Day: outubro 25, 2019

Promessa de Bolsonaro movimenta garimpos em Serra Pelada, destaca nova edição da Política Democrática

Região vive à míngua do ouro, ao contrário do que viveu há 40 anos, quando passou a ser conhecida como o maior garimpo a céu aberto do mundo

A promessa do presidente Jair Bolsonaro reacende uma nova onda em busca do ouro em Serra Pelada, no Sudeste do Pará, conforme revela a primeira reportagem da série Sonho Dourado: 40 anos depois, publicada em destaque na 12ª edição da revista Política Democrática online. A publicação foi lançada, nesta sexta-feira (25), e também leva ao público artigos do presidente do Cidadania, Roberto Freire, e do ministro aposentado do STF (Supremo Tribunal Federal), Eros Grau. A revista é produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), vinculada ao Cidadania e que a disponibiliza ao público gratuitamente em seu site.

A equipe de reportagem viajou a Serra Pelada para mostrar o tortuoso caminho em busca do ouro, mostrando que Bolsonaro repete uma promessa de legalização dos garimpos nos mesmos moldes da que foi feita, em 12 de novembro de 1980, pelo então presidente João Batista Figueiredo, em viagem à região. Além disso, a reportagem também mostra detalhes de uma guerra silenciosa entre garimpeiros e de uma batalha aberta por todos eles contra a mineradora Vale. Há 40 anos, teve início a corrida do ouro em Serra Pelada, que foi considerado o maior garimpo a céu aberto do mundo.

» Acesse aqui a 12ª edição da revista Política Democrática online

No editorial, a revista analisa que, após a sua posse de Bolsonaro, difundiu-se a esperança de uma iminente mudança radical no discurso dele e de seus colaboradores mais próximos. “Os motes da campanha teriam sido úteis para obter a vitória”, diz um trecho, para continuar: “Ganha a eleição, não persistiriam razões para manter a racionalidade longe das palavras do Presidente. Os fatos, contudo, mostraram rapidamente a irrelevância dessas formulações, reveladoras apenas dos desejos de seus autores”.

A nova edição da Política Democrática também tem uma entrevista exclusiva com o diretor executivo do Canal Arte 1, do Grupo Bandeirantes de Comunicação.  Ele diz que “a cultura não deveria estar em um ministério à parte”. “Deveria funcionar dentro do Ministério da Educação, para que se pudesse fazer um trabalho de base, junto às escolas, à garotada, isto é, de forma que pudesse ter um processo realmente na base da pirâmide”, afirma.

Em artigo de sua autoria, Eros Grau relembra a amizade e um pouco da história de Armênio Guedes, o irmão mais velho, como ele o chamava. “Lá se foi o corpo de Armênio. A esperança refletida no fundo de seus olhos serenos resta entre nós. Iluminando os caminhos a serem experimentados pelos amigos que ainda cá estão. Um dia por certo nos reencontraremos na cidade de férias, férias boas que não acabam mais”, conta, em um trecho.

Já Roberto Freire destaca que o Cidadania quer ser protagonista de uma nova jornada, com um horizonte para se transformar em importante referência de centro-esquerda e contribuir de forma positiva para a democracia brasileira e o desenvolvimento do país. “Além das dimensões políticas e programáticas, o Cidadania tem por vocação a criação de uma nova formação política, longe dos modelos centralizados e verticalizados, totalizantes”, diz o presidente do partido.

A edição também tem outros artigos sobre política, além de abordar cultura e análises de filmes, como Bacurau. Integram o conselho editorial da revista Alberto Aggio, Caetano Araújo, Francisco Almeida, Luiz Sérgio Henriques e Maria Alice Resende de Carvalho.


‘Turistas querem estar o tempo todo conectados’, afirma representante do Ministério do Turismo

Bárbara Blaudt Rangel compareceu ao seminário realizado pela FAP e pelo Cidadania, em Brasília

“Os turistas evoluíram e querem estar o tempo todo conectados”. A afirmação é da representante da Coordenação Geral de Meio Ambiente, Cultura e Economia Criativa do Ministério do Turismo, Bárbara Blaudt Rangel. Ela ministrou, nesta sexta-feira (25), em Brasília, conferência sobre turismo inteligente, durante o seminário Cidades Inteligentes: o uso da economia criativa e do turismo como ferramentas do desenvolvimento.

O evento é realizado, pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira) e pelo partido, para possíveis pré-candidatos a prefeitos pela sigla. Em sua apresentação, Bárbara explicou que o destino turístico inteligente esboça um modelo turístico que incorpora a experiência adquirida em anos de desenvolvimento turístico capaz de vencer os desafios exigidos pelo ambiente e dinâmica atuais.
A origem do conceito de destino turístico inteligente surgiu em 2012 na Catalunha. Ela mostrou que um destino inteligente é um destino turístico inovador, consolidado sobre uma infraestrutura tecnológica de vanguarda que garanta o desenvolvimento sustentável do território turístico, acessível a todos, que facilita a interação e integração do visitante com o meio, incrementa a qualidade de sua experiência no destino e melhor a qualidade de vida dos residentes.

Bárbara pontuou que destino turístico inteligente deve ter cinco eixos: governança, inovação, tecnologia, sustentabilidade e acessibilidade. Conforme ela expôs, esse modelo procura atender aos anseios tecnológicos dos turistas, facilitando sua interação com o ambiente e tornando as experiências cada vez mais dinâmicas e adaptáveis aos cenários tecnológicos em que o mundo se encontra.

