do recurso de apelação significa restrição do direito de defesa. Uma assertiva de um meu amigo de verdade, o ministro Evandro Lins, tudo sintetiza: “Na realidade, quem está desejando punir demais, no fundo, no fundo, está querendo fazer o mal, se equipara um pouco ao próprio delinquente”.

Nas democracias, mesmo os criminosos são sujeitos de direito, não meros objetos processuais. E as singularidades de cada infração penal somente podem ser plenamente apuradas quando, nos termos do que define o artigo 5.º, inciso LVII, da nossa Constituição, transitada em julgado a condenação de seus autores.

Não fosse assim, melhor seria que os magistrados abandonassem o seu ofício e saíssem por aí, cada qual com o seu porrete, arrebentando a espinha e a cabeça de quem os contrariasse. Cada qual com o seu porrete! Cada um por si e a Constituição contra...

A lição do profeta Isaías que se lê na Bíblia (32,15-17) basta-me por tudo: “O direito habitará no deserto e a justiça morará no vergel. O fruto da justiça será a paz, e a obra da justiça consistirá na tranquilidade e na segurança para sempre”.

É certo que enquanto cidadãos gozamos da liberdade de falar como quisermos, mesmo correndo o risco de afirmar o que não tem sentido. A respeito da chamada “prisão em segunda instância”, por exemplo, há até quem chame os ministros do STF de “centauros com quatro patas de cavalo”.

Essa liberdade não deveria ser excedida mesmo pelos que não frequentaram Faculdades de Direito. Leio aqui e ali afirmações inconcebíveis, tal qual a de que as regras jurídicas podem elidir os princípios jurídicos – vale dizer regras-princípio. Mais, ignorância total do fato de que nossa Constituição, como afirmei linhas acima, nos incisos LVII e LXI do seu artigo 5.º distingue a prisão preventiva do cumprimento de pena. E, sobretudo, ironias, qual a de que o Supremo Tribunal Federal solta presos que não foram condenados em última instância para beneficiar outros.

Sei bem que uns e outros desejam fazer justiça com as próprias mãos, mas não me cansarei de reafirmar que nem mesmo os juízes fazem justiça. Pois são vinculados pelo dever de aplicar as leis e a Constituição. Justiça é lá no Céu!

Permito-me, por fim, lembrar que, como dispõe o artigo 60, parágrafo 4.º, IV, da nossa Constituição, não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir direitos e garantias individuais. Percebem? Somente uma nova Assembleia Constituinte poderá impor o cumprimento de sentença condenatória a partir de condenação em segunda instância!

*Advogado, professor titular aposentado da Faculdade de Direito da USP, foi ministro do STF


Murillo de Aragão: Os bons frutos da polarização

O melhor dos mundos: reformas com democracia

Muitos no Brasil de hoje se preocupam, corretamente, com as narrativas belicosas e a polarização ideológica. Devem também se preocupar com os ataques à imprensa e o tom raivoso que predomina nas redes sociais. São tempos exacerbados que, sem dúvida, merecem a atenção de todos. Mas o Brasil não é só polarização. E, diferentemente do que se viu em outras épocas, o extremismo que se instalou aqui com o processo de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), em 2016, veio acompanhado de um virtuoso ciclo de reformas e de modernização, iniciado no governo de Michel Temer (MDB) e com o apoio decisivo do deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara.

De forma inusitada, as eleições de 2018 trouxeram as reformas estruturais para o centro das discussões. Os principais candidatos presidenciais, em especial Jair Bolsonaro, abordaram temas que antes soavam impopulares e seriam vetados nas campanhas, como a reforma da Previdência, a diminuição do Estado e a redução da burocracia. Houve uma mudança de mentalidade no mundo político.

