Day: novembro 6, 2019
Vera Magalhães: 300 dias
Reformas liberais disputam espaço com laivos autoritários e espuma ideológica
Jair Bolsonaro fez ontem, com uma semana de atraso, a pajelança para marcar os 300 dias de seu governo. Houve uma parte da comemoração substantiva, representada por um importante e complexo conjunto de mudanças na estrutura do Estado e do Orçamento de todos os entes da Federação, e outra marqueteira, marcada pela bateção de bumbo e um preocupante símbolo do “infinito” a designar os dois zeros do número 300.
A divisão de atos é bastante ilustrativa do que tem sido a dinâmica do governo nesses dez primeiros meses: de um lado, a equipe de Paulo Guedes propondo medidas liberalizantes, que foram prometidas na campanha e que podem, se aprovadas, levar à superação do quadro de profundo desacerto fiscal e levar a um crescimento mais vigoroso, e Bolsonaro e a ala mais ideológica, de outro, promovendo polêmicas estéreis, brigando com Deus e o mundo e, aqui e ali, deixando escapar laivos autoritários.
Guedes fez uma longa explanação sobre as razões intrínsecas ao conjunto de medidas que finalmente chega ao Congresso. A ideia de repactuar a relação entre União, Estados e municípios ao mesmo tempo em que se flexibiliza a aplicação dos recursos e se rediscute a estabilidade do funcionalismo é um todo que faz sentido dentro da ideia liberal de que o Estado deve ser menor para gastar menos consigo mesmo e mais com a sociedade.
Dito isso do todo, será preciso analisar as medidas uma a uma para que se tenha uma ideia mais acabada de sua viabilidade política. Mexer com a estrutura do gasto público e com toda a carreira de servidores no ano de eleições municipais não é um desafio simples.
Nesse aspecto, uma medida já nasce para ser o bode na sala do atual pacote: a que extingue municípios com menos de 5.000 habitantes. Não parece razoável crer que deputados e senadores vão votar pela aniquilação de suas bases eleitorais.
Mas Guedes acerta numa avaliação: há um ano não parecia possível que a reforma da Previdência pudesse ser aprovada com tamanha facilidade. Diante do caos fiscal e da recessão prolongada legada por Dilma Rousseff, a sociedade parece disposta a dar uma chance a uma agenda mais liberalizante, ainda que não entenda todas as implicações sociais e futuras que ela pode ter.
E nesse aspecto Guedes demonstrou ter feito uma curva de aprendizado nesses 300 dias de governo: abriu mão de ideias mais radicais que chegou a lançar como balões de ensaio, como a desvinculação total do Orçamento ou o congelamento do salário mínimo, porque sabe que não teriam viabilidade política nem adesão social.
Liberais não são revolucionários, mas reformistas, disse o ministro. Essa frase e a ênfase que deu à democracia em sua fala funcionaram como uma resposta aos arroubos da outra ala, a ideológica e política, que nas últimas semanas flertou até com a ressurreição do AI-5 e que aos poucos vai se distanciando do que seria a terceira perna do tripé de gestão, a ala militar, que chega aos 300 dias com seis de seus expoentes limados do governo e em crescente grau de desconfiança em relação aos propósitos de Bolsonaro.
O irônico dessa dinâmica peculiar do governo do “capitão” é que o sucesso de Guedes pode fortalecer a ala ideológica e dar a ela a sensação de que, consertada a economia, haverá licença para radicalizar e buscar sua reeleição em novas bases, menos liberais. É uma preocupação que já cala fundo em setores que até aqui olham o governo com crescente desconfiança, mas ainda torcem pela pauta econômica. O Congresso entende esse dilema desde que Paulinho da Força o enunciou em bases bem cruas, no Primeiro de Maio. A votação do pacote dos 300 dias vai mostrar quanto crédito os parlamentares estão a fim de colocar na conta do presidente.
O Estado de S. Paulo: Petrobrás arremata 2 campos do pré-sal e 2 não têm oferta; arrecadação frustra governo
Duas das quatro áreas leiloadas ficaram com a estatal e as outras não tiveram oferta; petroleiras de grande porte não participaram da disputa
RIO - Esperado como um trunfo para fechar as contas do governo, o megaleilão do pré-sal, nesta quarta-feira, 6, frustrou as expectativas da equipe econômica de arrecadar R$ 106,5 bilhões. A Petrobrás, com as chinesas CNOOC e CNODC, arrematou duas das quatro áreas oferecidas, pagando R$ 69,96 bilhões. As grandes petroleiras ficaram de fora e as outros dois campos não tiveram oferta.
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Além do impacto para as contas do governo federal, os recursos do leilão foram usados como moeda de troca para a aprovação de medidas de ajuste, como a reforma da Previdência. Dos quase R$ 70 bilhões, a Petrobrás vai ficar com R$ 34,6 bilhões e o restante deve ser dividido entre Estados (15%), municípios (15%), União e Rio de Janeiro.
Considerada a maior descoberta já feita no Brasil, o campo de Búzios foi vendido à estatal em parceria com as duas petroleiras chinesas, sem ágio. Isso significa que será partilhado com a União o porcentual mínimo do lucro com a produção. O governo vai ficar com 23,24% dos ganhos e o pagamento será feito em óleo.
Nessa concorrência, saiu vitorioso quem se comprometeu a partilhar maior fatia da produção com o governo federal, o chamado lucro-óleo. Os porcentuais mínimos são definidos em edital e o ágio é calculado sobre esses valores.
A Petrobrás foi também a única a apresentar oferta pelo campo de Itapu, com bônus de assinatura de R$ 1,76 bilhão e ágio mínimo de 18,15%. A empresa já tinha antecipado o interesse na área.
