Day: novembro 1, 2019
Portal: Cidadania repudia declaração de Eduardo Bolsonaro sobre “novo AI-5”
Em nota pública (veja abaixo), o presidente do Cidadania, Roberto Freire, e os líderes do partido na Câmara dos Deputados e Senado Federal, Daniel Coelho (PE) e Eliziane Gama (MA), respectivamente, repudiaram a declaração do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) sobre um novo Ato Institucional nº 5 caso haja uma radicalização da esquerda no Brasil.
A declaração do filho do presidente Jair Bolsonaro foi dada em entrevista à jornalista Leda Nagle em um canal do Youtube nesta quinta-feira (31).
“É preciso avisar aos admiradores de regimes ditatoriais que em solo brasileiro não encontrarão ressonância de suas estapafúrdias pregações, pois estão submetidos ao guarda-chuva da Carta Magna que reúne pilares da nossa democracia”, diz a nota.
O AI-5 foi um decreto emitido durante o governo do presidente Artur da Costa e Silva e considerado com marco que inaugurou o período mais sombrio da ditadura militar (1964-1985) no País.
O ato autorizava o presidente da República a decretar o recesso do Congresso Nacional, das assembleias legislativas e das câmaras de vereadores, cassar mandatos de parlamentares e suspender direitos políticos dos cidadãos.
“Nota Pública
O Cidadania vem a público repudiar com veemência a ignóbil declaração do deputado Eduardo Bolsonaro.
Suscitar o Ato Institucional número 5 demonstra desprezo, desconhecimento e ignorância sobre o que é o Brasil do século 21.
O abjeto AI-5 aprofundou a restrição das liberdades individuais, instaurou a censura prévia e cassou mandatos de deputados que não se curvaram ao governo de plantão. O país de hoje tem uma constituição cidadã, além de instituições em pleno funcionamento.
Ameaças como a do deputado federal Eduardo Bolsonaro partem de uma mente antidemocrática, incapaz de conviver com liberdade e democracia. Qualquer radicalização que, eventualmente, o país vier a sofrer, não haverá outro remédio que não o uso da Constituição de 1988 para saná-la.
O próprio presidente da República que está aí é fruto da consolidada democracia brasileira. Foi eleito pelo voto direto e livre. E por último, é preciso avisar aos admiradores de regimes ditatoriais que em solo brasileiro não encontrarão ressonância de suas estapafúrdias pregações, pois estão submetidos ao guarda-chuva da Carta Magna que reúne pilares da nossa democracia.
Brasília, 31 de outubro de 2019
Daniel Coelho (PE) – líder do Cidadania na Câmara dos Deputados
Eliziane Gama (MA) – líder do Cidadania no Senado
Roberto Freire – presidente nacional do Cidadania”
Míriam Leitão: Resistir na ciência e na universidade
Governo ataca as universidades sem conhecê-las e persegue cientistas quando não gosta do resultado das pesquisas
Noventa e cinco por cento das pesquisas são feitas nas universidades e mesmo assim 18 mil bolsas da Capes e do CNPQ foram perdidas e as universidades são atacadas pelo governo, lembra o reitor da Unicamp, Marcelo Knobel. A cientista Mônica Lopes-Ferreira, punida por ter divulgado uma pesquisa mostrando que não há dose segura de agrotóxico, disse que a ciência pede respeito. Entrevistei os dois sobre esse tenso momento do país, em que as universidades públicas e a pesquisa científica são alvos de ataque constante.
Mas a sociedade resiste. A Unicamp fez um movimento que mobilizou oito mil pessoas no campus, para a leitura de uma moção de defesa da ciência e da universidade, que uniu alunos de graduação, pós-graduação, professores, funcionários e a reitoria:
— Foi algo inédito em 53 anos. A primeira vez que isso ocorreu, mas a ideia era mostrar para a sociedade a importância da educação pública, da ciência e da tecnologia.
Uma prova da produtividade da universidade é que o faturamento anual das “empresas filhas da Unicamp” chega a R$ 7,9 bilhões, segundo divulgação recente na Agência de Inovação da Unicamp. São empresas fundadas por ex-alunos. A universidade transformou a região num polo de startups em diversas áreas. São 815 empresas que juntas criaram 35 mil empregos diretos.
— E fala-se que na universidade só tem balbúrdia e nada acontece. É um lugar que forma gente com seriedade — diz o físico Knobel.
A imunologista Mônica Lopes-Ferreira foi a responsável pelo desenvolvimento de um remédio para asma que evita os corticoides.
— Foi a partir das pesquisas que fazemos com peixes há mais de 20 anos. Num deles, encontramos uma molécula que é anti-inflamatória e cuja principal função pode ser o uso nos tratamentos contra asma. Existe já a patente em mais de 15 países, durante muito tempo trabalhamos em associação com a indústria farmacêutica brasileira e o que precisamos hoje é o investimento para que isso possa virar um medicamento — disse Mônica.
Mesmo com esse histórico, ela foi afastada por seis meses das pesquisas do Instituto Butantã sob o pretexto de que ao fazer a última pesquisa com peixes não submeteu ao comitê de ética. Ela foi à Justiça, que a reintegrou. A conclusão da pesquisa e que mesmo em doses mínimas, dez agrotóxicos testados provocam deformações ou matam os peixes.
— A ciência e a educação precisam ser respeitadas. Essa é a palavra, porque a ciência está em tudo. O que precisamos hoje é respeito, e foi isso que o movimento da Unicamp exigiu: respeito — disse Mônica.
— A verdade é que nunca, em nenhum momento da história da humanidade, algum país saiu da crise sem investir em ciência e tecnologia. Na Unicamp, temos uma história de sucesso e isso pode ser provado pelos números do faturamento e emprego das empresas filhas. Elas se conectam, há um networking acontecendo em Campinas, bem interessante. Mas isso acontece também em São Paulo, no Rio, em vários lugares do Brasil — diz Marcelo Knobel.
