Day: novembro 4, 2019

Cacá Diegues: Outros tempos

Entre barbárie e civilização, para que o mundo e o ser humano existam mais um pouco, devemos ficar sempre com a civilização

A gente devia agradecer aos meninos da família Bolsonaro pelo serviço que eles prestam à pobrezinha da nossa democracia. Com os absurdos que eles vivem sugerindo, o país está sempre testando e, em geral, confirmando nosso carinho pela coitadinha. O que o Brasil democrático precisa e quer é sempre o contrário do que eles propõem em diferentes circunstâncias. Agora, por exemplo, só pensam em reeleição. E já partiu a campanha.

O direito do presidente da República à reeleição foi um mal que Fernando Henrique Cardoso prestou ao país. O primeiro mandato de FHC foi um enorme sucesso. Para ele e seus apoiadores, como para o país todo. FHC não só tinha criado e montado o Plano Real, enquanto ministro de Itamar Franco, como o consolidou definitivamente em seu próprio governo. Isso já bastaria para o aplauso da nação, que recuperava a confiança em nossa moeda, devolvendo-nos orgulho e serenidade em nossos projetos de vida. Mas, além disso, FHC preparou com muita dedicação o sucesso de seu ingrato sucessor.

Seria preferível que FHC tivesse ficado no poder por cinco ou talvez seis anos (como na França), num mandato único, sem direito à extensão, do que lhe permitir a reeleição. Mas o mistério dessa atração é tão profundo, esse amor pela continuidade do poder é tão intenso, que mesmo Bolsonaro, que passou toda a campanha eleitoral falando mal da reeleição e jurando que não se aproveitaria dela, em alguns meses de governo já estava se lançando candidato a um repeteco.

Acho até natural que um presidente que gosta de seu job acabe cedendo ao gosto por ele. Mas a reeleição é o que há de pior para uma democracia ainda frágil como a nossa. O presidente em exercício dificilmente resiste a passar seus anos de primeiro mandato preparando, de modo lícito ou ilícito, os anos do segundo ato. No fundo, é essa necessidade visceral de repetir os anos de prazer, seu e de seus pares, que os leva a aspirar à reeleição. No fundo, foi a reeleição que inventou a reeleição.

Não devemos nos esquecer de que a pior liderança que o país teve nesses últimos anos, a presidente Dilma Rousseff, a mãe de todos os males sofridos por nós e que nos emperram até hoje, conseguiu se reeleger. Mesmo seu partido podendo optar por Lula, candidato infinitamente mais popular, bem-sucedido num passado recente. Mas não foi por aqueles males que o então deputado Bolsonaro votou pelo impeachment de Dilma. Quem consultar os vídeos da Câmara verá que seu voto foi acompanhado do elogio mais radical ao mais destacado torturador da ditadura, Carlos Alberto Brilhante Ustra.

Embora mentindo, a prometer o que nem ameaçou cumprir nos poucos meses de seu segundo mandato, Dilma ganhou de alguém que, na época, considerávamos um sujeito de respeito, mais preparado, um idealista. A trajetória política do cara, quando finalmente revelada, é mais um argumento a favor do fim da reeleição —e se Aécio tivesse sido eleito em 2014? Com a disposição que ele tinha e a reeleição à disposição dele, íamos certamente alimentar a farsa até 2022. Quem sabe, ele seria capaz de fazer, com o óleo nas praias, o mesmo que esse Ricardo Salles tentou, pensando que todo brasileiro é idiota —transformar o desastre ecológico em desastre com viés ideológico.

Está mais do que na hora de nos prepararmos para um outro futuro, que não é nenhum desses para os quais os dois lados polarizados tentam nos conquistar. A disputa maior, em futuro muito próximo, não será mais entre a esquerda e a direita, formas de pensar que tratam as pessoas e o mundo de modo parecido.

Às vezes parecido demais, dependendo apenas do assunto e dos livros que lemos a propósito dele. Isso não faz mais nenhum sentido, num mundo vivendo o tempo do homem ou do Antropoceno, acelerado desde a segunda metade do século XX. As ideias e as doutrinas podem ser diferentes. Mas a aplicação delas, sua ação e os males que produzem são mais ou menos os mesmos. Só mudam os gurus.

A disputa do futuro será entre barbárie e civilização. O paradoxo é que, se as coisas continuarem no ritmo atual, com a disputa ideológica radicalizada infantilmente, o progresso vai se tornar um fator de barbárie. E, entre a barbárie e a civilização, para que o mundo e o ser humano existam por mais um pouco, devemos ficar sempre com a civilização. Que me desculpe o senhor presidente, mas quem está sugerindo um novo AI-5 no país não está apenas sonhando. Está provocando um pesadelo do qual já sabemos que é difícil acordar. Mas o Brasil não vai mais cair nessa.