Os outros dois campos oferecidos - Atapu e Sépia - não receberam lances e serão oferecidos novamente em outros leilões pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). A previsão já aventada pelo governo é de que o novo pregão aconteça em nove meses.
Antes de começar o leilão, o diretor-geral da agência, Décio Oddone, antecipou a possibilidade de o leilão ser marcado pela baixa concorrência e de as duas áreas não saírem.
O leilão foi concluído em uma hora e quarenta minutos. Todas as empresas inscritas tiveram de depositar envelopes nas urnas, ainda que fosse para informar que não disputariam as áreas oferecidas.
A ausência das multinacionais é uma surpresa para o mercado e governo, que aguardavam a presença das petroleiras de grande porte, com capacidade financeira para fazer frente aos altos valores da licitação.
Além de ser o leilão de petróleo mais caro entre os realizadas até hoje, essa concorrência teve a peculiaridade de ser uma oportunidade única do ponto de vista geológico. Não existe a chance de os vencedores investirem e não acharem petróleo ou gás: a região já foi explorada pela Petrobrás, que confirmou a existência de um reservatório gigantesco de petróleo e gás de boa qualidade.
Outra característica singular é que os blocos oferecidos são extensões de outros cedidos pela União à Petrobrás em 2010, num regime conhecido como cessão onerosa. Na época, a empresa foi autorizada a ficar com 5 bilhões de barris de óleo equivalente (boe, que inclui petróleo e gás). Mas à medida que avançava na delimitação da descoberta, percebeu que era muito maior do que o esperado. Parte da extensão da cessão onerosa, que pode ser até três vezes maior do que o que ficou com a Petrobrás, foi leiloada.
O resultado da licitação, porém, pode ter sido comprometido pelas suas instabilidades financeiras e jurídicas. Os vencedores teriam de compensar a Petrobrás por investimentos já feitos e pela antecipação da produção. Por lei, a estatal tem o direito de extrair óleo e gás na área da cessão onerosa por até 40 anos. Apenas depois desse prazo, seria permitido o desenvolvimento dos blocos excedentes da cessão onerosa. Mas a estatal aceitou antecipar a produção das áreas leiloadas desde que fosse compensada por isso. Não estava definido, no entanto, o valor dessas compensações.
Para especialistas, essa indefinição e também a adoção de três regimes contratuais para a região contribuíram para que as multinacionais não comparecessem. O desenvolvimento da região envolve o regime de cessão onerosa, firmado entre a União e a Petrobrás em 2010, relativo aos 5 bilhões de boe. Há ainda o de partilha, próprio do pré-sal, que será assinado pelas empresas vencedoras do megaleilão. E, por fim, quem ficasse com o campo de Sépia teria de assinar também um contrato de concessão, próprio do pós-sal, porque esse campo se expande para uma região de pós-sal.
"É fundamental revisar a estratégia dos leilões de partilha para garantir a concorrência nos leilões através a oferta de ativos atrativos do ponto de vista econômico", avaliou Edmar Almeida, professor do Instituto de Economia da UFRJ.
PARA ENTENDER
Saiba o que é a cessão onerosa
Acordo feito entre União e a Petrobrás, em 2010, previa produção de até 5 bilhões de barris de óleo equivalente (boe), mas a estatal encontrou o triplo do volume de petróleo estipulado em contrato; excedente será leiloado
Míriam Leitão: As boas ideias e sua viabilidade
Há várias boas ideias no pacote do governo de ajuste fiscal, mas são menos grandiosas do que as prometidas pelo ministro Paulo Guedes
As ideias por trás das propostas apresentadas ontem pelo governo são ótimas. O Brasil de fato precisa descentralizar recursos, cortar gastos quando houver uma emergência fiscal, acabar com municípios sem viabilidade, usar o dinheiro que está empoçado em fundos públicos, reduzir os subsídios e isenções e dar mais liberdade ao administrador público nas despesas de pessoal. Tudo certo. A dificuldade no atual governo é separar fato de ficção.
O discurso do ministro Paulo Guedes tem sempre planos grandiosos. A medida acaba saindo bem menor. E depois será preciso verificar se é factível. Guedes falou que a ordem autoritária centralizou os recursos. Foi isso mesmo que a ditadura fez. “E a democracia não descentralizou.” Verdade. Mas o que foi proposto foi apenas que um percentual maior dos recursos de futuros leilões de petróleo ficará com estados e municípios. Ele calcula em R$ 400 bilhões o que será distribuído em 15 anos. Em troca, os estados terão que abrir mão da velha demanda que eles têm de serem compensados pelas isenções dadas de ICMS nas exportações de semimanufaturados, a famosa Lei Kandir.
Criar um Conselho Fiscal da República, uma instância de conversa sobre as contas públicas, é bom, mas isso não fará o Judiciário decidir o que o Executivo quer, ou o Legislativo aprovar as propostas que receber. Acabar com municípios sem viabilidade, que tenham menos de 5 mil habitantes e menos de 10% de receita própria, é excelente ideia. Mas tramitará em ano de eleição municipal.
Os 3 Ds emagreceram muito. O projeto inicial era desvincular, desindexar e desobrigar todas as despesas da União, dos estados e municípios, para “devolver à classe política o direito de fazer o orçamento”, como diz Paulo Guedes. No final, o que ficou foi uma proposta de retirar da Constituição o aumento anual para o servidor. Todas as vinculações constitucionais permanecem.
Os mínimos de saúde e educação serão unidos para que o gestor público possa alocar com mais liberdade. Mas as despesas com inativos não entrarão na conta. O governo desistiu na última hora. Quando houver emergência fiscal as despesas poderão ser desindexadas. A não correção dos benefícios da Previdência chegou a estar no pacote e foi tirada. Uma das medidas mais difíceis é a de reduzir as isenções e subsídios. A Zona Franca ficará de fora. Eles querem levar a 2% do PIB, hoje é 4%.