Hoje, segundo o reitor, praticamente 30% do orçamento da Unicamp vêm de parcerias com outras entidades, sejam empresas públicas ou privadas.
— Muita coisa é dita das universidades brasileiras sem nos conhecer. Eu atribuo (os ataques) à falta de conhecimento e ao discurso ideológico — disse Knobel.
O reitor definiu o Future-se, programa que o governo lançou, como “incerto”. Ele cria um fundo que poderia ser aproveitado para as pesquisas nas universidades, mas não se diz como o fundo vai ser constituído e como vai funcionar:
— Não se diz qual é o modelo de negócios do fundo.
Os dois disseram na entrevista que é fundamental preservar a autonomia das universidades e a liberdade de pesquisa. E é exatamente o que tem sido afetado por atos e palavras do atual governo.
— No meu caso, é porque o meu achado (contra os agrotóxicos) desagradou. É muito estranho eu ter que ir à Justiça para ter liberdade de pesquisa. Não estou brigando com o Instituto Butantã, que é um dos maiores centros de pesquisa, estou brigando pela ciência. E continuo trabalhando. Agora estou testando as águas de Brumadinho. Dado é dado, a gente não briga com dado.
Knobel fez um esforço de ajuste fiscal e a Unicamp está perto do equilíbrio orçamentário. Contudo, acha que certos cortes que o governo têm feito são ataques à universidade pública.
Rogério Furquim Werneck: Tensões em jogo
É preciso resistir à tentação de afrouxar o teto de gastos para aliviar o incômodo do aperto fiscal progressivo
Nos próximos meses, a condução da política econômica estará submetida a crescente pressão política, de dentro e de fora do governo. Há dois pontos de tensão em que o risco de fadiga deve ser monitorado com atenção: a impaciência com a demora de uma recuperação mais vigorosa da economia e o desgaste decorrente do aperto fiscal progressivo, que vem estreitando de forma muito rápida o espaço para despesas discricionárias no Orçamento.
Para não ter de submeter as convicções do presidente a um teste de esforço mais exigente do que a prudência recomendaria, o Ministério da Economia terá de se desdobrar para tentar aliviar, na medida do possível, as tensões provenientes desses dois pontos. O que estará em jogo é a sustentabilidade política do programa econômico em curso.
Dos dois pontos de tensão, o de alívio menos problemático parece ser o que decorre da impaciência com a demora de uma recuperação mais vigorosa da economia. Mesmo com toda a desestabilização política que tem emanado no Planalto, alguma aceleração do crescimento da economia parece estar a caminho.
Bem mais difícil será aliviar o desgaste imposto pelo aperto fiscal progressivo que, em decorrência do teto de gastos e da expansão ainda descontrolada de despesas obrigatórias, vem exigindo contração cada vez mais drástica de gastos discricionários. O desafio, claro, é conseguir viabilizar tal alívio sem comprometer o esforço de ajuste fiscal que hoje se faz necessário.
É preciso resistir à tentação de afrouxar o teto de gastos para aliviar o incômodo do aperto fiscal progressivo. Não há como ter ilusões a respeito: o teto de gastos é o esteio do círculo virtuoso que, aos poucos, parece estar ganhando força com a aprovação da reforma da Previdência, apesar da permanência de um quadro fiscal em que as contas públicas ainda estão longe de parecer sustentáveis.
Por sorte, o Ministério da Economia não dá mostras de ter qualquer dúvida quanto a isso. O que vem contemplando, para tentar aliviar e reverter o aperto fiscal progressivo em curso, é algo mais do que defensável: um amplo esforço de flexibilização dos orçamentos da União, dos estados e dos municípios, com medidas ousadas de desvinculação, desindexação e desobrigação.
Seria desavisado, contudo, subestimar a força dos interesses contrariados que terão de ser enfrentados para que haja avanços importantes nessas três frentes. É improvável que, a esta altura, a batalha política que se fará necessária possa ser levada a bom termo com base numa retórica abstrata de defesa da flexibilização dos orçamentos, por mais corretos que possam estar os argumentos. Para que seu esforço de convencimento tenha chance razoável de sucesso, o governo terá de saber dar concretude e conotação positiva a suas propostas.
Não bastará arguir que se tornou crucial sustar a contração progressiva de gastos discricionários e abrir espaço para um aumento substancial de despesas de investimento no Orçamento da União. O embate no Congresso teria de ser travado em torno de uma proposta muito mais concreta e promissora: liberação de recursos orçamentários para viabilizar um programa específico de investimento, cuja prioridade comande amplo e inequívoco consenso no país. Quanto maior o montante liberado, mais ousado seria o programa.
O governo poderia, por exemplo, comprometer-se a usar a maior parte da ampliação do espaço para despesas de investimento, propiciada pelo esforço de desvinculação, desindexação e desobrigação, para alavancar a expansão da infraestrutura de saneamento básico em áreas especialmente carentes.
Se a proposta tivesse esse grau de concretude, o embate no Congresso tenderia a assumir uma conformação muito mais conveniente ao avanço da flexibilização.
Os custos de preservação dos interesses encastelados na rigidez do Orçamento teriam de ser contrapostos, às claras, aos benefícios de um programa de investimento inequivocamente prioritário, com amplo apoio parlamentar. Seria outro jogo.
Bernardo Mello Franco: Família Bolsonaro testa a resistência da democracia
A cada provocação, a família Bolsonaro testa a resistência da democracia brasileira. O jogo entre pai e filhos pode parecer confuso, mas é combinado
A família Bolsonaro tem método. Enquanto o pai insufla seguidores contra as instituições, os filhos fazem ameaças explícitas à democracia.
Ontem o deputado Eduardo Bolsonaro sugeriu a edição de um “novo AI-5”. Apontado como o futuro chefe do clã, ele já havia ameaçado enviar “um soldado e um cabo” para fechar o Supremo.