A especialista também abordou a diferença entre turismo criativo e turismo de experiência. No primeiro caso, o turista participa ativamente da experiência proporcionada, criando de novo com a comunidade local o que está sendo vivenciado (produtos e serviços). Neste caso, ele faz uma conexão e participa ativamente na arte, cultura, gastronomia, dança ou em qualquer ativo peculiar de uma localidade.

Já o turismo de experiência favorece menos interação com a cultura local, já que, neste caso, segundo Bárbara, o turista assiste, interage e testemunha, mas não participa do resultado final do produto criado.

Coordenador do seminário, o secretário de Turismo de Fortaleza (CE), Alexandre Pereira, disse que o turista vai viajar para o local onde houver gente feliz. “O maior divulgador do destino é o próprio morador da cidade”, destacou ele, ao fazer os contrapontos da mesa.

A ex-deputada federal Pollyana Gama disse que o turismo deve considerar, essencialmente, a sustentabilidade do meio ambiente. Segundo ela, metade do gasto com o lixo o ano todo é relacionado ao período de alta temporada. “Quando a gente olha para a reforma tributária e revisão do pacto federativo, a gente precisa olhar mais para os municípios em termos de infraestrutura”, destacou. O consultor jurídico do Senado e conselheiro da FAP Arlindo Fernandes foi o mediador da mesa.

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Brasil não conseguiu transformar criatividade em produto, diz Mauro Oddo, do Ipea

Pesquisador ministrou palestra sobre economia criativa em seminário realizado, em Brasília

O Brasil ainda não conseguiu transformar criatividade em produto, na avaliação do pesquisador do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) Mauro Oddo. Ele ministrou, nesta sexta-feira (25), palestra sobre economia criativa, durante o seminário Cidades Inteligentes: o uso da economia criativa e do turismo como ferramentas do desenvolvimento, em Brasília. “O maior exemplo de economia criativa no Brasil é o carnaval”.

Direcionado a possíveis pré-candidatos a prefeitos, o evento é realizado pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira) e pelo Cidadania, ao qual é vinculada. Ele apresentou conceito de Andrea Matarazzo, segundo a qual “o que move a economia criativa é a inovação como matéria prima, portanto, o processo de criação é tão importante quanto o produto final, ou seja, uma cadeia produtiva baseada no conhecimento e capaz de produzir riqueza, gerar empregos e distribuir renda”.

Segundo o Mapeamento da Indústria Criativa no Brasil, em 2017, a economia criativa no país envolvia 245 mil estabelecimentos e 837,2 mil trabalhadores. O levantamento foi feito pela Firjan e pelo Senai. Em 2015, segundo o Ipea, a atividade representava 2,75 milhões de trabalhadores, o que correspondia a 3% da população ocupada. Por outro lado, equivalia a 6% da massa salarial.

Para produzir economia criativa, segundo Oddo, é preciso de um ambiente de cooperação e compartilhamento. “O uso econômico desse conhecimento é um privilégio do criador dele por meio dos instrumentos de sua proteção desse conhecimento, como patente”, afirma. “Existe um debate se a propriedade estimula ou inibe a economia criativa”, acrescenta ele, que também é administrador e engenheiro.

No Brasil, o maior exemplo de economia criativa é o carnaval, já que, segundo o pesquisador, no caso do Rio de Janeiro, envolve diversas relações de cooperação e voluntariado em escola de samba para o carnaval acontecer. “Tem desde a multinacional, absolutamente formal, ao trabalho sem carteira assinada e voluntário. Isso tudo produz desfile de escola de samba das escolas do Rio de Janeiro. Isso é a ideia de economia criativa brasileira e a gente tem de refletir sobre ela”, afirma Oddo, pontuando a característica de semiformalidade da festa.

A doutora da Rede Nacional da Economia Criativa Claudia Leitão, ex-secretária de Cultura do Ceará e que fez os contrapontos da mesa, diz que a economia criativa ainda não existe no Brasil. “A ideia da economia criativa pode ser muito interessante para a gente qualificar o desenvolvimento brasileiro”, destacou ela.

“A gente precisa parar para pensar em modelos de desenvolvimento. A gente tem que pensar em qual modelo de desenvolvimento gostaríamos de construir para as nossas cidades”, afirmou Cláudia. “Nesse momento, a indústria tradicional está produzindo pouco e menos riqueza. A gente precisa ensinar para o novo”, sugeriu.

Segundo a especialista, é preciso pensar cada vez mais as cidades. Ela afirmou que as cidades não estão mais preocupadas com os Estados e a União. “Em tempos difíceis, as cidades ganham uma estatura cada vez maior [para fazer parceiras], inclusive lá fora. É importante pensar as cidades com autonomia e que o federalismo dá. A economia criativa pode ser tratada como insumo muito interessante entre cidades do mundo todo”, avalia.

O deputado Federal Marcelo Calero (Cidadania23-RJ) fez os comentários da mesa e diz que a população está ansiosa por ter posicionamento justamente nesse sentido da economia criativa.O sociólogo e professor Elimar Nascimento fez a mediação da mesa.

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Elena Landau: Enxugando gelo

Privatizar demanda esforços, vai além da articulação política no Congresso

Relatório recente divulgado pelo Ministério da Economia traz em números o que já desconfiávamos: o Estado brasileiro tem o dom da ubiquidade. São 637 participações diretas ou indiretas da União, em todo tipo de atividade econômica.