O governo propôs acabar com todos os fundos públicos, exceto os regionais e o da Zona Franca de Manaus. A medida dará dois anos para que a existência dos fundos seja justificada. Os mais de R$ 200 bilhões desses fundos são fruto de receita vinculada. Esse dinheiro já entrou como receita primária em anos anteriores, mas não pode financiar despesa nova porque gera déficit, nem pode ser usado em outra área que não a que foi destinada. O FUST, do setor de telecomunicação, já foi pensado para financiar tudo e fica lá parado. É de fato uma maluquice.
O governo tenta nos muitos anúncios de ontem iniciar um novo período. O que se quer é dar uma arrancada na economia que fortaleça o projeto político. Na entrevista que deu neste fim de semana à Alexa Salomão, da “Folha de S. Paulo”, o ministro Paulo Guedes foi perguntado se haveria a privatização da Petrobras. Ele disse que “num segundo mandato o presidente vai considerar as grandes”. Isso é diferente do que se falava antes, quando se prometia R$ 1 trilhão de privatizações, e confirma que também na economia se trabalha com o horizonte de dois mandatos.
O governo quer dar prioridade à PEC Emergencial que cria várias travas na União, estados e municípios quando há riscos de estouro dos limites fiscais, como a regra de ouro. O projeto do deputado Pedro Paulo (DEM-RJ) sobre esse mesmo assunto tem alguns pontos que não foram incorporados pela equipe, como o de suspender o pagamento do abono salarial. O deputado acha que o seu projeto é de mais longo prazo. O do governo vai estar acoplado à possibilidade de tomada de empréstimos pelos estados que cumprirem as metas do Plano Mansueto. O ministro descreveu assim: “Nos próximos anos só vai ter problema quem quiser. Qualquer um vai poder apertar o botão que trava despesa e chove receita. Em um ano ou dois ele sai do buraco”. Certamente não existe mecanismo que provoque chuva de receita.
Merval Pereira: Mexendo nas estruturas
Reformas tentam tirar do papel o slogan vitorioso da campanha presidencial ‘mais Brasil, menos Brasília’
O Congresso mais reformista da história, como disse o presidente do Senado, Davi Alcolumbre, tem pela frente a tarefa de aprovar a mais abrangente das reformas, que mexe na estrutura de um Estado patrimonialista e elitista.
Assim como a reforma da Previdência tocou, embora ainda não tão profundamente quanto requerido, na desigualdade dos benefícios dos servidores públicos em contraste com os do regime geral (INSS). O mesmo espírito de criar um sistema previdenciário sustentável no longo prazo, e mais equânime, rege as reformas apresentadas ontem pelo presidente Bolsonaro, que as levou pessoalmente ao Congresso, realçando sua importância.
Politicamente delicadas, pois mudam critérios legais guiados por interesses políticos, como a criação de municípios, as reformas da equipe econômica de Paulo Guedes tentam tirar do papel o slogan vitorioso da campanha presidencial “mais Brasil, menos Brasília”.
Para isso, é preciso criar estruturas novas que sejam sustentáveis. O novo pacto federativo propõe mais dinheiro para estados e municípios, mas também faz exigências maiores para a gestão desses entes federativos. A previsão é que até R$ 500 bilhões possam ser transferidos nos próximos 25 anos com as novas regras de divisão de recursos do petróleo, podendo até 70% dos royalties da exploração do petróleo e do gás serem transferidos para estados e municípios, que ficarão ainda com a totalidade do salário-educação.
Os entes poderão definir o que será feito com esses novos recursos, e aí é que mora o perigo. Até 1.200 pequenos municípios, cerca de 20% do total dos municípios do país, com cerca de cinco mil habitantes, deverão desaparecer na transição para, a partir de 2025, só ficarmos com municípios que provem arrecadar, em impostos, ao menos 10% de suas receitas totais.
Caso esse limite não seja alcançado, serão incorporadas por cidades maiores. Há estudos, como um da Federação das Indústrias do Estado do Rio (Firjan), que mostram que um em cada três municípios não gera receita suficiente para sustentar prefeitura e Câmara. Não deveriam ter sido criados, e o foram meramente por questões eleitorais.
A maioria vive do Fundo de Participação de Estados e Municípios, e poderia se beneficiar da nova regra de distribuição dos royalties do petróleo também proposta nas reformas. Mas a intenção é justamente fazer com que estados e municípios sejam sustentáveis, sem depender exclusivamente do Tesouro da União.
Uma consequência saudável desse novo modelo é criar uma estrutura burocrática menos dispendiosa, unindo até três cidades para a formação de um município que arrecade um mínimo para seu sustento, extinguindo em compensação cargos de prefeito, vice-prefeito e Câmara de vereadores desnecessários.
A política de equilíbrio fiscal está na base de várias mudanças propostas, havendo a previsão de gatilhos para quando estiver em perigo esse objetivo, chegando ao ponto de poder ser desencadeado o que o ministro Paulo Guedes classificou de “shutdown à brasileira”, que seria a permissão para o governo central reduzir o salário dos funcionários públicos, com redução compatível da jornada de trabalho.
Nos Estados Unidos, essa decisão é drástica, com os funcionários públicos não recebendo salários nesses momentos de crise. Aqui, o governo pagará até 25% dos salários. A equipe econômica considera que vários aspectos da Lei de Responsabilidade Fiscal foram aperfeiçoados nessas propostas, e a criação de um Conselho Fiscal da República é uma delas.