O AI-5 original foi editado pela ditadura militar em 1968. Suspendeu direitos individuais, instituiu a censura prévia e autorizou o presidente a fechar o Congresso. O ato deu sinal verde para a tortura e a morte de opositores. Significou o endurecimento do regime, cultuado até hoje pelo inquilino do Planalto.
Na época, os militares alegavam que era preciso combater “processos subversivos” e “fatores perturbadores da ordem”. A Guerra Fria acabou, mas Bolsonaro busca o mesmo pretexto ao estimular teorias conspiratórias e insinuar que “inimigos internos” não o deixam governar.
Na entrevista a Leda Nagle, que já apresentou um programa chamado “Sem Censura”, Eduardo alegou o risco de uma radicalização de esquerda. Mas quem radicaliza no país é a extrema direita, que chegou ao poder pelas urnas sob a liderança do capitão.
A nova polêmica segue um roteiro conhecido. Em setembro, o vereador Carlos Bolsonaro já havia escrito que a “transformação que o Brasil quer” não aconteceria por “vias democráticas”.
O comportamento da família mostra uma divisão de tarefas, em que os filhos se revezam no papel de incendiários. Quando a provocação repercute mal, o pai se fantasia de bombeiro e finge adverti-los.
A cada afronta, o clã testa a resistência da democracia e prepara o próximo avanço. É uma estratégia de aproximações sucessivas, como prescrevem os manuais militares.
Os Bolsonaro estão unidos no mesmo projeto autoritário, que busca remover limites ao poder do Executivo. O jogo pode parecer confuso, mas é combinado. Ontem o presidente disse lamentar as declarações do Zero Três a favor do AI-5. Quando o ato fez 40 anos, ele subiu à tribuna da Câmara para louvá-lo.
Luiz Carlos Azedo: Mentes reacionárias
“O AI-5, nas palavras do falecido senador Ernâni do Amaral Peixoto, um político conservador, foi “a morte da política”. Nem por isso, a nostalgia de Eduardo Bolsonaro deixa de ser perigosa”
Em A Mente Naufragada, o cientista político norte-americano Mark Lilla explica que o espírito reacionário difere muito do conservador. Trata-se de invocar o passado para nele viver sem transformações, o que é muito diferente da atitude do conservador, que tem o passado e suas tradições como referência para agir no presente e construir o futuro. Partindo da análise das ideias de três pensadores do século XX — Franz Rosenzweig, Eric Voegelin e Leo Strauss —, Lilla investiga a mente reacionária e conclui que naufragou, porque olha para os destroços de um passado que lhe parece ameaçado, e luta para salvá-lo, porque não sabe conviver com as mudanças. Ironicamente, porém, isso faz do reacionarismo um fenômeno “moderno” no mundo da globalização e do multiculturalismo.
Lilla nos ajuda a entender a diferença entre o pensamento conservador, mesmo de viés autoritário, e o pensamento reacionário. E é um autor muito oportuno, porque explica o caráter ideológico do movimento que o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente Jair Bolsonaro, se propõe a organizar no Brasil no rastro da eleição de seu pai. O clã Bolsonaro flerta com a ideias propagadas pelo escritor Olavo de Carvalho, radicado nos Estados Unidos, guru da extrema direita brasileira. Há uma diferença, sutil mas relevante, entre a declaração de Eduardo Bolsonaro a favor da reedição do AI-5 em caso de mobilizações de protestos semelhantes às do Chile e a do general Augusto Heleno, chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), de que seria preciso estudar a forma de fazer isso. Um defendeu a volta da ditadura pura e simples; o outro, embora igualmente autoritário, sabe que os tempos mudaram e a história só se repete como tragédia ou farsa. Diante da reação negativa, o parlamentar se retratou.
O Ato Institucional nº 5, AI-5, baixado em 13 de dezembro de 1968, durante o governo do general Costa e Silva, foi um golpe de Estado dentro do golpe de 1964, que destituiu o presidente João Goulart. Foi o período de maior repressão da ditadura militar brasileira (1964-1985). Vigorou até dezembro de 1978, com poder de exceção para punir arbitrariamente os adversários como inimigos de Estado. O ano de 1968 havia sido marcado por manifestações estudantis em todo mundo. Eclodiram em Paris e logo chegaram ao Brasil. O lema “é proibido proibir” tinha mais a ver com as mudanças nos costumes, mas aqui se encaixou como uma luva na luta contra o regime militar.
O ambiente era de isolamento político dos militares. A Igreja atuava em defesa dos direitos humanos e as lideranças políticas cassadas pelo regime se uniam de forma, até então, inimaginável: Carlos Lacerda, Juscelino Kubitschek, João Goulart, com apoio do líder comunista Luís Carlos Prestes, em 1967, haviam criado a Frente Ampla, cujas atividades foram suspensas pelo ministro da Justiça, Luís Antônio da Gama e Silva, em abril de 1968. O ministro do Trabalho, Jarbas Passarinho, exigia atestado de ideologia dos dirigentes sindicais. Mesmo assim, uma greve dos metalúrgicos de Osasco sinalizava que o movimento operário se incorporaria às mobilizações de massa de estudantes, intelectuais e artistas.
Morte da política
O ministro do Exército, Aurélio de Lira Tavares, exigia medidas mais enérgicas contra as “ideias subversivas”. Falava em “guerra revolucionária” liderada pelos comunistas, pois parte da esquerda se preparava para a “luta armada”. A gota d’água para a promulgação do AI-5 foi o pronunciamento do deputado Márcio Moreira Alves, do MDB, na Câmara, nos dias 2 e 3 de setembro, lançando um apelo para que o povo não participasse dos desfiles militares do 7 de Setembro e para que as moças, “ardentes de liberdade”, se recusassem a sair com cadetes das escolas militares. O deputado Hermano Alves, do mesmo partido, criticara duramente o regime em artigos no antigo Correio da Manhã. Por exigência do ministro do Exército, Costa e Silva, o governo solicitou ao Congresso a cassação dos dois deputados.