Ainda pagamos a conta pelo desgoverno da ex-presidente Dilma, em especial no que tange aos aspectos fiscais e regulatórios. Mas, estruturalmente, o Brasil está muito melhor. O saldo das reformas aprovadas na legislatura passada do Congresso é impressionante. Temas espinhosos nunca abordados foram enfrentados sem receio, como o teto de gastos, a Lei da Terceirização, a nova Lei das Estatais e a reforma trabalhista. Os marcos dos setores elétrico e de óleo e gás foram renovados, e iniciou-se, com o apoio do Legislativo e do Judiciário, um intenso programa de concessões e privatizações. Mesmo em meio ao tiroteio político e à polarização exacerbada de posições que continuaram na ordem do dia após as eleições, o que havia ficado pendente em 2018 avançou de forma consistente em 2019. Além da reforma previdenciária, pautas relevantes como a cessão onerosa dos campos de petróleo, uma nova Lei de Telecomunicações, a Lei da Liberdade Econômica e o cadastro positivo foram sancionadas.

Apesar da temperatura elevada, temos instituições fortes e responsáveis

Enfim, o ano que se encerra foi extremamente produtivo para mudanças estruturais que podem inaugurar um ciclo virtuoso de crescimento econômico. A depender, obviamente, de uma boa pilotagem da equipe econômica, tendo em vista assegurar que as reformas aprovadas tragam consequências positivas para o ambiente de investimentos. Sobretudo no capítulo da desburocratização e simplificação do sistema tributário.

O paradoxal de tudo isso é que o avanço das reformas tem se dado em clima de polarização, o que lembra os anos 1950 e o início dos anos 1960, que culminou no movimento que derrubou o governo Goulart. As narrativas radicalizadas autorizam alguns a temer por um retrocesso democrático. Não creio nisso. Apesar da temperatura elevada, temos instituições fortes, atuantes e responsáveis, além de múltiplos atores e agremiações políticas comprometidos com a democracia. Inclusive os militares. O país demonstra maturidade ao avançar nas reformas respeitando a democracia mesmo em ambiente de polarização. E isso, acima de tudo, deve ser reconhecido, valorizado e preservado. Reformas com democracia é do que o país precisa.

 


Revista Política Democrática || Reportagem: Um Oásis no meio da destruição

Lago em Serra Pelada está cercado por desmatamento que aumenta com ação de garimpeiros, mostra segunda reportagem da série Sonho Dourado: 40 anos depois

Por Cleomar Almeida, enviado especial

Um lago de 200 metros de profundidade sobrevive como um oásis em meio ao cenário de terra arrasada, em Serra Pelada, no Sudeste do Pará. A ação das chuvas criou o reservatório no mesmo local onde há 40 anos passou a ser aberta uma cratera de 24 mil metros quadrados para exploração do maior garimpo livre do mundo até o final dos anos 1980. Contudo, ao redor do lago, dentro da floresta amazônica, garimpeiros aumentam cada vez mais o desmatamento, já que são explorados para trabalharem como tatus atrás de ouro na região.

No Pará, o aumento da destruição do meio ambiente tem relação direta com a exploração do ouro, que teve seu auge anos 1980. Desde aquela época, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o Estado perdeu 148,3 mil km² de floresta, o equivalente à área do Ceará. A maioria dos garimpeiros atua em situação ilegal, como mostrou a primeira reportagem da série Sonho Dourado: 40 anos depois.

Os garimpeiros deixam seus rastros visíveis de destruição ao se embrenharem na floresta em busca do ouro. Derrubam árvores. Acumulam montanhas de terra em cima da vegetação. Com pás, enxadas, picaretas e motosserras, exploram uma área até se esgotar qualquer chance de encontrar o metal. Em seguida, partem para outra região da Amazônia e repetem o mesmo ciclo do desmatamento.

— A gente vem para o garimpo para não passar necessidade, mas todo mundo sabe que destruir a floresta não é certo. O patrão, que foi quem descobriu o garimpo, é quem manda a gente passar a motosserra de madrugada. A gente só obedece, diz um garimpeiro da região que pediu para não ser identificado.

De agosto de 2018 a julho de 2019, o Brasil bateu novo recorde do desmatamento na Amazônia nesta década, de acordo com números oficiais do governo federal divulgados, no dia 18 de novembro, pelo Inpe. No período, a área desmatada na floresta foi de 9.762 km², o que representa um aumento de 29,5% em relação ao período anterior (agosto de 2017 a julho de 2018), que teve 7.536 km² de área desmatada.

O aumento percentual deste ano é o terceiro maior da história. Outros aumentos preocupantes só foram registrados nos anos de 1995 e 1998. Os dados são do Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite (Prodes), considerado o mais preciso para medir as taxas anuais.