Está prevista na LRF um controle dos gastos do Executivo, mas esse artigo nunca foi regulamentado. O novo Conselho, formado pelos presidentes da República, da Câmara, do Senado, do Supremo Tribunal Federal, governadores, prefeitos e o Tribunal de Contas da União, se reuniria periodicamente para analisar a situação das contas públicas.
É um passo econômico importante que tem grande alcance político, revigorando a Federação. Por isso mesmo, será de difícil aprovação, especialmente num ano de eleições municipais como 2020. Se governadores e prefeitos se unissem para colocar estados e municípios no acordo da nova Previdência, seria um primeiro movimento em direção à sustentabilidade de nosso sistema federativo.
Elio Gaspari: De J.Portela@edu para Heleno@mil
Sei como se fez o AI-5, não há receita, mas passo-lhe ingredientes de 1968
Caro general,
Outro dia o senhor falou das dificuldades para se baixar um Ato Institucional nº 5 no Brasil de hoje. Nas vossas palavras: “Essas coisas, hoje, num regime democrático... é complicado. Tem de passar em um monte de lugares. Não é assim. (...) Tem de estudar como vai fazer, como vai conduzir”.
Para se fazer o AI-5 era preciso destruir a ordem constitucional da Carta de 1967, e posso dizer que vi a arquitetura desse desmanche. Eu, Jaime Portela de Melo, general, paraibano, chefe do Gabinete Militar do presidente Costa e Silva, estive em todas as encrencas militares do meu tempo.
Acho que o senhor, ou qualquer outra pessoa disposta a estudar como se pode conduzir o Brasil para um AI-5, deve entender que faltam diversas condições. Hoje não há uma esquerda assaltando bancos, sequestrando aviões, matando militares e planejando guerrilhas rurais. 2019 não é 1968, a Venezuela não é Cuba e a China não é o Vietnã. Tínhamos também um ministro do Exército vaidoso, vazio e vacilante.
De qualquer forma, quero mostrar os ingredientes que foram adicionados à crise.
Primeiro, precisa-se de alguém que fique falando na necessidade de um ato institucional. Já em janeiro de 1968, o senador Dinarte Mariz, meu amigo, defendia essa ideia.
Havia uma tensão vinda da esquerda e ela foi exacerbada. Antes do primeiro assalto a banco de Carlos Marighella, houve um roubo de armas num quartel da Força Pública de São Paulo. Isso era coisa de um maluco que estudava discos voadores, um místico dado a profecias anunciando a chegada do Anticristo. Usava muitos nomes, inclusive o de Aladino Félix.
Ele disse que recebia ordens minhas, mas, sendo maluco, quem há de crer? Esse doido explodiu 14 bombas em São Paulo e assaltou pelo menos um banco. Não matou ninguém. Já o terrorismo da esquerda, só em 1968, matou seis militares (dois estrangeiros).
A estratégia da tensão foi ajudada por esquadrões que tumultuavam espetáculos e espancavam artistas. No Rio um grupo de terroristas punha bombas em teatros vazios e livrarias fechadas. Nele militavam oficiais da reserva e da ativa, lotados no Centro de Informações do Exército. Eles explodiram 18 bombas. Fez-se nada. Dois cidadãos foram sequestrados e levados para um quartel, onde os torturaram. Não sei como, mas os americanos desvendaram esse caso.
O Alceu Amoroso Lima, católico, porém comunista, me chamava de “sanguinário”. Em julho mostrei ao Conselho de Segurança Nacional que havia um plano internacional de tomada do poder pela esquerda. Denunciei a cumplicidade da imprensa. Exagerava? Em setembro, o Jornal do Brasil publicou um extenso artigo intitulado “Algumas Questões sobre as Guerrilhas”. Seu autor era Carlos Marighella.
Dias depois da minha fala, Aladino explodiu três bombas em São Paulo, alguém pôs uma bomba numa reunião de estudantes em Porto Alegre e os esquerdistas assaltaram mais um banco em Belo Horizonte.
Quando nós pedimos à Câmara a cassação do Márcio Moreira Alves muita gente achou que o AI-5 seria um plano B. Na reunião do dia 13 de dezembro, quando o presidente baixou o ato, eu disse apenas 14 palavras.
Tensão, general, sem ela não se consegue AI-5.
Atenciosamente,
General Jaime Portela de Melo
*Elio Gaspari, jornalista, autor de cinco volumes sobre a história do regime militar, entre eles "A Ditadura Encurralada".
Bruno Boghossian: Governo trabalha para esculhambar e enterrar CPI das fake news
Sessões são marcadas por bate-bocas, discussões ideológicas toscas e até notícias falsas
Alguns integrantes da CPI criada para investigar fake news decidiram se inspirar no pandemônio das redes sociais. As últimas sessões da comissão foram marcadas por bate-bocas, ideias radicais, discussões ideológicas toscas, desinformação e, ironicamente, notícias falsas.
A missão dos parlamentares era apurar ataques contra a democracia, a influência de perfis falsos sobre as últimas eleições e o funcionamento de milícias digitais alinhadas ao governo. Os trabalhos, no entanto, mal arranharam a superfície.
A tropa de choque de Jair Bolsonaro trabalha para esculhambar e enterrar a CPI. Deputados usaram a reunião desta terça (5) para dar palanque a apoiadores do Planalto, difundir teorias conspiratórias, louvar o polemista Olavo de Carvalho e atacar a imprensa profissional.
No encontro, a oposição quis saber de um youtuber governista se ele recebia algum tipo de financiamento com dinheiro público e se tinha relação com assessores de Bolsonaro. A certa altura, a deputada Caroline de Toni (PSL-SC) reclamou que a busca por esses dados transformava a CPI num "tribunal de exceção". "Quem nos critica está querendo cercear a liberdade", afirmou.