Foto: Beto Barata\PR

Cida Damasco: Nuvens no horizonte

Cenário político instável cria incertezas para nova rodada de reformas

O clima anda mesmo meio estranho. E não estamos falando do efeito do aquecimento global, que às vezes faz a primavera parecer inverno num dia e verão logo no dia seguinte. No caso, trata-se do clima econômico, sujeito a variações extremas conforme o momento e conforme o público. Investidores, analistas e empresários começaram a semana passada animados com sinais de alguma melhora na atividade econômica e com a perspectiva de apresentação das propostas de reformas pós-Previdência. Terminaram frustrados com um novo adiamento do anúncio das medidas, consideradas essenciais para determinar o futuro do País. Como tem sido frequente nos últimos tempos, cada vez que um solzinho pálido surge na economia acaba encoberto pelas chuvas e trovoadas no cenário político – onde, segundo “meteorologistas” experientes, o clima não vai desanuviar tão cedo.

As rumorosas denúncias de ligações do clã Bolsonaro com os envolvidos na morte de Marielle Franco e a defesa do AI-5 pelo filho do presidente e líder do governo, Eduardo Bolsonaro, chegaram a jogar para segundo plano o pacotaço de mudanças preparado pela equipe de Paulo Guedes – que inclui pacto federativo, redução das amarras do Orçamento, extinção de fundos públicos, reforma administrativa, reforma tributária e mudança de regras para agilizar as privatizações. Tudo isso e mais um pouco. Na semana passada, só os mercados pareciam ignorar a instabilidade política e continuavam a exibir recordes atrás de recordes.

Passado o impacto do novo terremoto político, pelo menos momentaneamente, o clima no Planalto é na linha do “agora vai”. Ou seja, a programação é detalhar nesta semana todas as propostas do pacotaço, muitas delas cruciais para que o governo consiga honrar seus compromissos na área fiscal e, com isso, aliviar a pressão sobre a economia real. Apesar das inúmeras pistas dos últimos dias, ainda há dúvidas sobre todas as medidas que virão no pacotaço e mesmo sobre o ritmo de encaminhamento no Congresso.

Já se sabe, de toda forma, que um dos pontos centrais da reforma administrativa será o fim da estabilidade automática para os novos servidores públicos. Sabe-se também que serão propostas a desvinculação de gastos no Orçamento e a definição de gatilhos para barrar efetivamente as despesas em caso de descumprimento das metas fiscais. E ainda que a reforma tributária vai demorar mais, embora tenha a preferência de empresários e líderes parlamentares, como o próprio presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ).

A proposta tributária de Guedes será limitada, inicialmente, à fusão de PIS, Cofins e IPI. A desoneração ampla da folha de pagamento das empresas foi comprometida pela derrubada da nova CPMF.

Se há uma coisa que não se pode dizer de Guedes é que ele se conforma com pouco. A reforma da Previdência é uma prova da ambição do ministro, que fincou o pé nos ganhos fiscais de R$ 1 trilhão em 10 anos e conseguiu segurar o resultado na marca dos R$ 800 bilhões. O regime de capitalização, contudo, que ele fez questão de incluir no texto, foi rejeitado logo no início da tramitação no Congresso, poupando negociações mais penosas à frente. Tudo indica que agora essa ambição será testada novamente, com as propostas que serão encaminhadas simultaneamente à Câmara e ao Senado. Isso porque elas vão além da reestruturação das finanças públicas, que volta e meia ameaçam entrar em colapso. Miram, na verdade, uma reforma do Estado brasileiro, como o próprio ministro define.

Pela complexidade das medidas antecipadas e, principalmente, pela amplitude dos interesses envolvidos, pode-se imaginar que a passagem pelo Congresso não será rápida nem tranquila. Especialmente porque ocorrerá em plena campanha eleitoral para prefeitos.

Não é compreensível, portanto, que a turma do Planalto continue a estressar suas relações com o mundo político em geral e com a própria base parlamentar. Para garantir a aprovação dos seus projetos no Congresso – ou, em outras palavras, para governar – não basta Bolsonaro agradar àquele eleitorado fiel, que tem demonstrado afinidade cega às suas declarações e ações. Céu de brigadeiro certamente Guedes não terá à sua frente, mas que pelo menos o presidente não atraia mais nuvens no horizonte.


Carlos Pereira: A janela de Toffoli

Avizinha-se assim uma janela de oportunidade para que Dias Toffoli possa vir a fazer História

Janelas de oportunidade que mudam o curso da História não se abrem todos os dias. O mais intrigante é que, mesmo sendo raras, a grande maioria dessas oportunidades tende a ser desperdiçada e sociedades parecem ficar aprisionadas a equilíbrios insatisfatórios.