O Pará é o que mais destruiu a região desde o ano passado, com 3.862 km² de área desmatada. De acordo com o Prodes, foram 39,56% de toda a floresta derrubada. Juntos, os estados do Pará, Rondônia, Mato Grosso e Amazonas foram responsáveis por 84% do total desmatado no período, cerca de 8.213 km².

O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, atribuiu o aumento do desmatamento à “economia ilegal” na Amazônia, citando o garimpo, a extração de madeira e a ocupação do solo nessa situação. Ele disse que há negociações na esfera governamental para criar uma sede do órgão na Amazônia. As medidas incluiriam transferência de parte dos órgãos de identificação, monitoramento e pesquisa de biodiversidade e floresta, e o setor de ecoturismo, que faz parte do ministério.

— Os garimpos que foram autuados neste ano foram os mesmos autuados em anos anteriores, o que mostra que essa colocação de que atividades ilegais tenham começado agora por causa de discurso, seja ele qual for, não é verdade, afirmou Salles.

Em menos de um ano de mandato, o presidente Jair Bolsonaro tem repetido discursos de apoio a garimpeiros prometendo legalizar a atividade, enquanto critica os fiscais do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) e ataca os dados de desmatamento monitorados e divulgados pelo Inpe.

O Observatório do Clima considera que “a alta no desmate coroa o desmonte ambiental de Bolsonaro e Salles”. Diz, ainda, que os dados de desmatamento são decorrência direta da estratégia do governo para desmobilizar a fiscalização, engavetar os planos de combate ao desmatamento dos governos anteriores e empoderar, no discurso, criminosos ambientais.

— O dado divulgado pelo Inpe é o indicador mais importante do impacto da gestão Bolsonaro/Salles para o meio ambiente do Brasil até agora: um imenso desastre. E propostas como legalização da grilagem de terras públicas, mineração e agropecuária em terras indígenas, infraestrutura sem licenciamento ambiental só mostram que os próximos anos podem ser ainda piores”, disse o secretário-executivo do Observatório do Clima, Carlos Rittl.



Ruínas de mineradora canadense mancham paisagem da região

As ruínas de um esquema fraudulento de retomada da exploração do garimpo pioram o cenário de destruição e abandono em Serra Pelada, no Sul do Pará. Excesso de concreto – alguns acumulando água da chuva –, vigas de ferro jogadas por todos os cantos, balcões vazios e túnel desativado dão um sinal do que restou da desenfreada ação humana atrás do ouro na região, de 2008 a 2014.

O novo empreendimento de exploração de ouro foi resultado de uma parceria entre a Cooperativa dos Garimpeiros de Serra Pelada (Coomigasp) e a empresa de mineração Colossus Minerals, do Canadá. A aliança, firmada em 2008, gerou uma terceira empresa, a Serra Pelada Companhia de Desenvolvimento Mineral (SPCDM), detentora da portaria de lavra, documento concedido pelo governo federal que permite a retirada de minério do local.

Na época, a operação de retomada do garimpo foi articulada pelo senador e ex-ministro de Minas e Energia Edison Lobão. A suspeita era de que operação envolvia pagamentos suspeitos a cabos eleitorais dele e empresas - algumas supostamente de fachada - instaladas no Brasil e no Canadá.

Ainda em 2007, como senador, Lobão agiu para que o governo federal convencesse a Vale, até então detentora da mina, a transferir à cooperativa seus direitos de exploração de ouro e outros metais nobres em Serra Pelada. Na época, a Vale submeteu a proposta a seu conselho de administração, que concordou em atender ao pedido de Brasília e, em fevereiro de 2007, assinou um "termo de anuência" repassando à cooperativa dos garimpeiros o direito de explorar a mina principal.

Colossus ingressou na sociedade com 51% de participação na nova empresa. A Coomigasp ficou com 49%. Pouco depois, sempre com a anuência dos diretores da cooperativa ligados a Lobão, a mineradora canadense conseguiu ampliar sua participação para 75%.

Em 2010, a Colossus Minerals encontrou dois depósitos inesperados com alta concentração de ouro e platina no seu projeto de Serra Pelada, no Pará, aumentando as expectativas de que existam mais reservas minerais ainda não descobertas na região. Em 2014, a mineradora fez demissões em massa e comunicou a paralisação das atividades.