A sessão acumulou momentos insólitos. O depoente bebeu da paranoia bolsonarista ao inventar que o porto de Mariel foi financiado por governos do PT para a troca de armas nucleares entre o Brasil e Cuba. "Ainda não ficou claro para mim o que é fake news", disse o blogueiro.
Mais tarde, a comissão caiu no terreno do surrealismo quando Márcio Labre (PSL-RJ) interrompeu uma deputada do PT que criticava os delírios dos terraplanistas. "E qual é o problema se for plana? Não vai mudar nada para mim", disse o parlamentar.
Enquanto o governo apostava no tumulto e na ridicularização, os oposicionistas faziam perguntas genéricas e mostravam que mal conheciam o funcionamento das redes. A CPI tem tudo para acabar sem conseguir criar os instrumentos necessários para barrar ações que espalham mentiras e confundem a sociedade.
Bernardo Mello Franco: Festival de autoelogios
Bolsonaro completou 300 dias no poder, mas ainda não desceu do palanque. Ontem ele ocupou o Planalto com mais uma solenidade marcada por autoelogios
Jair Bolsonaro completou 300 dias no poder, mas ainda não desceu do palanque. Ontem ele abriu o palácio para mais uma solenidade marcada por autoelogios. Em discurso, voltou a exaltar a própria gestão e a atacar o jornalismo profissional.
O presidente disse que a imprensa “não colabora com o Brasil”. A frase mostra que ele não sabe conviver com críticas —e continua a confundir os interesses do país com os interesses de sua família.
Bolsonaro acusou o jornalismo de tentar “colocar em seu colo” o assassinato de Marielle Franco. Mais uma distorção. Na verdade, o Jornal Nacional informou que ele foi citado no depoimento de uma testemunha, o que obrigou o Ministério Público a submeter o caso ao Supremo Tribunal Federal.
Em outro momento, o presidente saiu em defesa do filho Eduardo, alvo de pedidos de cassação. Disse que ele não merece perder o mandato por causa de suas declarações a favor de um “novo AI-5”. “Em todos os momentos a Câmara respeitou o sagrado direito de opinião, seja ela qual for”, afirmou.
Quando o governo fez 200 dias, as expectativas em relação ao Zero Três eram mais elevadas. Bolsonaro ainda apostava na promoção do herdeiro a embaixador em Washington, plano abortado para evitar uma derrota no Senado. “Eu quero um filho melhor do que eu”, ele justificou, na ocasião.
Ontem o presidente encontrou um jeito de encaixar outra reverência aos Estados Unidos. “Tem um senhor ali com um boné escrito ‘Trump 2020’. É um herói da guerra do Vietnã”, disse, apontando para um idoso que assistia à cerimônia entre as autoridades.
No início da solenidade, o ministro Onyx Lorenzoni usou a tribuna para bajular o chefe. Repetiu sua citação bíblica preferida, exaltou seu discurso desastrado na ONU e criticou a “extrema imprensa”, termo usado pela militância bolsonarista na internet.
Em folheto comemorativo, a Secom anunciou que “os escândalos de corrupção sumiram do Palácio do Planalto e dos noticiários”. Propaganda é propaganda, mas o pessoal não precisa exagerar.
Ricardo Noblat: Guedes, a opção a Bolsonaro
Moro corre por fora
O Congresso mais reformista de todos os tempos, pelo menos assim o enxerga Davi Alcolumbre (DEM-AP), seu presidente, dará um jeito de desidratar ao extremo o pacote de medidas econômicas levadas em mão, ontem, pelo presidente Jair Bolsonaro e o ministro Paulo Guedes, o todo poderoso xerife da Economia. Sem chances de elas serem aprovadas tal qual.
De fato, não se trata de um pacote como tantos que o país já viu. Trata-se da proposta mais ampla e irrestrita de redesenho do Estado, algo a provocar uma ruptura que só seria possível a princípio mediante a convocação de uma Assembleia Constituinte. A última foi de 1988. Não há sinais de que se tenha outra em breve.
Assim como não é um pacote, também não é um programa de governo para ocupar apenas os anos que faltam para que se esgote o mandato de Bolsonaro. Como pareceu a senadores e a deputados experientes, estaria mais para a apresentação de quem se oferece desde já como uma nova perspectiva de poder. Quem? Guedes.
Bolsonaro não está nem aí para essas coisas. Quer apenas que a economia deslanche para que ele possa lutar melhor pela reeleição. O atual é um governo dividido em dois: o de Bolsonaro, ocupado em assombrar o país com o fantasma da volta da esquerda, e o de Guedes preocupado em fazer valer as suas ideias.
Com ou sem Bolsonaro e Lula, a eleição de 2022 será muito diferente da passada. Não haverá outro Adélio que dispense Bolsonaro de fazer campanha, de ter que correr atrás de votos e de ter de contar com o apoio de uma forte estrutura partidária. E se a saúde de Bolsonaro permitir é o que ele será obrigado a fazer.
Se não permitir ou se ele não quiser, Guedes poderá receber a benção dele e o apoio entusiástico de um mercado que pensa como ele. Não só do mercado, também dos devotos do capitão. Guedes não terá dificuldades para atrair essa gente. Vez por outra quando se vê tentado a falar sobre política, tem rasgos de Bolsonaro.
Bolsonaro, Guedes e… Moro. Que agrupamento político e ideológico dispõe, hoje, de tantas alternativas para 2022? Bolsonaro e Guedes. Bolsonaro e Moro. Guedes e Moro ou o contrário. Alucinação? Por que seria? Em meados do ano passado, a vitória de Bolsonaro parecia uma alucinação.