No dia 12 de dezembro, a Câmara recusou, por uma diferença de 75 votos (e com a colaboração da própria Arena, partido do governo), o pedido de licença para processar Márcio Moreira Alves. No dia seguinte, foi baixado o AI-5, que autorizava o presidente da República, sem apreciação judicial, decretar o recesso do Congresso Nacional; intervir em estados e municípios; cassar mandatos parlamentares; suspender, por 10 anos, os direitos políticos de qualquer cidadão; decretar o confisco de bens considerados ilícitos; e suspender a garantia do habeas corpus.
No mesmo dia, foi decretado o recesso do Congresso Nacional por tempo indeterminado, sendo reaberto somente em outubro de 1969, para referendar a escolha do general Emílio Garrastazu Médici para a Presidência da República.
Na sequência imediata do AI-5, foram cassados 11 deputados federais, entre eles Márcio Moreira Alves e Hermano Alves. As cassações prosseguiram em janeiro de 1969, atingindo não só parlamentares, mas até ministros do Supremo Tribunal Federal. A forte reação dos partidos políticos, inclusive o PSL, e da sociedade civil às declarações de Eduardo Bolsonaro, que foi aconselhado a se retratar pelo próprio pai, o presidente Jair Bolsonaro, têm esse lastro da história. O AI-5, nas palavras do falecido senador Ernâni do Amaral Peixoto, um político conservador, foi “a morte da política”. Nem por isso, a nostalgia de Eduardo Bolsonaro deixa de ser perigosa: um golpe militar no Brasil exigiria um banho de sangue e não teria apoio internacional. O general Augusto Heleno sabe disso.
http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-mentes-reacionarias/
Ricardo Noblat: Família que marcha unida permanece unida
É tudo combinado!
Quantas vezes você já não viu, escutou ou leu que o presidente Jair Bolsonaro desautorizara a fala ou o gesto do filho tal, do filho tal e do filho tal? O menos desautorizado deles é Flávio, eleito senador, parceiro de Queiroz em rachadinhas mil. É o que fala pouco.
O mais desautorizado é Carlos, o vereador, responsável pelo perfil do pai nas redes sociais e dono das senhas dele. No ritmo que vai, qualquer hora dessas Carlos será ultrapassado por Eduardo, o deputado federal, como o mais desautorizado dos filhos.
Qualquer filho se sentiria mal com tantas repreensões – os garotos Bolsonaro, não. Porque eles jogam de comum acordo com o pai, dizem o que ele quer que digam, falam o que o pai não pode ou não deve falar, aguentam o tranco, e assim o baile vai em frente.
Se levam um pito, entendem que podem ter avançado algum sinal e logo recuam. Mas até nos pitos o pai os defende e indiretamente acaba lhes dando razão. A quadrilha (no sentido de que são três filhos e um pai) toca de ouvido e persegue os mesmos objetivos.
A saber: mais poder; pau forte nos adversários e nos aspirantes a adversários; enfraquecer a democracia, herança da esquerda e de uma direita que sentia vergonha de se dizer direita; e vencer as eleições de 2022 para continuar mandando.
Há método na loucura, não duvide, embora em muitas ocasiões haja só loucura.
Ninguém liga para o general
A hora da sopa
O general Augusto Heleno foi posto por seus colegas de farda e de pijama para tomar conta do ex-capitão Jair Bolsonaro depois que ele se elegeu presidente da República. Pela influência que tinha sobre Bolsonaro, e dado aos conhecimentos adquiridos ao longo da vida, Heleno seria capaz de tutelá-lo sem despertar sua ira.
Ao cabo dos primeiros meses de governo ficou demonstrado que Heleno não daria conta da tarefa. Nem ele nem ninguém. Bolsonaro é o tutor do seu próprio governo e dos que o servem. Dá bola para poucos auxiliares, e só para aqueles que obedecem às suas ordens sem discutir e com genuíno entusiasmo.
À falta do que fazer, mais ainda depois de ter perdido para Bolsonaro a única coisa que lhe conferia poder como ministro do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República – a Agência Brasileira de Informações -, que fez Heleno para seguir empregado? Aliou-se incondicionalmente ao ex-capitão.
Se Bolsonaro vocifera, ele vocifera tanto ou mais. Se Bolsonaro fala alguma besteira, ele a leva em conta. O que faça Bolsonaro, Heleno está ao lado dele para dizer amém, sim senhor, é isso mesmo, taokey. Comporta-se como a voz do dono. Em momento algum como o dono da voz. Porque não é, e não tenta ser.
Heleno lembra o assistente de um técnico de futebol de escola da cidade inglesa de Bournemouth, distante 170 quilômetros de Londres, e famoso no início dos anos 2000. O assistente costumava repetir duas vezes parte da última frase de qualquer orientação que o técnico dava aos jogadores. Se o técnico dissesse:
– Vocês têm que jogar abertos pelas pontas.
O assistente repetia:
– Pelas pontas, pelas pontas…
Se o técnico reclamasse:
– Assim não dá. Só quem se desloca recebe.
O assistente repetia:
– Só quem se desloca, só quem se desloca…
Empenhado em agradar Bolsonaro, Heleno, ontem, discutiu a sério a ideia do deputado Eduardo Bolsonaro de reeditar um novo Ato Institucional nº 5. Foi com o ato que a ditadura militar de 64 tirou a máscara. Para seu desgosto, o general ouviu em troca a sugestão do deputado Alexandre Frota (PSDB-SP):
– Está na hora do senhor ir descansar e tomar sopa.
Quando o excesso de esperteza engole o esperto
Quem matou e quem mandou matar Marielle? Onde está o porteiro?
O presidente Jair Bolsonaro poderia ter abortado a reportagem do Jornal Nacional sobre seu suposto envolvimento no caso da morte da vereadora Marielle Franco (PSOL-RJ) – mas não quis.