— Com certeza tiraram várias toneladas de ouro e os garimpeiros não ficaram com nada. O que estamos pedindo, agora, é para as autoridades investigarem o processo. Queremos que o governo nos ajude a desvendar o que houve aqui, diz o diretor da cooperativa Almir José da Cruz Arantes, que assumiu o cargo após eleição de nova diretoria.

Em nota, a Vale informou que não tem qualquer participação na Colossus. A reportagem não conseguiu contato de representantes da mineradora canadense e de Edison Lobão. O governo federal não se pronunciou.

 


 

Fotógrafo lançará livro com primeiras fotos de garimpo

Serra Pelada é conhecida por fotos históricas de um formigueiro humano dentro da cratera de exploração de ouro. O fotógrafo André Dusek (63 anos), o primeiro profissional brasileiro a registrar essa “cena babilônica”, como ele mesmo a denomina, deve lançar em janeiro um livro com fotografias históricas de Serra Pelada em três épocas: 1980, 1996 e 2019. A previsão dele é de que o lançamento do livro ocorra em Brasília, Florianópolis, São Paulo e Rio de Janeiro.

Dusek conseguiu seu primeiro acesso livre à Serra Pelada, em 1980, enquanto fazia um trabalho para o Correio Braziliense, em outro garimpo, em Conceição do Araguaia, no Sul do Pará. Anos depois, trabalhou também para veículos de circulação nacional, como o Estado de S. Paulo e a revista IstoÉ.

A autorização ocorreu após um encontro rápido com o Major Curió, como ficou conhecido Sebastião Rodrigues de Moura, que ficou conhecido no Norte do país por ter sido o comandante da ação que exterminou a Guerrilha do Araguaia, em 1974. Quando o governo quis “organizar” a exploração do ouro em Serra Pelada, Curió foi destacado como interventor, em maio de 1980. Era a única autoridade civil e militar na região.

Acompanhado de Curió, o fotógrafo chegou de helicóptero a Serra Pelada. Como havia usado boa parte dos filmes de sua máquina fotográfica em outra reportagem, Dusek, que tinha 23 anos na época, seguiu para o maior garimpo a céu aberto do mundo com muito frio na barriga e uma vontade enorme de fotografar todos os detalhes possíveis. Ficou dois dias no local.

— Talvez, seja um dos trabalhos mais importantes da minha vida. Só tinha 5 filmes de 20 poses, ou seja, 100 chapas para fazer as fotos. Tinha mais um filme de 36 fotos coloridas. Essa foto mesma eu só fiz uma, disse ele, referindo-se à fotografia do formigueiro humano na cratera de exploração de ouro.

Em 1981, o fotógrafo fez uma exposição na Aliança Francesa e publicou parte de seu material na revista francesa de fotorreportagem. Fez uma seleção minuciosa e, para o seu novo livro, pretende construir um trabalho que reúna o seu retorno à região nos anos 1996 e 2019.

— No garimpo de ouro, as pessoas ficam obcecadas. É como se estivessem em um jogo. Começam a tirar ouro e não querem parar. Estive lá e presenciei isso, na época.  Foi algo muito emocionante. Não estava ali para procurar ouro, queria era fazer foto boa, conta Dusek.

 


 

Na história

O tenente-coronel Sebastião Rodrigues Moura era um nome pouco conhecido nos garimpos do Pará, nos anos 1980. A mesma pessoa usou nomes falsos durante oito anos: Marco Antônio Luchini e Major Curió. Ele foi agente do Sistema Nacional de Informação (SNI) e comandou as operações oficiais em Serra Pelada. Hoje, aos 81 anos, vive com o auxílio de um profissional de saúde em uma casa no Lago Sul, em Brasília.

Com a promessa de ser a ponte entre garimpeiros e Estado, Curió proibiu a entrada de mulheres, cachaça e armas na zona de trabalho em Serra Pelada. Usou sua popularidade como major da região para chegar ao Congresso. Foi eleito deputado federal pelo Pará, em 15 de novembro de 1982, com 49.529 votos. Sua candidatura foi anunciada em maio daquele ano. Em Brasília, Curió tentou prolongar ao máximo a concessão de direitos ao trabalho manual dos garimpeiros.