Os números oficiais divulgados anteriormente não incluíam participações minoritárias da União, nem de suas empresas e, por isso, davam a impressão que havia “apenas” 134 estatais no País. Pela fotografia exposta nesse relatório, é possível avaliar o tamanho do desafio para reduzir radicalmente a presença do Estado na economia. Chega a ser desanimador. Mas há solução.

Já escrevi neste espaço, e em antigas colunas, que a presença do Estado na atividade econômica deve seguir estritamente o que diz a Constituição em seu artigo 173: só se justifica em casos imperativos à segurança nacional ou de relevante interesse coletivo. Podemos contar nos dedos as estatais que cumprem essas exigências. Minha sugestão é incluir todas empresas no programa de desestatização, o PPI, de uma vez só, invertendo o ônus da prova – o Legislativo deve justificar a necessidade de uma estatal existir, de forma bem definida em lei, em lugar do Executivo ter que explicar, caso a caso, a razão da desestatização.

Muito se reclama das rígidas normas do PPI, mas se não houver o empenho do governo em privatizar, não adianta nem discutir novos procedimentos. O secretário de desestatização diz que nunca antes na história deste país tivemos um presidente absolutamente a favor das privatizações como o atual. Se o presidente Jair Bolsonaro fosse de fato privatizante, já teria enviado ao Congresso o pedido de autorização para a venda da Petrobrás, Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal. O BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) já poderia ter terceirizado a operação de desinvestimentos do BNDESPar. Somando a já anunciada capitalização da Eletrobrás teríamos, de uma só vez, 504 empresas – 85% do total – na lista do que o governo teria intenção de vender. Nada disso precisa de emenda constitucional, basta um projeto de lei. E não há justificativa para a ausência no PPI de dezenas de empresas que sequer dependem autorização legislativa para serem vendidas ou liquidadas.

O que falta é a decisão do Executivo. A aprovação no Congresso é um segundo passo. Reformas e privatizações são sempre difíceis de passar porque afetam interesses de grupos muito bem articulados, entre eles os próprios parlamentares. A dificuldade faz parte. O fato é que são só 17 empresas listadas para venda e, boa parte delas, desde o governo Temer. Isso depois de 10 meses de poder de um governo que prometeu arrecadar R$ 1 trilhão com privatização. Fala-se demais e pouco se faz.

Privatizar demanda esforços de todo governo. Vai além da articulação política no Congresso. Deve haver o envolvimento das empresas e funcionários, assim como boas práticas de governança. Por divergências dentro do próprio BNDES nem uma simples operação de venda do excedente de ações do Banco do Brasil foi concluída. E pior, na sequência, Montezano, o presidente do banco, anunciou uma redução no ritmo de desinvestimentos.

Em setembro foi criada por lei uma nova estatal, a NAV Brasil, supostamente necessária para a reestruturação e futura privatização da Infraero, que sequer está na lista dos ativos a serem vendidos. É mais provável que fiquem as duas na mão do Estado. O relator da matéria foi Flávio Bolsonaro. Só acredita no fervor privatizante do presidente quem não tem outra escolha.

A sociedade precisa saber o objetivo da privatização e o destino dos recursos. O discurso oficial é que vão reduzir a dívida pública. O total arrecadado é de R$ 96 bilhões, incluindo concessões e campos de petróleo. Um terço veio da venda da TAG, indo direto para o caixa da Petrobrás, e apenas R$ 6 bilhões chegaram no Tesouro. A venda de subsidiárias não é a melhor opção do ponto de vista fiscal. É parte da reestruturação de uma empresa, e não uma reforma do Estado. Amanhã podem ser recriadas. O exemplo da Telebrás mostra que é bom cortar o mal pela raiz. Ressuscitada no governo Lula, voltou para a lista de privatização depois de dar prejuízos bilionários.

As etapas da desestatização são complexas, e independem do tamanho ou relevância da estatal. É mais um motivo para vender a empresa mãe. Juntas, dezenas de empresas subsidiárias, coligadas e participações seriam privatizadas numa única operação. Parece politicamente mais difícil e exigiria esforço concentrado do governo. Assim foram vendidas no passado. A operação no varejo pode parecer mais simples à primeira vista, mas a resistência política existe sempre e se revela em cada venda. O fato de nem Valec, nem EBC estarem na lista do PPI é revelador.

Se nada mudar, o governo vai continuar enxugando gelo.

*Economista e advogada


Vera Magalhães: Com voto de Rosa, STF está prestes a rever prisão em 2ª instância

Ministra disse que a Constituição é taxativa ao definir que a presunção de inocência vale até o trânsito final em julgado

Rosa de Minerva. O voto da ministra era aguardado como o grande definidor da controversa, intrincada e novelesca questão do momento do cumprimento da pena de prisão no País. Isso porque, embora sempre tenha votado, no mérito, pela prisão após o trânsito final em julgado, nas últimas análises de casos concretos, como o habeas corpus de Lula em 2018, ela votara no sentido de acompanhar a maioria do colegiado e pela necessidade de se respeitar uma jurisprudência recém-firmada.

Senta que lá vem voto. A ministra se estendeu. Fez um voto pormenorizado, de mais de uma hora e meia, traçou uma cronologia na questão da segunda instância no STF voltando muitas décadas, falou da mais recente mudança de tese, a partir de um voto de Teori Zavascki, e lembrou da distinção que fez entre o julgamento de mérito e dos casos concretos.