Avisado no dia 9 de outubro pelo governador Wilson Witzel de que seu nome fora citado pelo porteiro do condomínio onde morava, Bolsonaro tratou de se informar exaustivamente à respeito.
Teve tempo suficiente para isso. A reportagem do Jornal Nacional foi ao ar 21 dias depois. Quando foi, Bolsonaro sabia que o porteiro seria acusado de ter mentido pelo Ministério Público do Rio.
Não só sabia: conversara sobre isso com os ministros Dias Toffoli, Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal. O que ele poderia ter feito para abortar a reportagem?
Simples: bastava que seu advogado informasse à TV Globo que o porteiro não telefonara para sua casa, mas para a casa de Ronny Lessa, um dos assassinos de Marielle.
No mínimo, como mais de um assessor de Bolsonaro sugeriu que ele fizesse, o Jornal Nacional procuraria checar se a informação do advogado procedia. Se procedesse, a história seria outra.
Ou a reportagem não iria ao ar ou iria contando o que o porteiro contara à polícia, mas acrescentando que ele se engara ou mentira. Bolsonaro preferiu seguir outro caminho.
Não interveio para dar um novo rumo à reportagem. Apostou que só teria a ganhar desmentindo o Jornal Nacional em seguida e dizendo sobre a Globo o que disse para satisfação dos seus devotos.
Ocorre que a versão da história avalizada pelo Ministério Público do Rio está cheia de buracos. O pior deles o fato de que não se fez perícia no computador da portaria do condomínio.
No livro de visitas ao condomínio consta uma anotação feita à mão pelo porteiro sobre o número da casa que o parceiro de Lessa no crime queria visitar – a de Bolsonaro.
No computador da portaria consta que a casa que o parceiro de Lessa pediu para visitar foi outra – a do próprio Lessa. Foi Carlos Bolsonaro, ao manusear o computador, que diz ter descoberto isso.
Uma planilha de computador é perfeitamente manipulável. Você tira e põe dentro dela o que quiser. Mas todas as mudanças ficam registradas. É fácil identificá-las.
A perícia do Ministério Público foi pedida às 13 horas da última quarta-feira e ficou pronta em torno das 15 horas. Limitou-se a comparar gravações da voz de Lessa. Foi uma porcaria de trabalho.
A promotora que anunciou que o porteiro mentira é bolsonarista de raiz com orgulho. Há fotos dela nas redes sociais vestindo uma camiseta de campanha de Bolsonaro.
Há muito ainda a ser esclarecido. Certas perguntas permanecem de pé: Quem matou Marielle e quem mandou matar? O porteiro mentiu, enganou-se ou disse a verdade? Onde está o porteiro?
Eliane Cantanhêde: Leões, hienas e abutres
As feras estão à solta, mas quem é mais perigoso: hienas ou leões pró-ditaduras?
Assim como o vídeo das hienas, os movimentos do presidente Jair Bolsonaro e dos seus filhos têm um objetivo: mobilizar os “leões conservadores e patriotas”, ou seja, os bolsonaristas. Não exatamente para defender a Pátria, mas para guerrear contra os inimigos, reais ou imaginários.
Bolsonaro e seu filho Carlos brincaram de empurra-empurra no caso do vídeo, retirado das redes depois de poucas horas e muitas reações. Na peça, Bolsonaro é um leão atacado por “hienas”, bichos de péssima reputação: Supremo, partidos, mídia, OAB, ONGs e até a ONU. No final, o “leão conservador e patriota”, representando os bolsonaristas de toda ordem, vem unir-se a ele contra as feras.
Há dúvidas, porém, sobre quem são as feras, principalmente depois que o líder do PSL na Câmara Eduardo Bolsonaro, ex-quase embaixador em Washington, dispensou metáforas e filmetes ridículos e ameaçou o País com a volta do AI-5, o mais demoníaco instrumento formal da ditadura militar, que permitiu fechar o Congresso, perseguir ministros do STF, censurar a imprensa, suprimir as garantias individuais.
Os dois depoimentos nebulosos do tal porteiro do condomínio de Bolsonaro no Rio serviram de carne aos leões e de munição para a guerra contra as instituições. A longa reação do presidente, de madrugada, num país longínquo, saiu da seara da legítima defesa para a do ataque à “hiena” mídia e ao governador Wilson Witzel. Mais uma vez, soou como chamamento irado aos “leões conservadores e patrióticos”.
Em sua fala, Bolsonaro referiu-se ao que considera uma perseguição implacável contra ele, seus filhos, sua mulher, seus irmãos, seu governo, apontando motivos eleitorais no caso de Witzel e ideológicos no da mídia. Se o ex-presidente Lula chegou a ver, da prisão, deve ter no fundo concordado com tudo, já que ele, tirando o nome de Witzel, tinha exatamente as mesmas reclamações dessa mídia “canalha” que divulga o que eles não querem.
Nas redes, Carlos juntou “abutres” às “hienas”. Na CPI das Fake News, Eduardo guerreava com o deputado Alexandre Frota, um ex-“leão conservador e patriótico” que virou tucano e acaba de ser convertido em hiena. Um zoológico cômico, não fosse trágico.
Tira o foco dos resultados econômicos e comerciais da viagem do presidente a países asiáticos e árabes. Ninguém mais fala de mudar a embaixada de Israel para Jerusalém e ele volta para casa com promessas de investimentos de US$ 10 bilhões só da Arábia Saudita. Uma ditadura brutal, mas isso é outra história.
Enquanto Bolsonaro e os filhos guerreiam contra as instituições, Paulo Guedes e os ministros sérios se articulam exatamente com as “hienas e abutres” da Câmara, Senado e STF, para retomar o desenvolvimento, destravar a economia, reduzir o dirigismo estatal e, em consequência, como eles esperam, gerar inclusão social.
Todo esse otimismo com um círculo virtuoso ocorre apesar dos Bolsonaro, que parecem aguardar ansiosos os dois próximos capítulos para defender autoritarismo e convocar os “leões”.