Outra grave lambança no caso Marielle
Documentos desmentem Ministério Público do Rio
E não é que desde novembro do ano passado que a Polícia Civil do Rio estava de posse das planilhas com os registros de entrada de visitantes no condomínio da Barra da Tijuca onde moravam à época o recém-eleito presidente Jair Bolsonaro e o policial aposentado Ronnie Lessa, acusado de ter matado Marielle Franco?
Portanto, ela sabia ou poderia ter sabido que no dia do crime um tal de Élcio pedira licença à portaria para ir até à casa de Bolsonaro. E que sua entrada no condomínio fora autorizada. Élcio Queiroz, também policial aposentado, foi quem dirigiu o carro que levou Lessa até à cena do crime no centro da cidade.
Quer dizer: pelo menos há um ano havia sinal de que Bolsonaro poderia ver-se envolvido no caso de Marielle – e a polícia não informou ao Ministério Público. Só informou em março último. E só no dia 17 de outubro passado, procuradores informaram ao ministro Dias Toffoli, presidente do Supremo Tribunal Federal.
De resto, a descoberta de que a polícia tinha as planilhas há tanto tempo contradizem a recente versão do Ministério Público de que só teve acesso aos documentos em 5 de outubro passado, quando afirma ter apreendido o material na portaria do condomínio. Mas não é só, e nem é o principal.
O inquérito que investiga a morte de Marielle deveria ter sido paralisado tão logo se soube que o nome de Bolsonaro poderia vir a ser mencionado, o que ocorreu quando o porteiro do condomínio assim o fez. Bolsonaro tem direito a foro privilegiado desde que tomou posse. Só o Supremo pode investigá-lo.
Ou a polícia e o Ministério Público do Rio foram apenas relapsos, o que já seria muito grave, ou a princípio tentaram proteger Bolsonaro, o que seria mais grave ainda. Quanto a Toffoli, só depois da reportagem do Jornal Nacional, há uma semana, foi que mandou que o inquérito prossiga.
A qualquer momento, sob o pretexto de que a Polícia Civil do Rio e o Ministério Público não darão conta de esclarecer a morte de Marielle, o Superior Tribunal de Justiça poderá federalizar o inquérito. Significa que ele ficará aos cuidados da Polícia Federal, órgão subordinado ao Ministério da Justiça de Sérgio Moro.
‘O calendário eleitoral de 2020 já começou’, alerta Luiz Paulo Vellozo Lucas
Ex-prefeito de Vitória analisa repercussão da chamada nova política, em artigo publicado na 12ª edição da revista Política Democrática online
A nova política no país navega entre parlamentares de perfil liberal na economia e progressista nas políticas públicas a integrantes de blocos conservadores como o PSL e seguidores do presidente Jair Bolsonaro, conforme avalia o engenheiro ex-prefeito de Vitória (ES) Luiz Paulo Vellozo Lucas. A análise dele está publicada na 12ª edição da revista Política Democrática online, produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira) e que disponibiliza todo o conteúdo, de forma gratuita, em seu site.
» Acesse aqui a 12ª edição da revista Política Democrática online
De acordo com o autor, os mandatos de Tábata Amaral, Felipe Rigoni e os outros deputados oriundos dos movimentos de renovação que votaram favoravelmente à reforma da Previdência contrariando seus partidos, respectivamente o PDT e o PSB, refletem um dos caminhos da nova política, de perfil liberal na economia e progressista nas políticas públicas. “Marina Silva foi uma espécie de precursora desta tendência que já estava parcialmente presente no eleitorado nas eleições de 2010”, avalia.
O bloco conservador liderado pelo presidente e seus filhos, por enquanto abrigados no PSL, representa claramente outra vertente política, mas, de acordo com o ex-prefeito, não se pode negar que eles chegaram ao poder enfrentando e derrotando o sistema de partidos e a política tradicional no Brasil. “Seus seguidores também acreditam estar lutando contra a podridão do sistema e apoiando a nova política”, ressalta.
A luta interna no PSL, de acordo com o engenheiro, se dá principalmente em função da disputa pelo controle e distribuição do fundo partidário e da definição de candidaturas e alianças nas eleições. “Temas particularmente caros à política tradicional e às velhas raposas que se articulam a todo vapor, visando às eleições municipais do próximo ano. O calendário eleitoral de 2020 já começou”, diz ele. “A primeira disputa será pela bandeira da nova política e, por isso, todos querem distância regulamentar das brigas que podem ser vistas como “sujas” pelo eleitorado, isto é, cargos e dinheiro público para a eleição. É claro que, em off, a batalha é violenta!”.
Na avaliação do autor, a força das igrejas evangélicas estará presente, assim como muitas candidaturas de militares e policiais, para disputar eleições em nome da renovação. “O interesse do empresariado e da opinião pública mais informada, movida principalmente pelo cansaço com a prolongada crise econômica e pelo pânico com a possibilidade de volta do PT, acaba sendo seduzida por qualquer caricatura de liberalismo econômico que se apropria da indignação nacional com o estatismo e os privilégios cevados ao longo dos séculos no Brasil, sem demostrar, contudo, compromisso e capacidade política para liderar uma agenda liberal reformista”, afirma.
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Luiz Carlos Azedo: Reforma audaciosa
“A proposta de Paulo Guedes transfere para estados e municípios a responsabilidade principal pelas políticas sociais e foca a ação do governo na gestão da economia”
A proposta de reforma administrativa entregue ontem ao Congresso, pelo presidente Jair Bolsonaro, é a maior mudança na estrutura administrativa do país já feita num ambiente de liberdade. As grandes reformas administrativas anteriores ocorreram durante o Estado Novo e o regime militar. Mesmo no governo de Fernando Henrique Cardoso, que fez uma grande reforma patrimonial, a reforma administrativa não teve a mesma ambição. Por mais que haja entendimento entre o ministro da Economia, Paulo Guedes, e os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), será muito difícil a conclusão da reforma ainda neste ano, pois serão necessárias três emendas constitucionais.