Um elemento crucial e necessário para que janelas de oportunidade sejam efetivamente aproveitadas é a presença de uma liderança. Não me refiro necessariamente a lideranças políticas carismáticas, mas a líderes capazes de compreender a realidade do que se passa no País, galvanizar energias, superar problemas de coordenação e, acima de tudo, ter autoridade moral na proposição de soluções que visem a resolução de impasses políticos e institucionais.

Não muito tempo atrás, a grande maioria dos brasileiros acreditava que as elites políticas, burocráticas e empresariais sempre encontrariam maneiras de escapar de malfeitos. Entretanto, desde o julgamento do mensalão, vimos organizações de controle se fortalecerem e saírem do controle dos seus criadores (políticos), especialmente a partir de 2016 com o entendimento da maioria do Supremo Tribunal Federal (STF) de acatar a execução provisória da pena após a condenação em segunda instância e não somente após o trânsito em julgado. Ocorreu um alinhamento entre o comportamento dessas organizações de controle e a preferência da maioria da população de intolerância à corrupção e de combate à impunidade.

Diante da evidente polarização atual de preferências no plenário do Supremo em relação à interpretação constitucional da execução da pena, existe um risco real de reversão de expectativas. O que está em jogo é o dilema entre eficiência no combate à impunidade e à corrupção versus garantias a direitos individuais de condenados.

É possível analisar a interação estratégica entre os 11 membros da Suprema Corte diante dos seus comportamentos pregressos e/ou preferências já reveladas. Cada “jogador” possui pontos ideais em relação ao início da execução da pena do condenado: segunda instância representa o status quo, transitado em julgado e Superior Tribunal de Justiça (STJ). Assume-se que os ministros agem de forma racional e, portanto, maximizam ganhos quando a decisão da política em questão se aproxima do seu ponto de preferência e diminuem ganhos quando se distancia.

Embora ainda falte colher o voto de quatro ministros, é possível inferir a formação de dois blocos polares, com cinco ministros (Edson Fachin, Alexandre de Moraes, Roberto Barroso, Luiz Fux e Carmem Lúcia) votando pela manutenção do status quo, segunda instância, e cinco ministros (Marco Aurélio, Rosa Weber, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Celso de Melo ) votando pela mudança da política de início do cumprimento da pena apenas após o trânsito em julgado.

O presidente do STF, Dias Toffoli, que terá a oportunidade de votar por último, já revelou informalmente uma posição intermediária, quando o condenado iniciaria o cumprimento da sua pena após condenação em terceiro grau (STJ). Esta posição mediana (pivô) não é a ideal para nenhum dos dois grupos polares, mas substancialmente melhor do que se alguma dessas posições polarizadas for perdedora. Diante do risco de derrota, é racional esperar a migração de votos de membros de um ou dos dois polos para a posição mediana. O plenário do STF também pode ter o entendimento de que algumas das posições já estariam contidas no voto mediano do Toffoli, configurando assim uma maioria.

Um novo equilíbrio, portanto, pode emergir dessa interação estratégica com a vitória da posição pivô. Avizinha-se assim uma janela de oportunidade para que Dias Toffoli possa vir a fazer História. Será que ele vai aproveitar?


Ricardo Noblat: Bolsonaro dá o PSL como perdido

À procura de um novo abrigo

Com a ressalva que ele tem por hábito dar o dito pelo não dito, ou reformar em parte o que disse ou simplesmente a aderir a ideias opostas às que antes defendia, o presidente Jair Bolsonaro parece ter dada como perdida a guerra pelo controle do PSL.

Tem um novo plano: criar um partido para chamar unicamente de seu. Um partido onde ele possa abrigar algo como duas centenas de pessoas à sua escolha para disputar prefeituras nas eleições municipais do próximo ano.

Por se tratar de um partido novo, não terá à sua disposição a fortuna que abarrota o cofre do PSL, alimentada pelos fundos eleitoral e partidário. Por mês, o PSL abocanha cerca de R$ 12 milhões ou um pouco mais. Sem problema para Bolsonaro.

Em compensação, ele não terá dor de cabeça com candidatos a lhe implorarem por dinheiro, por comando de diretórios, por isso e por aquilo outro. A primeira e a última palavra serão dele sobre quem entrará ou não no partido.

Dos que pretendam ser admitidos, Bolsonaro exigirá alinhamento total com suas bandeiras de luta, disciplina e lealdade. Respeito à hierarquia acima de tudo. Em troca, gravará mensagens de apoio aos escolhidos e permitirá que usem a sua imagem. E é só.

Haverá tempo suficiente para criar um novo partido? Bolsonaro acha que sim. Recolherá pela internet o número necessário de assinaturas de eleitores. Para isso usará o seu e o perfil dos filhos nas redes sociais. Advogados cuidarão do resto.

Que o deputado Luciano Bivar, presidente do PSL, fique com o partido que foi o nono de Bolsonaro em quase 30 anos de vida política. Ele irá para o décimo. E se alguma coisa der errada, procurará outro partido ou então criará mais um. Sem problema.