Primeiro, o fim da a prisão em segunda instância no STF, cutucando onças e leões, conservadores ou não, com vara curta. A leãozada já estará então a ponto de bala para o capítulo final: o Lula livre. Nada mais forte e eficaz para desenjaular de vez os “leões conservadores e patrióticos” do que soltar essa hiena gigante.
Ninguém jamais dirá isso no Planalto, mas para quem adora AI-5, Ustra, Pinochet e Stroessner é uma festa o STF derrubar a prisão de segunda instância e livrar Lula, criando o ambiente ideal para os leões. Nesse script, o porteiro da Barra seria o novo Márcio Moreira Alves: apenas um pretexto. Ainda bem que tudo não passa de pura ficção.
Garimpeiros deflagram guerra silenciosa em Serra Pelada, mostra Política Democrática online
Animados por Bolsonaro, exploradores de ouro apostam na legalização da atividade
Em situação ilegal, a maioria dos garimpeiros deflagra entre si uma guerra silenciosa em parte da floresta amazônica, sem qualquer precisão sobre a existência de ouro no local em que operam e sem infraestrutura que diminua o risco de desabamento dos barrancos. Outros já exploram o metal com auxílio de empresas que identificam minas por meio de imagem via satélite. É o que revela reportagem especial da nova edição da revista mensal Política Democrática online, produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), em Brasília. A matéria tem textos e fotos exclusivos.
» Acesse aqui a 12ª edição da revista Política Democrática online
A revista tem acesso gratuito pelo site da fundação. Produzida por equipe de reportagem enviada a Serra Pelada, a 50 quilômetros de Curionópolis, no Sudeste do Pará, a reportagem mostra como as recentes declarações do presidente Jair Bolsonaro (PSL) animam os garimpeiros. Ele tem repetido promessa na mesma linha da que foi feita, em 1980, pelo então presidente João Batista Figueiredo, de legalizar o garimpo.
O consenso entre diversos grupos de garimpeiros é para que Bolsonaro cumpra a promessa. No início deste mês, o presidente criticou a empresa mineradora Vale pela exploração de minérios no país e reforçou seu discurso em defesa dos garimpeiros, que veem a multinacional como uma grande barreira para exercerem a atividade, manualmente.
A reportagem conta histórias de garimpeiros que esteve em Serra Pelada, no auge da febre do ouro, em 1980, mas de onde foram embora desolados, na época, por causa da multidão de pessoas atraídas para a região. É o caso de Antônio Soares, de 69 anos, que voltou para o garimpo no Sudeste do Pará.
Antônio voltou em janeiro. Deixou a família para trás – 17 filhos em Mato Grosso, Maranhão e São Paulo, além de netos e bisnetos – para se unir aos garimpeiros. Sem equipamentos de segurança, eles passam o dia inteiro revezando picareta, cavadeira, enxada e pá. Na minguada disputa pelo ouro, só há intervalo para fazerem uma rápida refeição em fogão à lenha de tijolo, tomar água e dormir, à noite. Ninguém dá detalhes da quantidade de ouro encontrado.
A reportagem também mostra que garimpeiros de Serra Pelada reclamam que a empresa mineradora Vale atrapalha as atividades de exploração manual de ouro que eles realizam no Sudeste do Pará. Desde os anos 1970, segundo líderes locais, a multinacional avançou sobre a área que antes estava demarcada para a atividade da cooperativa. Em nota, a Vale nega e informa que não tem intenção de prejudicar os garimpeiros.
Integram o conselho editorial da revista Alberto Aggio, Caetano Araújo, Francisco Almeida, Luiz Sérgio Henriques e Maria Alice Resende de Carvalho. A direção da revista é de André Amado.
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Fernando Gabeira: Uma certa dimensão do desastre
A mancha de óleo no Nordeste vem de um oceano castigado, em rápida degradação
O desastre no Nordeste não é apenas desconcertante pelo mistério de sua origem, a imprevisibilidade da aparição do óleo. Ele encerra, espero, um ano de grandes turbulências ambientais no Brasil.
Tivemos incêndios na Amazônia, no Pantanal, no Cerrado, em importantes parques nacionais, como o da Serra do Cipó, chamado de Jardim do Brasil pelo paisagista Burle Marx. Fora do Brasil as coisas também não foram tranquilas, sobretudo com os grandes incêndios na Califórnia.
Incêndios na Amazônia, no Pantanal ou mesmo na Califórnia acontecem quase todos os anos, mas têm sido mais intensos. E em alguns lugares cai a disponibilidade de água.
Tudo indica que entramos numa era irreversível de eventos extremos. Isso num momento em que temos um governo despreparado para encarar essa dramática dimensão. E dificilmente, a julgar pela reação às manchas de óleo no Nordeste, conseguirá acompanhar o seu tempo. Bolsonaro, por exemplo, não foi ao Nordeste, não entendeu a gravidade do problema, não esboçou um gesto pessoal de solidariedade. Isso é o bê-á-bá da conduta de um presidente.
Existem vários fatores que obliteram sua visão. Um deles é entender o desastre ambiental como uma luta política. Achar um culpado à esquerda, desafiar ONGs, enfim, em vez de se preocupar com o oceano, prefere alvejar seus adversários.
Bolsonaro não percebe a riqueza e a complexidade dos oceanos. Digo isso porque o observo com atenção. Logo após a vitória na eleição de 2018, seu projeto era fundir os ministérios do Meio Ambiente e da Agricultura. A visão que tinha do meio ambiente se limitava às florestas, aos rios e às plantações. Ignorava não apenas os oceanos, como também os graves problemas ambientais das metrópoles.
Bolsonaro não apenas é incapaz de compreender os oceanos. Ele pensa em urbanizá-los. Multado por um fiscal do Ibama pescando na Estação Biológica de Tamoios, resolveu que a unidade de conservação deve acabar, pois Angra dos Reis será transformada numa Cancún com a grana da ditadura saudita. Por mais importante que seja para a pesquisa da vida marinha, Bolsonaro a vê como inútil.