Sem interpretação. Por fim, a ministra votou no sentido de que não há interpretação possível neste caso, porque a Constituição explicita o momento do cumprimento da pena. Afirmou que não cabem comparações com outros países, justamente porque nos ordenamentos jurídicos desses países a presunção da inocência não tem a mesma extensão do Brasil. Ela mostrou reconhecer o desejo da sociedade por efetividade da Justiça e fim da impunidade, mas afirmou que a Corte constitucional não pode ignorar a lei e a Carta para fazer a vontade da sociedade.

Com Toffoli. Diante do voto de Rosa, a decisão deverá ficar para o voto de desempate do presidente do STF, Dias Toffoli. Ele deverá decidir pelo trânsito final em julgado, como já se manifestou anteriormente. Resta saber se proporá uma saída intermediária, como já ensaiou no passado, pela qual a prisão se daria após o recurso especial ao STJ - algo que não conta com a simpatia do restante da Corte.

Com o Congresso. Diante da probabilidade de a prisão após segunda instância cair, deve começar uma campanha de movimentos de combate à corrupção para que o Congresso mude a Constituição para fixar a regra. Mas trata-se de uma pauta que não encontra adesão dos políticos, como se sabe.

Sai todo mundo? O STF deve decidir, ao proclamar o resultado do julgamento, o que só ocorrerá daqui a duas semanas, a forma de execução da decisão. O relator Marco Aurélio Mello defendeu um habeas corpus de ofício soltando todo mundo (algo que chegou a fazer por liminar, depois cassada por Toffoli, num recesso do Judiciário). Os demais ministros devem tentar aprovar uma saída mais gradual.


Bruno Boghossian: Mundo político refaz as contas com possível libertação de Lula

Dirigentes partidários temem que discurso de centro seja engolido por radicalização

Os caminhos que se abrem no Supremo para uma possível libertação de Lula acordaram até os políticos mais céticos em relação ao retorno do petista às ruas. Eles sabem que o ex-presidente ainda depende de um conjunto de decisões judiciais para recuperar e manter o direito de ser candidato, mas é consenso que o jogo partidário e eleitoral mudará consideravelmente.

Ainda que não possa voltar às urnas, o petista terá papel de relevo numa esquerda combalida. Na ponta direita furiosa e no desmilinguido centro político, também já existe gente refazendo as contas.

Uma eventual vitória de Lula nos tribunais deve dar fôlego à turma do PT que sustentou a campanha obstinada por sua libertação. Liderada por Gleisi Hoffmann, presidente da sigla, essa ala manteve o discurso quase como bandeira única e, agora, está disposta a colher os frutos.

Os adeptos da doutrina Lula Livre guardam mágoa de aliados que não trataram a defesa do petista como prioridade. Se o ex-presidente estiver disposto a buscar protagonismo num campo de esquerda ainda esvaziado, pode reeditar o choque interno que acabou isolando personagens como Ciro Gomes em 2018.

Na outra ponta do espectro, a direita bolsonarista não consegue disfarçar a satisfação de ver Lula nas ruas novamente.

Encarcerado e tratado como uma ameaça, ele rendeu impulso a Jair Bolsonaro para chegar ao Planalto. De volta ao jogo político, ajudará a aglutinar o eleitorado antipetista de modo contínuo.

A expectativa de reedição dessa polarização causa pânico a grupos políticos que buscaram o centro na última campanha presidencial e fracassaram. Para eles, se Lula e Bolsonaro se encontrarem como antípodas, não sobrará mais espaço.

Quem aposta em Luciano Huck, por exemplo, acha que o global, com jeito de bom moço, pode ser engolido num ambiente radicalizado. Restaria a João Doria gritar bordões antipetistas com mais vigor que Bolsonaro --embora muitos dirigentes duvidem que isso seja possível.


Vinicius Torres Freire: Bolsonaristas denunciam bolsonarismo

Novo caso Queiroz leva mais gente do PSL a sugerir que há podres no governismo

Desde que começou o furdunço no PSL, bolsonaristas engrossam a lista de denúncias contra o bolsonarismo. É constrangedor dizer tal obviedade. O assunto é do conhecimento de qualquer leitor de jornais, mas as elites fazem cara de paisagem diante do monte crescente de bodes mortos na sala.

Sendo sarcástica, a gente pode dizer que se trata de um tipo novo do crime de ocultação de cadáver. Em vez de desaparecer com o morto, as pessoas ensaiam uma cegueira quando veem a carcaça do bicho.

Vão desver também o novo caso Queiroz? Fabrício Queiroz foi flagrado a discutir nomeações no Congresso e os meios de ganhar “20 continho aí” com essa mumunha, como revelou o jornal O Globo.

Por enquanto, não é possível saber se Queiroz era só garganta ou se de fato traficava influência. Mas tem gente com conhecimento de causa. Ao saber da história dos “20 continho”, o deputado federal Delegado Waldir (PSL-GO) aproveitou a oportunidade para cumprir um tico da sua promessa de “implodir” Bolsonaro.