Existe massa crítica no Congresso para a realização de uma reforma administrativa ampla, que reequilibre as relações entre a União, estados e municípios. Isso ficou demonstrado pela aprovação da reforma da Previdência. São três propostas básicas: PEC do Pacto Federativo, que dá mais recursos e autonomia financeira para estados e municípios; PEC Emergencial, que cria mecanismos emergenciais de controle de despesas públicas para União, estados e municípios; e a PEC dos Fundos Públicos, que extingue a maior parte dos 281 fundos públicos e permite o uso de recursos para pagamento da dívida pública.
A ideia de estabelecer mecanismos de controle da dívida pública de estados e municípios, e dar a eles mais autonomia para aplicação dos recursos, tem ampla aceitação no Congresso, mas envolve muitos interesses corporativos e cartoriais, que tendem a se mobilizar durante a discussão das propostas. Uma das principais medidas é a alteração no processo de distribuição dos recursos do pré-sal, o que resultará na distribuição, aos estados e municípios, de R$ 400 bilhões a mais em 15 anos. A expectativa do governo é de que esses repasses, nos próximos anos, encerre a disputa judicial sobre a Lei Kandir entre os estados e a União. O governo federal não pagou as compensações por perdas nos últimos anos com a desoneração das exportações.
A PEC do Pacto Federativo prevê a criação de um Conselho Fiscal da República, que se reunirá a cada três meses para avaliar a situação fiscal de União, estados e municípios. Participam do Conselho: Presidência da República, Câmara, Senado, Supremo Tribunal Federal (STF), Tribunal de Contas da União (TCU), governadores e prefeitos. A proposta é polêmica: teria o objetivo de padronizar os mecanismos de controle fiscal em todo o país. O pacote também extingue o Plano Plurianual (PPA); limita a criação de despesas, por leis e decisões judiciais, à previsão orçamentária; e reavalia benefícios tributários a cada quatro anos, limitando-os a 2% do PIB a partir de 2026.
Emergência fiscal
O pacote também acaba com a “securitização” pela União de diívidas de estados e municípios. A partir de 2026, a União só será fiadora (concederá garantias) a empréstimos de estados e municípios com organismos internacionais, e não mais com os bancos, que terão que correr mais riscos. Estados e municípios, porém, serão compensados pela transferência de royalties e participações especiais do pré-sal. Além disso, passarão a receber toda a arrecadação do salário-educação e a definir o uso dos recursos. Com isso, os gastos mínimos em educação e saúde serão geridos pelos entes federados, que poderão compensar o gasto de uma área na outra, de acordo com suas necessidades.
Uma das medidas mais polêmicas é o Estado de Emergência Fiscal, que desindexa despesas obrigatórias e estabelecerá mecanismos automáticos de redução de gastos, inclusive redução de salários de servidores, em até 25%, proposta que deve provocar grande reação do funcionalismo.
As despesas obrigatórias serão desindexadas em casos de emergência fiscal, mas estarão garantidos os reajustes dos benefícios previdenciários e do BPC (Benefício de Prestação Continuada), de um salário mínimo, para idosos e pessoas com deficiência. Na emergência fiscal, o Congresso Nacional autoriza o “desenquadramento” da Regra de Ouro no caso da União e, nos estados, quando a despesa corrente ultrapassar 95% da receita corrente.
A proposta de Paulo Guedes é uma resposta aos questionamentos feitos no Congresso, após a aprovação da Previdência, no sentido da adoção de medidas para retomada efetiva do crescimento. Transfere para estados e municípios a responsabilidade principal pelas políticas sociais e foca a ação do governo na gestão da economia.
http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-reforma-audaciosa/
Folha de S. Paulo: Pacote de Bolsonaro e Guedes propõem reforma radical do Estado brasileiro
Economistas veem novo marco na gestão financeira; pacotaço já enfrenta resistência no Senado
BRASÍLIA E SÃO PAULO - O presidente Jair Bolsonaro (PSL) e o ministro da Economia, Paulo Guedes, enviaram nesta terça-feira (5) ao Senado um pacote de medidas que propõe a mais profunda reestruturação do Estado brasileiro em décadas, na avaliação de economistas.
Bolsonaro entregou ao presidente da Casa, Davi Alcolumbre (DEM-AP), três PECs (Propostas de Emenda à Constituição): a PEC do Pacto Federativo (para dar maior flexibilidade ao Orçamento e aumentar repasses de recursos a estados e municípios); a PEC da Emergência Fiscal (que institui gatilhos para conter gastos públicos em caso de crise orçamentária de União, estados e municípios) e a dos Fundos Públicos (que revisa 281 fundos).
O conjunto busca reduzir o tamanho do Estado e dá início à implementação do plano defendido por Guedes de a gestão das finanças públicas ter “mais Brasil, menos Brasília”.
O governo ainda vai encaminhar proposições à Câmara, como a PEC da reforma administrativa, que remodela o serviço público de todos os entes, além de um projeto de lei que traz um novo modelo de privatizações.
Oficialmente, o pacotaço foi batizado de Plano Mais Brasil e recebeu como slogan “A Transformação do Estado”.
Como fez ao enviar a PEC da Previdência, em fevereiro deste ano, Bolsonaro foi a pé ao Congresso, acompanhado por Guedes e pelos ministros Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo) e Onyx Lorenzoni (Casa Civil).
“Temos a certeza de que, em pouco tempo, talvez no início do ano que vem, meados do ano que vem no máximo, essa proposta se tornará realidade”, disse o presidente.