Esse é o contexto de sua ausência no Nordeste. Por que, com essa bagagem cultural, iria importar-se com recifes e corais num território governado pela oposição?
O governo não apenas deixou de acionar o plano nacional de contingência para esse tipo de desastre, como se recusou a coordenar diretamente os esforços estaduais e municipais. Coordenar no nível mais alto, uma vez que a coordenação operacional até que existiu nos dois centros montados em Salvador e no Recife. O ministro do Meio Ambiente designou a Marinha como coordenadora 41 dias depois de ela estar de fato trabalhando no desastre. Se dependesse de ele acordar, seriam 41 dias perdidos.
Ele foi duas vezes ao Nordeste. Tanto em Sergipe como na Bahia, não falou com os governadores, nem mesmo com o prefeito de Salvador.
O ministro do Turismo foi ao Nordeste. Disse que uma praia estava própria para o banho sem consultar as autoridades ambientais de Pernambuco. Como se isso pudesse ser definido a olho nu.
Esse modo tosco de governar não impediu que, em algumas dimensões, a máquina tenha funcionado. O Ibama trabalhou pesado. Encontrei seus funcionários nas praias mais remotas e até trocamos informações.
A propósito disso, concluí nessas viagens que as melhores notícias vêm da sociedade. O voluntariado, que já existia no Brasil, aparece agora também como um dado irreversível, sobretudo apoiado nas redes sociais. Essa nova força é que nos pode inspirar na formulação de políticas para um tempo de mudanças climáticas. Na Universidade da Bahia um professor concebeu o sistema de coleta de óleo com redes de pescadores. Os pescadores dispuseram-se a trabalhar para evitar que o óleo chegue a Abrolhos. O Ibama liberou redes apreendidas no passado e que estavam estocadas. É uma tentativa válida.
Em Pernambuco os voluntários entregaram-se à tarefa com intensidade maior, por exemplo, do que vi na Galícia. Em compensação, lá todos estavam de macacão, luvas e óculos especiais.
Essa dificuldade parece ter sido superada pelos Guardiões do Litoral, um grupo que limpa as praias e tenta descontaminar mangues e corais. Ali estão equipados devidamente. O que não evita uma ou outra dor de cabeça, pela combinação do cheiro do óleo com o forte calor.
A conjugação dessas forças com um governo eficiente é que nos pode preparar nos tempos de aquecimento global. Talvez isso já exista no Japão. O desastre do Nordeste não tem ligação com isso. Mas acontece num oceano castigado, em rápida degradação. Aliás, a importância da proteção marinha já havia subido ao topo da agenda na Conferência Rio+20.
Esse governo é incapaz de encarar a tarefa que tem pela frente. Sua eficiência depende da articulação com a sociedade. O ministro do Meio Ambiente, que deveria manter uma relação direta com o voluntariado, passando informações, agradecendo aquele esforço, preferiu brigar com o Greenpeace, sugerindo que um barco da organização derramou o óleo. As pessoas retirando óleo das praias e ele produzindo fake news.
É um universo paralelo que duvida do aquecimento, desconfia que a organização social, com sua visão crítica do governo, seja um celeiro de marxistas. Aliás, por falar no velho Marx, ele dizia que a humanidade não se coloca um problema que não possa resolver. Ele não contava com transformações climáticas, escassez de recursos hídricos, enfim, com todas essas consequências da produção.
Se depender de certos humanos, como Bolsonaro e seu ministro, teríamos mais que um problema sem solução. Teremos algo que nos vai engolir e arruinar. Somos um grande país? Dinossauros também eram grandes. Apenas não souberam se adaptar.
Marco Aurélio Nogueira: Longe da democracia e do Brasil real
O elogio do endurecimento político, da ditadura e do passado autoritário serve para que Eduardo Bolsonaro agrida a Constituição e ataque a esquerda, sem definir do que está falando
Dado o histórico dos expoentes do bolsonarismo, não chegam a surpreender as declarações do deputado Eduardo Bolsonaro divulgadas na manhã desta quinta-feira, dia 31. Mas elas são espantosas e estão causando profundo mal-estar e ruído na política nacional.
Até semanas atrás, o deputado era candidato a representar o Estado brasileiro em Washington. Posava de estadista, de alguém talhado para se movimentar no xadrez internacional, atividade que, para ele e para seu pai, não requer maior preparo ou experiência. De modo recorrente, ele exibe despreparo e falta de temperança, distanciando-se ostensivamente da figura de estadista, que ele traduz de forma invertida: em vez de falar pelo Estado, porta-se como alto-falante de um nicho ideológico fanatizado e cego para a complexidade do mundo.
Ao dizer que tem informações de que as manifestações no Chile estão vinculadas ao “Foro de São Paulo” e podem ter sido financiadas por dinheiro desviado do BNDES, o deputado se intromete indevidamente nos negócios chilenos, além de acender uma fogueira dentro do Brasil. Esbofeteia parte expressiva dos cidadãos brasileiros.
“Estarrecedoras”, “repugnantes” e “irresponsáveis” foram os adjetivos mais suaves empregados pelas inúmeras pessoas (militares, parlamentares, juristas, sociedade civil) que repudiaram as declarações do deputado. O pai presidente disse que o filho estava “sonhando” e lamentou que tenha falado o que falou. Pouquíssimos o defenderam. Muitos pediram sua cassação.
Eduardo nem sequer se preocupou com a Constituição e a verdade dos fatos. Dispara sua verborragia com enorme desfaçatez. Para ele, havendo manifestações de rua como as que estão a sacudir o Chile, o tratamento terá de ser policial, duro, violento. “Se a esquerda radicalizar a esse ponto, vamos precisar dar uma resposta. E essa resposta pode ser via um novo AI-5, pode ser via uma legislação aprovada via plebiscito, como ocorreu na Itália. Alguma resposta vai ter que ser dada”, afirmou.