Lula livre, e nervoso

Como Bolsonaro quer
Na mais recente conversa que teve com ele em Curitiba, a deputada Gleisi Hoffman, presidente do PT, ouviu de Lula:
– Mandela entrou nervoso na cadeia e saiu calmo. Eu entrei calmo e sairei nervoso.

Lula costuma comparar-se ao primeiro presidente da África do Sul livre do Apartheid, o regime racista estabelecido no país em 1948 em que uma minoria branca mandava na maioria negra.

Mas há, entre eles, mais diferenças do que semelhanças. A principal: Mandela passou 27 anos na cadeia como preso político. Lula está preso há 600 dias por corrupção passiva e lavagem de dinheiro.

Ao ser libertado, Mandela fez um famoso discurso onde declarou seu compromisso com a paz e a reconciliação com a minoria branca. E assim procedeu até o último dia de sua vida.

O Supremo Tribunal Federal retomará nesta quinta-feira o julgamento sobre a prisão em segunda instância. Como faltam votar quatro ministros, o resultado ficará para a próxima semana.

Se por 6 votos contra 5, como se espera, o tribunal acabar com a prisão em segunda instância, Lula poderá ir para casa sem direito a candidatar-se a coisa alguma porque é um ficha suja.

A restauração dos seus direitos políticos só será possível se o tribunal, em data ainda não marcada, anular a decisão de Sérgio Moro que o condenou no caso do tríplex do Guarujá.

Lula prefere continuar preso até lá e tem hospedagem já garantida em Curitiba pela primeira instância da Justiça. Resta-lhe, assim, algum tempo para avaliar se o melhor será sair nervoso ou calmo.

Torce o presidente Jair Bolsonaro para que saia nervoso. Bolsonaro e seus filhos precisam de um adversário à altura para ajudá-los a radicalizar ainda mais o clima político do país.


Ricardo Della Coletta: Falando sozinho

Estilo de comunicação de Bolsonaro e aliados é um desafio para o Itamaraty

As declarações explosivas do presidente Jair Bolsonaro contra líderes internacionais e suas insistentes interferências em processos internos de outros países deixaram o Brasil num incômodo isolamento na América Latina.

O presidente eleito da Argentina, Alberto Fernández, é o inimigo da vez de Bolsonaro, mas até mesmo lideranças da direita no continente marcam distância do presidente brasileiro.

Sebastián Piñera, do Chile, já o fizera quando dos ataques de Bolsonaro contra a ex-presidente Michelle Bachelet. Agora Luis Lacalle Pou, a promessa de uma guinada à direita, rejeita o apoio oferecido por Bolsonaro ao lançar algo na linha de “por sorte no Uruguai não se decide pelo que pensam os brasileiros”.

A estreia da relação Bolsonaro-Fernández —que, em condições normais, deveria ser regida ao menos por protocolares desejos de êxito— não poderia ter sido pior.

Há no governo brasileiro quem veja na defesa de Fernández do Lula Livre uma provocação desnecessária, mas as manifestações que partiram de Brasília soam a agressões infantis: do chanceler que fala em “forças do mal celebrando” a volta do kirchnerismo à publicação preconceituosa de Eduardo Bolsonaro sobre o filho de Fernández, Estanislao, que se veste de “drag queen” e pratica cosplay.

Os primeiros efeitos da desconfiança mútua começam a aparecer. Bolsonaro adiantou que não vai à posse de Fernández. Já o argentino preferiu fazer sua primeira viagem internacional ao México, ignorando seu vizinho mais importante.

O estilo de comunicação de Bolsonaro e de seus aliados é um desafio para o Itamaraty, até há pouco guiado pela linguagem comedida da diplomacia. Agora, manter os seguidores do bolsonarismo mobilizados pelas redes sociais parece ser a estratégia principal. Mesmo que para isso o Brasil fique falando sozinho. Ou que o preço a pagar seja um clima de hostilidade política com um parceiro estratégico.


Saiba qual a ousadia do escritor italiano Italo Calvino, conta André Amado

Em artigo publicado na nova edição da Política Democrática online, diretor da revista aborda perfil

Diretor da revista Política Democrática online, André Amado afirma que o escritor italiano Italo Calvino é um dos poucos autores que teve a ousadia de declarar que “a literatura (e talvez só a literatura) pode criar anticorpos que neutralizam a expansão da peste da linguagem”. A análise está em artigo publicado na nova edição da revista produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), vinculada ao Cidadania, em Brasília.

» Acesse aqui a 12ª edição da revista Política Democrática online

Integram o conselho editorial da revista Alberto Aggio, Caetano Araújo, Francisco Almeida, Luiz Sérgio Henriques e Maria Alice Resende de Carvalho. A direção da revista é de André Amado e a edição, de Paulo Jacinto.