Até 1984, o garimpo manual seguiu instável, passando por longos meses de fechamento. Em junho, o governo estendeu por mais cinco anos a chance de trabalho humano nos barrancos de Serra Pelada. Um churrasco com direito a fogos de artifício e à liberação da visita de mulheres foi realizado no povoado. Em entrevista à imprensa, Curió declarava que a questão estava resolvida, ou seja, que a lavra manual seria mantida.

 


Revista Política Democrática || Sérgio C. Buarque: Os sinais e as incertezas

Economia do país reage e apresenta sinais alentadores, com ambiente macroeconômico favorável, com inflação de 3,4% ao ano e a mais baixa taxa Selic da história recente do Brasil (5% ao ano, menos de 2% em termos reais). É só o presidente não atrapalhar e as tensões externas arrefecerem 

Os sinais da economia brasileira são alentadores. Apesar do tímido crescimento esperado para este ano e dos níveis alarmantes de desemprego, a combinação de inflação em patamares civilizados (3,4% ao ano) com a mais baixa taxa de juros de referência (Selic) da história recente do Brasil (5% ao ano, que representa menos de 2% em termos reais) cria ambiente macroeconômico muito favorável. Se o presidente da República não atrapalhar e as tensões comerciais externas arrefecerem, é provável que a economia brasileira retome ciclo de crescimento nos próximos anos. Nada espetacular e rápido, contudo, como seria desejável para a geração de renda e emprego e para ampliação da receita pública. Mesmo com a reforma da Previdência, a crise fiscal ainda vai se arrastar por alguns anos, as famílias e as empresas continuam endividadas e a economia internacional caminha a passos de tartaruga.

A queda da taxa de juros de referência deve gerar três efeitos positivos e complementares na economia. De imediato, reduz o custo da dívida pública, contendo a tendência de expansão do endividamento, que gera insegurança e instabilidade, e diminuindo o tamanho do superávit primário necessário para pagamento dos juros. Ao mesmo tempo, a redução da Selic já está empurrando para baixo os juros do crédito comercial, mesmo com a persistência de oligopólio bancário e da elevada inadimplência.

Além disso, a redução da Selic deve levar a uma redução da atratividade das aplicações financeiras em títulos da dívida pública, grande parte dos quais são remunerados pela taxa de referência. Como consequência, pode haver migração das aplicações da poupança nacional para produtos mais rentáveis, incluindo ações, e mesmo para o consumo ou o investimento. O desestimulo da “economia rentista” anima os empreendedores à procura de negócios com maior remuneração e risco mais elevado. Como a economia está operando com alto índice de ociosidade, a ampliação da utilização da capacidade instalada, acompanhada da contratação de mão de obra desocupada, complementa o ciclo virtuoso de recuperação do crescimento econômico.

Entretanto, esta conjuntura favorável convive com muitas incertezas, que assustam os agentes econômicos e podem comprometer o crescimento da economia. O primeiro fator de insegurança reside no próprio governo, na incompetência e no desequilíbrio emocional e ideológico do presidente da República, sua incontinência verbal alimentada pela paranoia reacionária, provocando quase cotidianamente o conflito e a instabilidade. A isto se agrega a recente libertação de Luís Inácio Lula da Silva com um discurso de radicalização política que deve acentuar a polarização entre lulistas e bolsonaristas, elevando a temperatura política, o que pode desfocar o debate das reformas estruturais.

É surpreendente, em todo caso, a consistência da política econômica de um governo completamente desorientado, parecendo indicar que o presidente delegou, efetivamente, ao ministro Paulo Guedes e a outros ministros da área econômica a condução das reformas que podem destravar a economia e estimular novos investimentos privados. Além das iniciativas para privatização de várias estatais e concessão de serviços públicos, o governo vem avançando em algumas reformas do Estado para flexibilizar, regular e reduzir as despesas públicas. O Ministério da Economia falha, lamentavelmente, quando se omite das negociações que levam à reforma tributária (com duas propostas tramitando no Congresso), fundamental para melhoria do ambiente de negócios, que estimula os investimentos.