O deputado talvez não saiba, mas a “resposta italiana” a que se refere ocorreu durante o fascismo, em 1929, quando as eleições foram substituídas por plebiscitos, nos quais o povo dizia sim ou não a uma lista de candidatos escolhida pelo Grande Conselho Fascista.
Quanto ao AI-5, ele com certeza está bem informado, pois as medidas de exceção, o autoritarismo e o desrespeito às garantias constitucionais são objetos de desejo do bolsonarismo. Editado em dezembro de 1968, o Ato Institucional nº 5 revogou direitos fundamentais e delegou ao presidente da República o poder de cassar mandatos de parlamentares, intervir nos municípios e Estados. O Ato suspendeu princípios importantes, como o habeas corpus, e restringiu dramaticamente as liberdades. A partir dele, a violência, a censura, o arbítrio e a repressão aumentaram.
A apologia do endurecimento político, o elogio à ditadura e ao passado autoritário, serviu para que o deputado atacasse, com veemência e desprezo, a esquerda: “A gente, em algum momento, tem que encarar de frente isso daí. Vai chegar um momento em que a situação será igual ao final dos anos 1960 no Brasil, quando sequestravam aeronaves, quando executavam, sequestravam grandes autoridade como cônsules, embaixadores, execução de policiais, de militares”, disse. “É uma guerra assimétrica, não uma guerra onde você está vendo seu inimigo do outro lado e você tem que aniquilá-lo, como acontece nas guerras militares. É um inimigo interno, de difícil identificação aqui dentro do País. Espero que não chegue a esse ponto, mas a gente tem que estar atento.”
De uma só tacada, Eduardo Bolsonaro provocou, agrediu e exibiu ignorância. Falou de “esquerda”, “radicalização”, “inimigos internos” e “guerra assimétrica” sem se preocupar em definir do que está precisamente falando. E sem se importar em pagar de autoritário, de adversário da Constituição e da democracia.
É a cara de um Brasil mitificado e perverso, que o bolsonarismo insiste em recuperar. Um Brasil que não é dos brasileiros, mas de um segmento assentado no ódio, na violência, na mesquinharia. E que, ciente de seu isolamento, esbraveja e esperneia, jogando no lixo a racionalidade, o equilíbrio, a serenidade.
Henrique Herkenhoff: Crime organizado e estratégia
Há muito tempo as organizações criminosas brasileiras adotam claramente táticas de guerrilha
Na verdade, embora não tenham realmente a intenção de derrubar governos ou declarar independência de algum território, são claramente insurgências armadas, diferentes do Talibã nas concepções filosóficas e nos objetivos, mas não em suas estratégias e dinâmicas internas. Em tais situações, em que predomina a complexidade e a imprevisibilidade dos desdobramentos, devemos recorrer a ações indiretas (John Kay, 2011) que aparentemente constituem contrassensos, mas são as únicas capazes de funcionar.
À primeira vista, quanto mais criminosos presos – ou, de preferência, mortos – pela polícia, melhor, mas é exatamente o oposto: tanto criminosos quanto insurgentes têm amigos e parentes; a cada adversário morto, surgem muitos outros (The Operators, de Michael Hastings, ou sua versão cinematográfica, War Machine).
Insurgentes se encontram imersos em uma população com diferentes posicionamentos: colaboradora, simpatizante, neutra ou tendente a apoiar as forças legalistas, o establishment. Tanto as forças legalistas quanto as insurgentes devem se esforçar por angariar o máximo de apoio e, principalmente não empurrá-la para os braços dos adversários. Essas pessoas tendem a aceitar como natural a morte de insurgentes em um combate limpo, especialmente se foi deles a iniciativa, mas reprovam as que parecerem injustificadas e, principalmente, as de inocentes.
Operações desastradas, com muitas vítimas civis, têm efeito oposto ao desejado. A proporção em que a população apoia à insurreição é um contrabalanço entre e os custos e riscos dessa adesão e a raiva que sente pela violência mal calculada. Por isso, as forças regulares devem empregar principalmente operações “stick”, bastante pontuais, apoiadas por inteligência prévia, com o mínimo possível de danos colaterais, combinadas com “operações cenoura”, oferecendo assistência médica, alimentação e infraestrutura para a população. Estudos com simulações matemáticas (http://jasss.soc.surrey.ac.uk/20/4/11.html) deixam claro que a oferta de serviços sociais, ainda que escassa, pode ser de muita valia no apoio a ações “cirúrgicas” contra os insurgentes, mas não é capaz, por mais generosa que seja, de compensar atuações brutais.
Portanto, embora aparentemente isso contrarie o bom senso, a melhor maneira de combater facções criminosas não é matar ou prender aleatoriamente o maior número possível de seus integrantes, mas anular um pequeno porém matematicamente escolhido grupo cujas ligações (não necessariamente sua importância na hierarquia) sejam essenciais ao funcionamento da organização, pois elas se estruturam exatamente como estudado pela Ciência de Redes. Você pode desarticular uma facção suprimindo apenas 2% dela (https://appliednetsci.springeropen.com/articles/10.1007/s41109-018-0092-1), desde que criteriosamente escolhidos, ao passo que abatê-los a esmo só a fará crescer e se fortalecer.
Há doutrina militar já bastante consolidada para a contrainsurgência, contraterrorismo e antiguerrrilha; elas podem e devem ser adaptadas para o enfrentamento das facções criminosas. A insistência nas ações diretas pode agradar a uma parcela da população, que se regozija em acompanhar execuções pela imprensa, mas foram elas as responsáveis por criar esse clima de guerra civil em grande parte do território brasileiro.
*Henrique Geaquinto Herkenhoff é professor do mestrado em Segurança Pública da UVV. Foi Secretário de Segurança do Espírito Santo, Desembargador Federal (TRF/3) e Procurador e Procurador Regional da República*
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