A seguir, leia trechos do artigo:

Já deverão ter notado que não sou crítico literário. A razão principal, por mais que me doa reconhecer, é que me faltam credenciais, o que, em bom português, quer dizer competência. Por isso, conformo-me em abrir aspas e convidar a escrever nestas páginas autores do quilate de um Flaubert, Umberto Eco, Vargas Llosa e, desta vez, Italo Calvino, um dos mais célebres escritores italianos, que teve a ousadia de declarar que “a literatura (e talvez só a literatura) pode criar anticorpos que neutralizam a expansão da peste da linguagem”.

Dá até vontade de traduzir “linguagem” por “erudição”, para mantermos a ironia típica de muitas reflexões de Calvino. Mas, se o fizéssemos, incorreríamos em imensa injustiça com outra de suas obras, Por que ler os clássicos, em que se consagra o mais profundo e íntimo conhecimento dos autores selecionados, o que, em uma palavra, se chama erudição, no bom sentido do conceito.

A lista de escritores é longuíssima, embora cada texto se concentre em transmitir o que de fato interessa em literatura. Lá estão Homero, Cyrano, Defoe, Voltaire, Stendhal, Balzac, Dickens, Flaubert, Tolstoi, Mark Twain, Henry James, Stevenson, Conrad, Hemingway e Borges. Para os que se autoproclamam iniciados no tema, encontrarão também Xenofonte, Ovídio, Ariosto, Galileu, Pasternak e Pavese. E, que me perdoem os mais letrados, mas a lista inclui ainda escritores de quem apenas ouvi falar, se tanto, como Plínio, Nezami, Cardono, Ortes, Gadda, Montale e Queneau.

É fascinante como Calvino aborda cada um. Com relação a Homero, claro, o foco está na Odisseia (mas com que ângulos inexplorados!). Defoe desfila com seu célebre Robinson Crusoe, tanto quanto Stendhal, com Cartuxa de Parma. Mas Dickens entra no livro com Our Mutual Friend; Flaubert, com Trois contes; Tolstoi, com Dois Hussardos; Stevenson, com o O pavilhão das dunas, e assim por diante. Por intermédio dessas obras, que sem dúvida não são as mais conhecidas dos escritores, Calvino supera o desafio e as transforma em peças maestras, magia que estende à produção literária dos demais integrantes de sua lista, a ponto de nos produzir certo constrangimento por nunca os termos visitado.

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Demétrio Magnoli: Diante da subversão

Hienas, Chile, militares, AI-5. O Plano A de Jair Bolsonaro não é, como geralmente se imagina, a busca da reeleição em 2022. O núcleo bolsonarista — o presidente, seus filhos e os assessores olavistas — querem “ver a história se repetir”, nas palavras do rebento 03. Que ninguém se engane: há um projeto subversivo em curso, de ruptura da ordem democrática.

“Conversei com o ministro da Defesa sobre a possibilidade de ter movimentos como tivemos no passado, parecidos com o que está acontecendo no Chile. A gente se prepara para usar o artigo 142 da Constituição Federal, que é pela manutenção da lei e da ordem, caso eles venham a ser convocados por um dos três Poderes.” O Chile não é um espectro, mas um pretexto. Bolsonaro desenha os contornos de um plano golpista cujo ponto de partida seria a reinterpretação subversiva do texto constitucional.

A liberdade de manifestação pacífica é um dos pilares constitucionais da ordem democrática. O artigo 142 não constitui licença para derrubá-lo. Na hipótese de eclosões de violência em manifestações públicas, a lei permite o recurso à polícia, não aos soldados. Nos meses quentes que antecederam o impeachment, a extrema-direita evocava o artigo 142 para pregar uma “intervenção militar constitucional”. Hoje, o presidente atualiza aquele discurso, explicitando sua meta política.

No Chile, Sebastián Piñera convocou os militares para reprimir manifestantes, rompendo um tabu estabelecido no fim da ditadura de Augusto Pinochet. Tudo que conseguiu foi uma derrota humilhante. No fim, desculpou-se perante os cidadãos, suspendeu o toque de recolher, reformou seu governo e ofereceu um novo pacto social. Bolsonaro aposta no caos. De fato, está dizendo que, ao contrário de Piñera, provocaria um desenlace diferente: a história — de 1964, de 1973 —repetida.

Marco Aurélio Mello enxergou, no vídeo das hienas, uma “bobagem”, enquanto Celso de Mello preferiu rotulá-lo como um “atrevimento”. Na peça, porém, encontra-se a substância da “filosofia política” do Bruxo da Virgínia, o charlatão que orienta o núcleo bolsonarista. A narrativa de uma conspiração geral das “hienas” — a ONU, o STF, a imprensa e os partidos, inclusive o PSL — contra o “leão” conduz à conclusão de que a vitória do Bem sobre o Mal exige a ruptura das regras do jogo. À luz das declarações sobre o Chile, não se deveria descartá-la como mera bravata destinada às redes sociais.