Waldir era líder do PSL na Câmara. Caiu em desgraça no bunker presidencial, foi frito por Bolsonaro e perdeu o filé mignon da liderança para Eduardo, o filho 03. Ao saber dos “20 continho” de Queiroz, o deputado observou:

1) “em nenhum momento, a rachadinha parou”; “Queiroz continua operando”;

2) “ao fingir que a corrupção não ocorre, é visível que ele [Bolsonaro] se afastou das propostas de campanha, e nossa ala [do PSL] não aceita isso, ao contrário da ala bolsonarista”.

Queiroz, como bem se sabe, foi assessor de Flávio Bolsonaro na Assembleia Legislativa do Rio e amigão de Jair Bolsonaro por muitos anos. É acusado de gerenciar o esquema de rachadinhas no gabinete estadual do filho 01 e fazia um meio de campo da agora família presidencial com famílias milicianas.

Delegado Waldir prometeu “implodir” Bolsonaro quando explodiu o salseiro do PSL, que teve origem na série de reportagens desta Folha sobre o laranjal do partido na campanha de 2018. Por falar nisso,
a deputada federal Soraya Manato (PSL-ES) disse em plenário que o PSL teve candidatos laranja, como “em tudo que é partido”.

Ainda nessa refrega, a deputada Joice Hasselmann (PSL-SP) também foi degolada. Em um arranca-rabo com os filhos do capitão pelas redes insociáveis, disse saber “o que eles fizeram no verão passado”, além de acusar a filhocracia de manter um esquema clandestino de propaganda e difamação digital, talvez no próprio Planalto.

Do outro lado do balcão pesselista, pró-Bolsonaros, o deputado federal Daniel Silveira (PSL-RJ) escreveu a colegas do partido que teria “muita coisa” para “ferrar”, digamos, o Parlamento; que iria “bagunçar o coreto de todo mundo” e “sacudir o Brasil”. Silveira procurava assim se defender de uma ameaça de cassação por ter grampeado uma reunião de amotinados do PSL.

“Garanto que não estão acostumados com alguém como eu”, arrematou, com realismo autorreflexivo. Mas o que teria a dizer esse “alguém como eu”? Saberá Deus, mas Silveira fez campanha vilipendiando a memória de Marielle Franco. Do alto de um palanque, quebrou uma placa com o nome da vereadora assassinada, provavelmente por milicianos próximos daqueles amigos do Queiroz.

Com Queiroz o círculo parece se fechar, mas o circo de aberrações na verdade está com as portas abertas: “o espetáculo começa quando você chega”.

Polícia, procuradores, parlamentares, alguém vai?


Míriam Leitão: O desafio dos próximos passos

Governo encontrou propostas maduras e o campo lavrado na Previdência. Precisará de mais estratégia e foco para seguir com a pauta econômica

Nas reformas econômicas que se seguem à da Previdência há vários problemas. O mais grave deles é o fato de que as ideias têm sido apresentadas de maneira desorganizada e sem projetos concretos. Sobre essas novas frentes de mudanças, não há o mesmo grau de amadurecimento do debate que havia na alteração das pensões e aposentadorias. A reforma da Previdência veio sendo discutida nos últimos anos dentro e fora do governo, principalmente na administração Michel Temer.

A reforma não era fácil fazer. Mas foi feita porque seguiu um roteiro. O governo apresentou a proposta, enviou-a ao Congresso e a partir daí começou a análise do projeto. Forças políticas não governistas se dispuseram a defendê-la. Nos últimos anos, principalmente no governo Temer, a ideia de que era preciso corrigir as injustiças do sistema foi muito debatida. Com dados e evidências, especialistas foram mostrando que os mais pobres aposentavam-se mais tarde do que os mais ricos, exatamente pela falta da idade mínima. Esse debate derrotou a tese estranha que negava a existência do deficit previdenciário. Conceitos foram sendo amadurecidos na sociedade. Grupos de economistas elaboraram projetos. E há mais de 20 anos o assunto está na pauta nacional. O governo Bolsonaro encontrou propostas maduras e o campo lavrado. Isso não quer dizer que tenha sido fácil, claro. A equipe do Ministério da Economia dedicou-se ao esforço de formulação inicialmente e, depois, de negociação e convencimento. Nesse meio tempo, o presidente Bolsonaro demitiu dois ministros que cuidavam da articulação política — Gustavo Bebianno e general Santos Cruz — criou várias crises com o Congresso, disparou suas frases ofensivas contra os partidos em geral, e, por fim, explodiu uma bomba dentro do seu próprio partido, imiscuindo-se do Planalto numa escolha de líder de bancada para favorecer o filho. Apesar da balbúrdia, sem precedentes, o projeto foi aprovado pela soma dos fatores favoráveis.

O Ministério da Economia não encontrará a mesma acolhida para os seus outros projetos que têm sido anunciados de forma caótica e sem concretude. O ministro Paulo Guedes fala de várias das suas ideias ao mesmo tempo. Só que elas não são ainda projeto. Tem repetido como um mantra que quer “desindexar, desobrigar e desvincular” o Orçamento. Nunca explicou de que forma isso será proposto. Além disso, defende uma reforma administrativa, com o objetivo de reduzir os gastos de pessoal, que incluiria até um shutdown, ou seja, um fechamento, dos governos estaduais e municipais em caso de emergência fiscal. Quer criar uma nova forma de contratar trabalhadores com menos encargos trabalhistas. Há ainda a reforma tributária, mas dela sabe-se pouco porque as duas propostas que estão no Congresso foram de iniciativa do legislativo e cuidam apenas de alguns impostos indiretos dos três níveis da administração. Não há proposta do governo federal para reformar a estrutura geral dos tributos. O Ministério da Economia defende também a existência de gatilhos nos gastos públicos, para reorganizar as despesas, e abrir espaço para cumprir a regra de ouro. Sobre o assunto, já há um projeto na Câmara apresentado pelo deputado Pedro Paulo (DEM-RJ). Isso sem falar de intenções que surgem e somem do noticiário com a mesma rapidez. Quem acompanha tudo isso acha que o governo está atirando para todos os lados, com ideias ainda não organizadas, e atropelando possíveis aliados.