Não bastassem as incertezas internas, a situação internacional emite ondas de instabilidade que podem atrapalhar muito o desempenho da economia brasileira. A disputa comercial dos Estados Unidos com a China, amenizada transitoriamente, pode gerar retração da economia global e, de imediato, atingir os dois maiores parceiros comerciais do Brasil. A União Europeia, às voltas com um nacionalismo retrógrado e com a confusão do Brexit, mostra sinais de estagnação econômica que contraem também o comércio internacional. Mais perto do Brasil, o renascimento do peronismo kirchnerista na Argentina, nosso terceiro parceiro comercial, ameaça a existência do Mercosul, base para negociação de acordos comerciais com grandes centros econômicos, especialmente o entendimento com a União Europeia, já muito abalado pelas barbaridades do presidente Jair Bolsonaro.

Mesmo com toda a reserva em relação a um presidente autoritário e reacionário em áreas importantes da vida brasileira, há motivos para otimismo quanto a uma possível retomada do crescimento da economia brasileira. Os sinais são positivos, embora as incertezas ainda sejam muito grandes.

 

 


Revista Política Democrática || Lilia Lustosa: Coringa — o grito liberado

Minha curiosidade em ver Coringa foi mais forte que minha bronca. Me rendi e digo: valeu cada segundo. Filme é duro de ver, não pelo excesso de violência física, mas pelo excesso de realidade impresso na tela, avalia Lilia Lustosa

 Logo que soube que ia sair o Coringa, pensei: mais um blockbuster de heróis! No caso, de anti-herói. Superprodução, efeitos especiais, muito barulho, cortes rápidos, muita ação, pouco tempo para se analisar qualquer coisa, puro cinema de entretenimento. E logo imaginei que isso fosse uma reação da DC Films, que anda perdendo terreno para a Marvel Studios nos últimos anos, com seus Avengers e Panteras Negras da vida.

Confesso que não estava muito animada para vê-lo, até que soube da repercussão que o filme estava tendo nos Estados Unidos, onde chegou mesmo a ser entendido como uma mensagem subliminar contra o governo Trump. E, ainda, do texto que Michael Moore publicou defendendo o filme e ressaltando o valor de sua mensagem em tempos atuais, época sombria, em que tantos medos povoam nossos pensamentos.

Me rendi então à famosa peer pressure e fui assistir ao Coringa, mesmo ciente de que estava em pleno período de “invasão blockbuster”. Ou seja, um único filme hollywoodiano ocupando praticamente todas as salas de cinema da cidade, deixando os piores horários para produções locais ou estrangeiras menores. Mas minha curiosidade foi mais forte que minha bronca. Me rendi e digo: valeu cada segundo!

O filme de Todd Phillips é um filmaço, daqueles que você sai e fica por horas discutindo, refletindo. Um filme, sem dúvida, duro de ver, não pelo excesso de violência física, mas pelo excesso de realidade impresso na tela. Excesso de verdade atirada na nossa cara. Excesso quase insuportável quando entendemos que nós, que estamos ali sentados confortavelmente naquela sala de cinema, somos a elite ali representada. Aquela elite que ataca, que chuta, que discrimina e que, acima de tudo, ignora o que está acontecendo. Elite que desvia o olhar ao passar ao lado de um mendigo dormindo na rua, que fecha rapidamente o vidro do carro quando vê chegar aquele velhinho ou deficiente físico para pedir dinheiro outra vez. Mea culpa.

Obviamente, Coringa é uma grande alegoria de nossa sociedade e, por isso mesmo, se permite trabalhar com excessos e metáforas. E isso assusta! Mas são justamente essas extrapolações ou caricaturas de nós mesmos que nos fazem entender aquela tela como um espelho do que estamos nos tornando ou, quem sabe até, do que já somos.