Merece exame a ensaiada coreografia da operação. Segundo a história oficial, um sujeito indeterminado postou o vídeo, que Bolsonaro removeu, desculpando-se com o STF. Na sequência, Carlos, o 02, atribuiu a postagem ao próprio presidente, enquanto Filipe Martins, o assessor internacional, reiterava seu conteúdo: “o establishment não gosta de se ver retratado, mas é o que ele é — um punhado de hienas”. Tradução: o “leão” expressava sua convicção profunda, alertando os seus para o perigo — mas, sitiado pelas “hienas”, foi obrigado a recuar. Moral da história: sem a ruptura, as “hienas” triunfarão.

O populismo nasce dentro da democracia, mas a envenena aos poucos, corroendo as instituições que a protegem, até instalar um “autoritarismo eletivo”. A dinâmica — tão clara na Rússia, na Turquia, na Hungria e na Venezuela — não se aplica ao bolsonaro-olavismo. Por aqui, a seita extremista que forma o núcleo do governo sonha com uma cisão radical: a “história repetida”.

“Ou o presidente age agora para fechar os partidos ligados ao Foro de São Paulo ou eles o derrubarão em seis meses”, tuitou o Bruxo da Virgínia, repetindo seu mantra sobre os “seis meses” derradeiros, que emerge semestralmente. Dias depois, o filhote 03 preconizou “um novo AI-5”. A célere erosão da popularidade do governo e as procrastinadas investigações sobre eventuais laços do clã presidencial com as milícias só reforçam o projeto golpista.

“Acho que vira a página”, sugeriu Hamilton Mourão. O vice simula não entender que essa “página” nunca vira. A subversão da democracia, a conclamação à anarquia militar, é o único e verdadeiro programa de governo de Bolsonaro.


Fernando Gabeira: A política como um pesadelo

Será que o porteiro realmente viu um dos assassinos procurando por Bolsonaro, que nesse dia estava em Brasília?

Enquanto a mancha se desloca para o Sul e ameaça Abrolhos, já não sei mais se a espero no Rio ou vou ao seu encontro. De qualquer forma, tento manter o foco no desastre ambiental enquanto as loucuras na política se desdobram num ritmo vertiginoso.

No princípio da semana, pensei em dedicar as horas vagas a pensar na questão da linguagem na política, que me surpreende tanto quanto a mancha de óleo. Os deputados do PSL brigam entre si com memes e se insultam usando personagens de história infantil. Se não parasse com as crianças, de vez em quando, não saberia quem é Peppa. Uma das contendoras na luta interna foi chamada de Peppa pelos adversários. Ainda bem que eu já vi as aventuras da porquinha rechonchuda.

Pensei em refletir sobre a nova geração de políticos e como a linguagem da infância ainda está presente no seu imaginário.

Mudei de eixo à tarde. Vi imagens do depoimento de Alexandre Frota na CPI das Fake News. Ele exibiu cartazes com frases do guru dos Bolsonaro, Olavo de Carvalho. Era tão escandaloso que fiquei tentado a examinar o avanço da linguagem pornográfica no discurso da extrema direita.

Foi então que vi aquele vídeo das hienas cercando o leão Bolsonaro e pensei em voltar ao universo infantil. Não houve tempo. Eduardo Bolsonaro invocou o AI-5, numa entrevista a Leda Nagle. Voltei aos anos 60 e pensei até em mostrar como as coisas mudaram nesse quase meio século. Desisti desse esforço pedagógico. As pessoas que confundem épocas tão díspares não o fazem por ignorância, mas por necessidade. Constroem um enredo mental para o papel que amariam representar. No caso de Eduardo Bolsonaro, é a vontade de reviver a ditadura, com poder absoluto sobre a vida e a liberdade de expressão dos outros.

Em certas viagens a Ouro Preto, fantasio uma volta ao século XVIII. Mas só por alguns momentos, quando não há carros nem buzina.

Há tempos, quando Ronnie Lessa, acusado de matar Marielle Franco, foi preso, achei explosivo o fato de ser vizinho do homem que se tornou presidente da República. Imaginei como isso não daria um roteiro para uma série de televisão. Li que o filho mais novo do presidente namorava a filha do matador. Imaginei as possibilidades clássicas dessa história.

Vejo surgir agora um novo personagem dramático: o porteiro do condomínio Vivendas da Barra. Ele é o mais antigo dos funcionários, deve conhecer todos os moradores, seus hábitos e relações superficiais. Sua lembrança do dia da morte de Marielle Franco enriqueceu as fantasias sobre a vizinhança de Bolsonaro com Ronnie Lessa, miliciano, matador e comerciante de armas.