Há um caminho a ser seguido se o governo quiser ter êxito em novas reformas econômicas. Mas o primeiríssimo passo é: ele precisa saber exatamente o que quer e com que ordem de prioridade as reformas serão apresentadas ao Congresso Nacional.

O Brasil precisa avançar na organização das contas públicas para recuperar a capacidade de investir, sobre isso há consenso. Mas não se sabe de que forma, cortando de onde, com que ordem de prioridade, através de que projetos. Amontoar ideias de forma improvisada não é ter um programa econômico. E se a estratégia for abrir tantas frentes de trabalho ao mesmo tempo, iniciar vários debates polêmicos simultaneamente, o mínimo que se pode imaginar é que o governo tenha base política estável. Essa administração não tem relação estável nem com seu próprio partido.


Bernardo Mello Franco: Criticado, Ricardo Salles imita o chefe para continuar no governo

Criticado pela gestão desastrosa, Ricardo Salles imita o chefe para se manter no governo. Agora ele tenta acusar uma ONG pelo derrame de óleo na costa do Nordeste

Ricardo Salles é um provocador fantasiado de ministro do Meio Ambiente. No ano passado, ele tentou se eleger deputado pelo Partido Novo, com apoio de ruralistas e fabricantes de armas. Na propaganda, exibiu balas de fuzil como solução contra a “praga do javali”, a “bandidagem no campo” e “a esquerda e o MST”. Foi derrotado nas urnas, mas ganhou um cargo no governo.

Ao tomar posse, o ministro já havia sido condenado por fraude ambiental em São Paulo. Pouco depois, descobriu-se que ele também falsificava diplomas. Assinou artigo como mestre na Universidade Yale, onde nunca estudou.

Na Esplanada, Salles manteve o hábito de semear o confronto. Já bateu boca com ambientalistas, cientistas do Inpe, servidores do Ibama e deputados da oposição. Ganhou o apelido de antiministro e virou alvo de um inédito pedido de impeachment.

Enquanto ele fabricava polêmicas, o país passou por três emergências ambientais: o rompimento da barragem de Brumadinho, a onda de queimadas na Amazônia e o derrame de óleo no litoral do Nordeste.

Nos últimos dias, Salles elegeu um novo alvo: o Greenpeace, que tem organizado protestos contra o governo. Na segunda-feira, ele divulgou um vídeo editado para acusar a entidade de não colaborar na limpeza das praias. Depois chamou de “terroristas” manifestantes que fizeram um ato pacífico em Brasília.

Ontem o ministro tuitou que um navio da ONG estaria próximo ao litoral brasileiro “bem na época do derramamento de óleo venezuelano”. “Tem umas coincidências na vida né...”, insinuou. Ele ilustrou a mensagem com uma foto antiga, dando a entender que seria um flagrante atual. O truque lhe rendeu uma bronca do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, que cobrou explicações e reclamou da “ilação desnecessária”.

Criticado pela gestão desastrosa, Salles imita o estilo do chefe para se agarrar à cadeira. No auge das queimadas na Amazônia, o presidente Jair Bolsonaro sugeriu, sem provas, que “ongueiros” estariam por trás dos focos de incêndio. Agora o ministro ataca os ambientalistas para desviar o foco da tragédia ambiental.


Dora Kramer: Lula solto

Preso, exercita a mitologia; livre, vai se ver com a realidade

Cedo ou tarde Luiz Inácio da Silva terá de sair da situação de restrição de liberdade em que se encontra. O termo “cadeia” não se aplica, está mesmo a léguas de distância das instalações da Polícia Federal onde Lula tem televisão, geladeira, se exercita na esteira, recebe visitas ilustres, dá entrevistas, divulga comunicados de orientação política ao PT, contesta o que acha que deve ser contestado em seus processos, emite julgamento sobre seus julgadores, tem, enfim, regalias de que nenhum outro condenado dispõe até porque é o único ex-presidente da República a viver em semelhante condição.

Em se tratando de Lula, tudo é sempre muito peculiar. Porta-voz do lema “Nunca antes neste país”, é o ineditismo em pessoa, tenha tal conceito o significado que melhor convier ao gosto do freguês. De todos os investigados no esquema de corrupção na Petrobras, foi o único a causar impacto quando alvo de operações de busca por documentos em sua residência e a provocar comoção por ocasião da condução coercitiva para prestar depoimento em processos na Lava-Jato.

Ali se fizeram as previsões mais tenebrosas sobre as possíveis consequências do tratamento dado pela Polícia Federal e pela Justiça ao ex-¬presidente. Nada aconteceu. De novo se desenhou no horizonte um cenário de perturbação social quando da decretação da prisão após a condenação em segunda instância no caso do apartamento no Guarujá, uma gentil oferenda da empreiteira OAS. Chegou-se a falar em revolta popular em seguida, à luz dos fatos circunscrita às imediações do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e depois ao acampamento no entorno da sede da PF em Curitiba.