Após a entrega dos projetos, Guedes e sua equipe econômica apresentaram as propostas. O ministro, no entanto, ficou apenas no início e deixou a entrevista alegando ter uma reunião. Diante da insistência dos jornalistas, respondeu a algumas perguntas e se retirou.
“Essa transformação é um ato de crença no fortalecimento da Federação. É o primeiro governo em 40 anos que fala em descentralizar recursos”, afirmou Guedes.
Segundo Alcolumbre, o Senado vai se dedicar à pauta, mas deverá aprimorar as propostas do pacote Mais Brasil. No entanto, o presidente da Casa evitou dar prazo para que as PECs sejam aprovadas.
O líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), disse que a intenção é que a PEC emergencial, com mecanismos para conter gastos, seja aprovada até o fim deste ano. No entanto, interlocutores do Palácio do Planalto divergem. Alguns dizem acreditar que a PEC que distribui recursos para estados e municípios deverá ter votação acelerada, por ser de interesse dos senadores.
As três PECs devem ser relatadas por diferentes senadores. A ideia é contemplar os principais partidos do Senado: MDB, Podemos e PSD.
Para a aprovação de uma PEC no Senado, são necessários 49 dos 81 senadores, em votação em dois turnos. Os textos, nesse caso, seguem para a Câmara, onde, também em dois turnos, precisam do aval de 308 dos 513 deputados.
O pacote, porém, já enfrenta resistências. Considera-se que grande volume de medidas vai sobrecarregar a pauta e dificultar as negociações políticas. Senadores dizem que o prazo do governo não é exequível e que farão mudanças.
Além disso, afirmam que polêmicas gestadas no governo podem atrapalhar ainda mais a tramitação do pacote.
“Não vamos, de afogadilho, em nome do que quer que seja de números, causar nenhum tipo de injustiça. Qualquer avanço que a gente der é melhor do que temos hoje. Se o governo sair daqui com 50%, 60% do seu pacote aprovado no Congresso Nacional até março, já será uma grande vitória para o país”, disse Simone Tebet (MDB-MS), presidente da CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) do Senado.
Para o líder do PSL no Senado, Major Olímpio (SP), o discurso de integrantes do governo, que ele vê como de demonização do servidor público, dificulta a situação.
Além disso, ele afirma que Bolsonaro já não pode mais contar integralmente com o PSL, partido do qual pretende sair, e que o calendário eleitoral inviabiliza o Legislativo em 2020.
“Não acho que [as propostas apresentadas] vão gerar polêmicas. Tenho certeza. Este pacote não vai ser votado agora. Se nem no PSL, que é o único partido que até então foi 100% fiel ao presidente, não tem mais consenso em relação a essa unicidade em projetos do governo, pelo que tenho conversado com líderes na Câmara e no Senado, cada matéria vai ser exaustivamente discutida.”
Entre os economistas, o pacotaço é definido como “um novo marcado para a economia”. Claudio Considera, pesquisador do Ibre/FGV (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vagas), afirma que as medidas podem ser comparadas em termos de importância ao Plano Real (1994) e ao Paeg (Programa de Ação Econômica do Governo), elaborado em 1964 pelos ministros Octávio Gouvêa de Bulhões e Roberto Campos.
“Está se tentando fazer uma mudança institucional que prepara do país para voltar a crescer. É uma transformação muito grande ”, diz.
Walter Franco, professor de Economia do Ibmec SP, afirma que são medidas difíceis de serem aprovadas pelo Congresso, mas, se passarem, o próximo presidente terá a chance de gerir um Estado que entregue mais à sociedade e volte a investir.
Franco prevê um período semelhante ao do governo Juscelino Kubitschek (1956-1961). “É uma virada de página que o Brasil está precisando
*Bernardo Caram, Daniel Carvalho, Danielle Brant, Fábio Pupo, Eduardo Cucolo, Gustavo Uribe, Ricardo Della Coletta e Thiago Resende
João Domingos: Pacote terá problemas no Congresso
O governo pode se preparar. O Congresso não aprovará as propostas do Plano Mais Brasil do jeito que foram entregues. Em alguns casos, haverá resistências intransponíveis, como a extinção de cerca de 1,2 mil municípios com menos de 5 mil habitantes e arrecadação menor do que 10% da receita total. Em outros, os projetos serão tocados, mas com mudanças. A única parte com chance de andar, talvez com votação em pelo menos uma das Casas este ano, é a que trata dos gatilhos para reduzir gastos.
O Congresso é formado na sua maioria por parlamentares que se dizem municipalistas. E, mesmo que nem todos saibam direito o que isso significa, sabem que precisam do apoio dos prefeitos para garantir a eleição. Acabar com mais de mil municípios é acabar com mais de mil cargos de prefeito e outro tanto de vices, além de cerca de 12 mil mandatos de vereador, todos cabos eleitorais importantes. Sem contar os servidores, eleitores que podem perder o emprego.
Para o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, tudo leva a crer que essa iniciativa tem cheiro de jabuti em cima de uma árvore. “Tem segunda intenção por parte desse projeto”, disse Maia a este repórter ontem.
Deve-se levar em conta para o futuro do pacote dois fatores: a total dependência que Bolsonaro tem de Maia e do presidente do Senado, Davi Alcolumbre. Sem base parlamentar, e com o único partido do governo, o PSL, em guerra interna, o presidente terá de contar com a boa vontade dos dois. Como contou na aprovação da reforma da Previdência.
Só que o momento é diferente. Maia está descontente com a forma como o ministro da Economia, Paulo Guedes, tem se comportado quanto à reforma tributária. A impressão que Guedes passa é a de que não deseja que nada seja feita. Outro tema que levanta o debate no Congresso são as crises que Bolsonaro e seus filhos criam do nada. Muitos líderes começam a demonstrar cansaço com a usina de crises do clã Bolsonaro.