Ao acompanharmos o passo a passo da construção do “monstro” em que vai se convertendo Arthur Fleck (magistralmente interpretado por Joaquin Phoenix), enxergamos muitos conhecidos nossos, quer seja na pele do próprio Arthur, quer seja na pele dos que estão em seu entorno, ajudando a construir a “criatura”. Enxergamos, no início, um homem com um sonho: vencer na vida como comediante. Uma pessoa que, apesar das adversidades sociais (pobreza) e psicológicas (doença mental em que não controla o riso), tenta alcançar licitamente seu sonho. Vemos, então, ao longo do filme, vários gestos de bondade (como o cuidado com a mãe velha e doente) e até mesmo de ingenuidade, transmitidos por aquele corpo frágil que não se faz compreender nem pela assistente social que deveria ajudá-lo. No entanto, o descaso e a ignorância dos que detêm o poder (políticos, empresários, imprensa, artistas, assistentes sociais, “meninos de Wall Street” etc.) vão minando a conta-gotas a bondade que resta naquele corpo solitário e sofrido.

Não à toa, o Coringa de Phillips é cheio de referências implícitas e explícitas ao grande Charles Chaplin, que sabia tão bem dosar o riso e a dor. Quem melhor, na história do cinema, soube e teve coragem de levar às telas comédias de aparência ingênua e que eram, na verdade, grandes críticas à sociedade moderna?

Não, definitivamente Coringa não é uma apologia à violência, como muitos clamam por aí. Ao contrário. O triunfo do Coringa, aplaudido em seu ato final, não é pelos assassinatos que cometeu, muito menos pelo monstro em que se transformou. Sua grande vitória – e por isso as palmas –, é ter-se feito ouvir e, assim, ter liberado o grito de milhões de “palhaços” que vivem na penumbra, escondidos atrás de máscaras que lhes roubam a identidade. É de ter dado voz aos “invisíveis”. É de ter despertado uma camada da sociedade que vinha aguentando as pequenas violências do dia a dia sem nada fazer.

O filme de Todd Phillips me fez pensar na tela O Grito, de Edvard Munch. É isso: Coringa é a liberação daquele grito sufocado, que tenta escapar de dentro de um ser deformado pela sociedade, de uma figura contorcida de dor e sofrimento. É a materialização daquele grito, do pedido de socorro de nossa gente!

 


Revista Política Democrática || Ivan Alves Filho: Presença negra

Um dos países centrais na comunidade internacional por seu peso demográfico, por sua extensão territorial e também pela inegável importância econômica que adquiriu, o Brasil possui a segunda maior população negra do mundo. E esse é um dado fundamental para se compreender nossa realidade.

"Sem Angola, não há Brasil", vaticinou, certa vez, o Padre Antonio Vieira. E poderíamos acrescentar: sem o negro, não há Brasil. Afinal, o povo faz história pelo trabalho. E o povo negro vem carregando esse país nas costas há cinco séculos. Das atividades nas plantações de cana de açúcar, algodão e café ao chão das fábricas e construções. Isso, no plano material. Mas, no plano da cultura espiritual, não seria muito diferente. Como falar da nossa literatura sem Machado de Assis? Da nossa música sem Pixinguinha? Da nossa arquitetura sem Aleijadinho? Do esporte brasileiro sem Pelé? Das nossas rebeliões sem Zumbi dos Palmares?

Mesmo assim, há evidente exclusão social do negro entre nós. E isso mergulha suas raízes num passado não tão distante assim. Se, por um lado, o regime escravista integra o negro na economia, por outro o exclui da cidadania. E a própria Abolição, ao libertar o escravo, esqueceu-se de libertar o negro. A nossa única revolução social – até aqui, ao menos, já que reapresentou uma mudança no modo de produção – ficaria incompleta. Vale dizer: para que a Abolição cumprisse plenamente sua função histórica, ela deveria vir acompanhada de uma medida fundamental como a reforma agrária, por exemplo.

Isso significa reconhecer que a questão negra é, acima de tudo, uma questão nacional. Ou seja, uma luta de todos os brasileiros. Conforme escrevemos recentemente no livro Presença negra no Brasil, editado este ano pela Fundação Astrojildo Pereira, "a batalha pelos direitos dos negros no Brasil é parte da luta e não uma luta à parte". Com essa ótica, acreditamos ser fundamental unir o particular ao geral, uma vez que as chamadas lutas setoriais não devem ter um tratamento setorial.

Esse talvez seja o melhor caminho para combater o racismo e a exclusão. Afinal, o que denominamos por brasilidade, essa formidável síntese cultural do nosso país, repousa em boa parte na contribuição dos afrodescendentes.