Nesse tempo em que o Supremo Tribunal Federal voltou a examinar a questão da prisão após sentença confirmada em segundo grau e de decisões passíveis de anular a condenação no caso do tríplex, voltam à cena as conjecturas. Desta vez sobre o papel a ser exercido por Lula na política, em particular a influência dele nas disputas de 2020 e 2022. Pesquisa Veja/FSB, publicada na edição anterior, mostra o ex-presidente como o nome eleitoralmente mais viável entre os antagonistas de Bolsonaro localizados à esquerda.Até aí, nenhuma surpresa. Inclusive porque ele não é o mais forte; é o único nesse campo capaz de competir em boa situação. Algo que para Bolsonaro seria a composição dos sonhos numa campanha, para repetir o enfrentamento que o levou à Presidência. Mas a realidade é um tanto diferente do mundo dos números de pesquisas colhidas quando ainda há um volume oceânico de metros cúbicos a passar por baixo da ponte e inúmeros obstáculos a ser superados antes de se considerar de maneira racional Lula como uma força real e objetiva, para além da mitologia.

No aspecto jurídico, o petista continuará inelegível mesmo que saia da sala da PF em decorrência da derrubada da prisão depois da segunda instância. Voltará a ter ficha eleitoral limpa só no caso de uma outra decisão do Supremo vir a anular a sentença de Sergio Moro no processo do apartamento. Ainda assim, o ex-presidente responde a mais oito ações, cujo andamento pode novamente lhe suprimir a liberdade e/ou a elegibilidade. Tantos processos desautorizam maiores otimismos.

Agora, ao universo da política e dos fatos. É nele que Lula terá de transitar depois de libertado. Pois é justamente nesse mundo que ele já não vinha transitando bem havia tempo, muito antes da prisão e desde que se agravou sua situação na Justiça com repercussão na política. O ex-¬presidente não frequentava — nem falava em — ambiente que não fosse de convertidos ao seu altar do petismo mais exacerbado. Entrevistas só para simpatizantes, e circular em público nem pensar.

De uma pessoa tão importante e querida seria de esperar que andasse por aí a desfrutar a popularidade. No entanto, nunca se viu Lula em restaurantes, cinemas, teatros, aeroportos nem em estádios em jogos de seu amado futebol. Incomparavelmente menos festejado nas pesquisas, Fernando Henrique Cardoso, por exemplo, vai a todo lugar e fala em toda parte sem restrições desde que deixou a Presidência.

E o discurso do Lula livre, será como disse outro dia o do pacificador? Incongruente com a autoria da dinâmica do “nós contra eles”, cuja consequência tem hoje assento no Palácio do Planalto. Preso, pode exercitar a intransigência típica dos carismáticos. Quando exige absolvição total soa convicto, algo a ser lido como “ele deve ter razão”. Solto, terá de se ver com a realidade, por vezes uma madrasta.


Ricardo Noblat: Lula, a um passo da liberdade

A bola está com Toffoli

Lula ganhou mais um aviso de arrumar as malas e preparar-se para deixar em breve o cárcere de Curitiba. Na pior das hipóteses, uma vez que já cumpriu um sexto da pena a que foi condenado no caso do tríplex do Guarujá, voltará a São Paulo e, ali, poderá trabalhar durante o dia, recolhendo-se à noite a algum presídio.

Na melhor das hipóteses, se confirmada a atual tendência do Supremo Tribunal Federal de acabar com a prisão em segunda instância, será libertado, podendo ir para onde quiser e fazer o que quiser. Lula planeja retomar as caravanas que, antes de ser preso, o levaram a viajar pelas principais regiões do país.

Falta apenas um voto para que isso seja possível desde que, ontem, a ministra Rosa Weber revelou o seu favorável ao fim da prisão de condenado em segunda instância. Se os próximos ministros a votarem o fizerem do modo como prometem, o placar será de 5 a 5. Caberá a Dias Toffoli, presidente do tribunal, o voto de desempate.

Outro dia, Toffoli acenou com a proposta de transferir para a terceira instância o direito de autorizar a prisão de um condenado. Aparentemente, a proposta murchou. A ser assim, Toffoli, que em outros julgamentos votou uma vez a favor da prisão em segunda instância e três contra, votará contra pela quarta vez.

Razoável. O ministro Gilmar Mendes já votou uma vez contra a prisão em segunda instância e três a favor. Agora, votará contra. Celso de Mello, Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio Mello sempre votaram contra. Sempre votaram a favor Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux e Cármen Lúcia.

Lula jamais perdoou Cármen. Foi ele que a indicou para o Supremo. Conta que ouviu dela que uma das virtudes do mineiro é ser grato. Cármen é mineira. E na hora em que Lula precisou do seu voto para ser solto, não teve. A queixa de Lula é injusta. Ministro não é nomeado para beneficiar quem o nomeou.

Que o diga também o ministro Luiz Fux. Antes de nomeado por Dilma, ele revelou a um interlocutor como votaria no processo do mensalão do PT: “Eu mato no peito”. Ou seja: votaria contra. Votou a favor. E agradeceu sua nomeação à advogada Adriana Ancelmo, mulher do então governador do Rio Sérgio Cabral.

Mas essa é outra história. E das mais esdrúxulas, digamos assim.