Será que o porteiro realmente viu um dos assassinos procurando por Bolsonaro, que nesse dia estava em Brasília? Por que teria anotado o número da casa buscada pelo cúmplice do matador como se fosse a casa de Bolsonaro? Como pode ter ouvido a voz de seu Jair, sem estar sintonizado com o canal da Câmara dos Deputados, onde Bolsonaro estava naquele momento?

Não vou especular sobre esse mistério, enquanto não ouvir a versão do próprio porteiro. As procuradoras do MP do Rio dizem que ele provavelmente mentiu.

Mas por que um velho e experiente porteiro confundiu duas casas? Para nós que vemos imagens aéreas, elas são todas iguais. Somos traídos pela superficialidade de nossa percepção, como os esnobes que dizem que a caatinga é monótona porque toda a vegetação é igual.

Para ele, certamente cada uma delas tem uma história, desde o tipo de visitas aos pequenos cuidados cotidianos, instalação elétrica, vazamentos, no sentido literal.

Não entendo como pode ter confundido. Mentiu e enganou? Foi induzido? Sua memória funciona bem ou já dá sinais cotidianos de pequenas confusões? Para um roteirista, é relativamente fácil cobrir essas lacunas. Para mim, no entanto, os tempos são desconcertantes. Volto a perseguir a mancha. Também é desconcertante. Mas pelo menos vejo pessoas reais, com as luvas negras de óleo, tentando limpar as praias, proteger corais e mangues.

Desenhos infantis, frases pornográficas, jovens aspirantes a ditador ou mesmo intrincados enredos policiais —tudo é uma espécie de desastre, mas pede outro tipo de voluntariado, equipamento e paciência.


El País: Viver com 413 reais ao mês, a realidade de metade do Brasil

Desemprego alto e aumento da informalidade faz com que 104 milhões de brasileiros tenham de viver com o equivalente a meio salário mínimo. Número de ambulantes na rua saltou mais de 500% entre 2015 e 2018

A família de Josefa faz parte dos 50% mais pobres da população, quase 104 milhões de brasileiros, que em 2018 vivia, em média, com apenas 413 reais per capita, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua) publicada em outubro. No mesmo ano, 5% da população, ou 10,4 milhões de pessoas no Brasil, sobreviviam com 51 reais mensais. O levantamento revelou ainda que a desigualdade se agravou no país. A renda domiciliar per capita desses 5% mais pobres caiu 3,8% de 2017 para 2018, enquanto a renda da fatia mais rica (1% da população) cresceu 8,2%.

Na avaliação de Maria Lúcia Vieira, gerente da Pnad Contínua, os ricos ficaram mais ricos e os pobres mais pobres, porque a renda total das famílias vem majoritariamente do trabalho. "Com a recessão, o mercado de trabalho também entrou em crise, e o desemprego aumentou [hoje atinge 12,6 milhões de brasileiros]. O que afeta muito mais os mais pobres, já que o estrato mais rico tem geralmente outras fontes de renda além do emprego, como, por exemplo, dinheiro proveniente de aluguéis, pensões", explica. Ainda que nos últimos dois anos a população ocupada tenha voltado a crescer, os empregos criados foram, principalmente, os informais. "Os postos que estão surgindo são pouco remunerados e de baixa qualificação", diz Vieira.

Informalidade bate recorde

Fabiano Manuel de Souza, de 26 anos, começou a trabalhar de ambulante para sair da fila do desemprego.
Fabiano Manuel de Souza, de 26 anos, começou a trabalhar de ambulante para sair da fila do desemprego.

Entre julho e setembro deste ano, a taxa de informalidade da população ocupada bateu recorde da série iniciada em 2012, chegando a 41,4% dos trabalhadores. Ou seja, a cada 10 trabalhadores, seis têm ocupação precarizada. Segundo a gerente, o número de brasileiros que trabalham como ambulantes informais vendendo alimentos foi um dos que mais aumentou nos últimos tempos. Entre o segundo trimestre de 2015 e o segundo trimestre de 2019, o número desses ambulantes cresceu 510% subindo de 78,4 mil para 478,3 mil pessoas.

Um dos filhos de Josefa, que já saiu de casa, faz parte desse grupo de novos ambulantes. Após ser demitido de um trabalho com carteira assinada, resolveu seguir os passos da mãe e apostar nas vendas na rua. Fabiano Manuel de Souza, de 26 anos, ajuda a mãe a transportar no ônibus a mercadoria e depois segue para outro ponto também em Pinheiros, na zona oeste da cidade. "Não é um trabalho fácil, e as vendas dependem muito de cada dia. Faça chuva ou faça sol a gente vai pra rua. Agora no calor é mais fácil ganhar com água, mas está tudo meio parado. Não sei se as coisas vão melhorar, acho que esse Governo novo é pior. Eu preferia o Lula, fui até em manifestação contra o Bolsonaro no Largo da Batata para protestar, mas também para aproveitar as vendas", conta.

Apesar dos tempos de economia fraca e pouco dinheiro no bolso, Josefa está mais tranquila nos últimos meses. Neste ano, conseguiu, finalmente, uma autorização na prefeitura da capital paulista para legalizar a sua atividade e o carrinho que utiliza na calçada para expor os produtos que vende: água, refrigerantes, salgadinhos e balas. O local escolhido por ela é estratégico, fica em frente a um ponto de ônibus, a poucos metros do metrô Faria Lima. "Agora estou na paz, despreocupada. Antes era uma corrida de gato e rato entre eu e os fiscais. Cheguei a perder 13 vezes a minha mercadoria aqui, a polícia levou tudo. Eles corriam atrás de mim como se eu fosse um ladrão, vivia tensa. Eu estava apenas trabalhando. Eu nem tinha o carrinho, vivia com sacolas para sair correndo", conta ao lado da filha Kelly, de 20 anos, que está cursando faculdade de educação física, mas ajuda a mãe nas horas vagas.

Josefa de Souza trabalha como ambulante há 25 anos.
Josefa de Souza trabalha como ambulante há 25 anos.CAMILA SVENSON

Para regularizar sua atividade, Josefa entrou no programa "Tô Legal!" da Prefeitura de São Paulo e paga um imposto trimestral de quase 700 reais. Somou-se aos novos gastos um estacionamento para seu carrinho de 150 reais mensais e mais 10 reais diários para que outro vendedor da região a ajude a levá-lo à garagem. Para que o dia seja lucrativo, ela precisa trabalhar das 10/11h da manhã até 21h/22h da noite, de segunda a sábado.

O dia de Josefa começa, no entanto, muito mais cedo, e termina muito mais tarde. A vendedora acorda 6h da manhã para preparar o café da manhã dos dois filhos, de 18 e 16 anos, que vão para a escola e para organizar a marmita do filho que trabalha. Todos moram em uma casa simples de três quartos.  Como vive no bairro Jardim do Colégio, em Embu das Artes, na Grande São Paulo, ela leva quase duas horas para chegar ao local de trabalho e precisa pegar dois ônibus para percorrer um trajeto de cerca de 25 km. Na volta, acaba chegando em casa depois da meia-noite. É quando Josefa começa a preparar o jantar e o almoço do dia seguinte dos filhos e marido. "Acabo dormindo 3h da manhã. Mas o jantar é a única refeição forte do dia que eu faço. Não tenho onde aquecer a comida lá no meu carrinho e se compro na rua gasto 15 reais. Não posso, preciso economizar para os remédios. Por isso, nem almoço", explica.

Há três anos, a vendedora trata algumas feridas na perna ocasionadas pela má circulação sanguínea, chamadas úlceras varicosas. O tipo de lesão acomete, muitas vezes, pessoas que passam muito tempo em pé. "Preciso passar uma pomada cara, de 52 reais, que compro toda semana, e enfaixar as pernas. Nem passo mais no posto de saúde porque eles não têm nada. O médico diz que preciso ficar de repouso uns três meses, mas cada dia que não trabalho o dinheiro no fim do mês diminui, não dá".

Se pudesse escolher, Josefa optaria hoje por ter um emprego com carteira assinada, onde pudesse usufruir dos direitos trabalhistas, como o de tirar uma licença médica remunerada. "Mas, infelizmente, eu já não tenho mais idade. Ninguém vai me contratar com 58 anos", lamenta a vendedora que chegou a trabalhar 13 anos registrada em diferentes empregos antes de virar ambulante.

Ela veio da Paraíba para São Paulo aos 13 anos e já conseguiu, quando chegou, um posto em uma fábrica. "Como contribui esses anos, agora estou pagando o INSS para completar os 15 anos e tentar aposentar por idade. Ainda tenho que ver o que essa reforma da Previdência vai mudar nos meus planos, mas a aposentadoria vai ajudar muito, porque não vou poder trabalhar para sempre na rua", explica. O marido também deve conseguir se aposentar por idade daqui a 3 anos.

Enquanto as aposentadorias não chegam, Josefa tem um 'plano B' para melhorar de vida. Está há alguns anos construindo um novo andar na casa, com quartos separados para cada filho, para onde pretende se mudar com toda a família. "Aí vamos alugar essa parte de baixo e ganhar um dinheiro extra. A obra a gente começou com um acerto que meu marido ganhou quando foi demitido. Mas não conseguimos terminar e está difícil sobrar dinheiro, vivemos apertados", explica. O dinheiro anda tão escasso que, às vezes, ela pede para um primo um empréstimo. Ele empresta um vale alimentação para que ela compre novas mercadorias e ela só paga dez dias depois. Josefa acredita, no entanto, que com o dinheiro que fizer nas vendas no Carnaval de 2020 talvez consiga poupar um pouco. "É a melhor época. Acho que no ano que vem conseguimos terminar a obra e mudar lá pra cima. Acho que vai melhorar muito", diz sorrindo.