O fantasma de Queiroz volta a assombrar os Bolsonaros

Como desviar dinheiro público
O que uma coisa tem a ver com outra? O senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) gravou um vídeo e soltou uma nota para dizer que não fala com seu ex-assessor Fabrício Queiroz há mais de um ano.
Foi em resposta a um áudio de junho último onde Queiroz ensina a um amigo como empregar pessoas em gabinetes do Senado e da Câmara sem ligá-las diretamente aos Bolsonaros.

Para Flavio, “o que fica bem claro nesse áudio é que ele [Queiroz] não tem nenhum acesso ao meu gabinete, tanto é que ele está ali fazendo uma reclamação de que não tem acesso”.

Diz Queiroz no áudio: “Tem mais de 500 cargos, cara, lá na Câmara, no Senado. Pode indicar para qualquer comissão ou, alguma coisa, sem vincular a eles [clã dos Bolsonaro] em nada”.

Diz mais: “20 continho aí para gente caía bem pra c**”. E mais: “Pô, cara, o gabinete do Flavio faz fila de deputados e senadores lá. É só chegar ‘nomeia fulano para trabalhar contigo aí'”.

Aqui, trata-se da nomeação cruzada. Um deputado pede a outro que empregue no seu gabinete quem ele não pode empregar para não chamar atenção. O favor é retribuído. Todos lucram com isso.

Como a de Flávio, também não faz sentido a resposta que deu o presidente Bolsonaro quando perguntado na China sobre o áudio de Queiroz: “O Queiroz cuida da vida dele, eu cuido da minha.”

Quem disse o contrário? O fato é que o fantasma de Queiroz voltou a assombrar a família Bolsonaro, posta em sossego desde que Dias Toffoli suspendeu a investigação sobre os rolos de Flávio.

Até os pombos que bicam as calçadas da Assembleia Legislativa do Rio sabem que Queiroz comandava um esquema de rachadinha quando mandava no gabinete do então deputado Flávio Bolsonaro.

Funcionava assim: o funcionário recebia seu salário no fim do mês e depositava parte na conta de Queiroz. O dinheiro pagava despesas do deputado. Queiroz embolsava algum.

Que deputado na Assembleia não sabia disso? Que deputado na Câmara não sabe que muitos dos seus colegas procedem assim? É prática usual. É também desvio de dinheiro público. Crime.

Desde 1991 quando Bolsonaro foi eleito deputado federal pela primeira vez, ele e seus filhos empregaram mais de uma centena de funcionários com parentesco ou relação familiar entre si.

Exatas 102 pessoas, segundo o jornal O Globo. Ou 35% do total de funcionários contratados no período. Entre elas, milicianos. Muitos jamais compareceram ao local de trabalho.

O advogado de Flávio Bolsonaro pôs em dúvida a gravação do áudio. É preciso, disse ele, comprovar que a voz é mesmo de Queiroz, que o áudio não foi editado, que isso e que aquilo outro.

Foi a mesma linha de defesa adotada pelo ex-juiz Sérgio Moro e os procuradores da Lava Jato em Curitiba para desqualificar suas conversas hackeadas e entregues ao site The Intercept.

Terrorismo oficial

Presidente e ministro, feitos um para o outro
Se o presidente Jair Bolsonaro, sem prova ou indício algum, pode afirmar que foi ato terrorista a derrama de petróleo que empesteia as praias nordestinas, por que o ministro Ricardo Salles, do Meio ambiente, não pode insinuar que o petróleo foi derramado por um navio da organização internacional Greenpeace?

Pau que bate em Chico deveria também bater em Francisco. O deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara, criticou Salles, mas esqueceu de criticar Bolsonaro. Os males que vêm do alto costumam contaminar os que estão em baixo. Se Salles foi irresponsável e leviano, Bolsonaro foi o quê?

Lá atrás, quem primeiro falou em terrorismo? Bolsonaro falou quando lhe perguntaram sobre os incêndios na Amazônia. Tentou culpar as Ongs. Voltou a falar quando lhe perguntaram sobre o petróleo derramado. Repetiu a dose ontem. Salles é apenas um pau mandado do presidente. Um serviçal que quer manter o emprego.

Bolsonaro liga para a preservação do meio ambiente? Salles tampouco. Bolsonaro está mais preocupado com os garimpeiros que votaram nele. É candidato à reeleição. No passado, ainda cadete no Exército, meteu-se com garimpo e foi censurado por seus superiores que o consideraram ambicioso demais.

Se o chefe e seus influentes filhos são conhecidos por gostarem de notícias falsas e as disseminarem nas redes sociais, por que Salles não pode gostar e fazer a mesma coisa? Ele postou a foto de um navio do Greenpeace de onde o petróleo poderia ter saído. A foto é de 2016. O navio não transporta petróleo, só gente.

A verdade é que o governo não faz a mínima ideia sobre o que aconteceu há mais de dois meses. Primeiro porque não se interessou de início. Depois porque não conseguiu saber nada até agora – salvo que o petróleo, provavelmente, é venezuelano. Ou uma fração dele. A Marinha não se arrisca a ir além disso.

Mais de mil toneladas de óleo foi recolhida, parte por voluntários. Só há poucos dias militares entraram em cena para recolher. Onde todo esse óleo foi armazenado? A Marinha não sabe. O governo não sabe. É tudo feito de improviso. E quando voluntários aparecerem doentes, vítimas dos efeitos do óleo?

Governo de morte, este.