Day: outubro 24, 2019
Revista Política Democrática || Martin Cezar Feijó: Bacurau - um faroeste do século 21
O artigo de Martin Cezar Feijó, segundo o autor, não tem o objetivo de fazer uma crítica cinematográfica, mas um comentário cultural. Polêmico, Bacurau é, antes de tudo, um filme, cumprindo o que se propõe: contar uma história atual
Bacurau (Brasil, 2019), dos brasileiros Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles, é um filme polêmico; gerou debates polarizados; muitos amaram, outros odiaram, nem sempre por razões cinematográficas, em grande parte por razões políticas e ideológicas; mas, antes de tudo, é um filme. E bom. Cumpre o que se propõe: contar uma história atual, mesmo que anuncie se passar em um futuro próximo.
Até porque o objetivo deste texto não é fazer uma crítica cinematográfica, mas um comentário cultural. O filme estreou mundialmente no Festival de Cannes deste ano e levou o Prêmio do Júri. O que não é pouco. Também ganhou como melhor filme no Festival de Munique. E deve participar ainda em muitas competições internacionais.
Está, portanto, fazendo uma carreira internacional vitoriosa, com boas avaliações em Paris ou Nova York, por exemplo. E, o mais importante, atraindo um grande público.
Um filme a que se assiste com grande atenção. Com um grande elenco. E que conta uma história original, da ameaça a uma comunidade por um grupo de atiradores estrangeiros, dotados de aparelhos sofisticados como drones e se comunicando em inglês através de satélites. A população da cidade também, apesar de pobre, é bem atualizada, reconhecendo tecnologias e até reclamando quando não recebe sinais para seus aparelhos de telefones celulares.
Os invasores, apesar de serem em sua maioria constituídos de norte-americanos, têm entre eles dois brasileiros da região Sudeste, revelando no decorrer do filme um divertimento entre pessoas que querem descarregar frustrações alvejando uma população pobre impunemente. Até com a ajuda de líderes políticos regionais.
Uma questão social vem à tona no decorrer da narrativa. Racistas demonstram todo um ódio quando descarregam nos brasileiros do grupo muitos tiros por “não terem entendido” que deveriam respeitar regras e serem submissos a seus “superiores” estrangeiros.
É neste ponto que o filme revela seu caráter político – na linha de Brecht, até didático –, assim como fica explicita uma vocação para aderir a uma resistência que se organiza na comunidade. Até um proscrito foragido é convocado à resistência, que desenterra armas para a população se preparar para o enfrentamento ao ataque de que está sendo ameaçada.
O tiroteio corre solto, os invasores são mortos até entre si, e suas cabeças cortadas, lembrando a morte dos cangaceiros liderados por Lampião, em 1938.
Enquanto gênero, Bacurau pode ser visto como parte de um cinema de ação, conhecido como western. Até pela localização geográfica em que a ação se passa – Oeste de Pernambuco.
Western, um gênero decisivo, a ponto de o crítico francês André Bazin escrever que o gênero se confunde com o próprio cinema. E que mantém sua vitalidade, apesar das variações, em toda a história do cinema. Bacurau é definido por um de seus diretores, Kleber Mendonça Filho, em entrevista à revista Veja, como um faroeste e não um panfleto, como às vezes é visto e analisado. Claro que o filme faz referências não só aos filmes de faroeste, como ao maior cineasta da história do cinema brasileiro, Glauber Rocha, para quem o cangaço e o messianismo, a partir de Euclides da Cunha, demonstram um Brasil pouco conhecido nas metrópoles.
Mas Bacurau é, antes de tudo, um filme. Um filme de ação. Violento, sim. Mas que deve ser visto em sua estrutura narrativa como um filme que provoca emoções, uma catarse. Que alguns amam, outros odeiam. Um filme político na melhor tradição do cinema, que entretêm e faz pensar nesses tempos sombrios em que a cultura vem sendo cerceada de várias formas, de censura a bloqueios burocráticos. Portanto, é muito bom o sucesso de um filme que emociona, conta uma história de ação e resistência, e enfrenta uma situação que revela nos comentários emitidos muito mais uma relação subjetiva e, portanto, ideológica, do que estética.
Que Bacurau siga sua trilha de sucesso e abra caminhos para mais filmes ousados no cinema brasileiro.
Revista Política Democrática || André Amado: Calvino e a erudição
Para André Amado, o escritor italiano Italo Calvino teve a ousadia de declarar que “a literatura (e talvez só a literatura) pode criar anticorpos que neutralizam a expansão da peste da linguagem"
Já deverão ter notado que não sou crítico literário. A razão principal, por mais que me doa reconhecer, é que me faltam credenciais, o que, em bom português, quer dizer competência. Por isso, conformo-me em abrir aspas e convidar a escrever nestas páginas autores do quilate de um Flaubert, Umberto Eco, Vargas Llosa e, desta vez, Italo Calvino, um dos mais célebres escritores italianos, que teve a ousadia de declarar que “a literatura (e talvez só a literatura) pode criar anticorpos que neutralizam a expansão da peste da linguagem”.[1]
Dá até vontade de traduzir “linguagem” por “erudição”, para mantermos a ironia típica de muitas reflexões de Calvino. Mas, se o fizéssemos, incorreríamos em imensa injustiça com outra de suas obras, Por que ler os clássicos [2], em que se consagra o mais profundo e íntimo conhecimento dos autores selecionados, o que, em uma palavra, se chama erudição, no bom sentido do conceito.
A lista de escritores é longuíssima, embora cada texto se concentre em transmitir o que de fato interessa em literatura. Lá estão Homero, Cyrano, Defoe, Voltaire, Stendhal, Balzac, Dickens, Flaubert, Tolstoi, Mark Twain, Henry James, Stevenson, Conrad, Hemingway e Borges. Para os que se autoproclamam iniciados no tema, encontrarão também Xenofonte, Ovídio, Ariosto, Galileu, Pasternak e Pavese. E, que me perdoem os mais letrados, mas a lista inclui ainda escritores de quem apenas ouvi falar, se tanto, como Plínio, Nezami, Cardono, Ortes, Gadda, Montale e Queneau.
É fascinante como Calvino aborda cada um. Com relação a Homero, claro, o foco está na Odisseia (mas com que ângulos inexplorados!).
Defoe desfila com seu célebre Robinson Crusoe, tanto quanto Stendhal, com Cartuxa de Parma. Mas Dickens entra no livro com Our Mutual Friend; Flaubert, com Trois contes; Tolstoi, com Dois Hussardos; Stevenson, com o O pavilhão das dunas, e assim por diante. Por intermédio dessas obras, que sem dúvida não são as mais conhecidas dos escritores, Calvino supera o desafio e as transforma em peças maestras, magia que estende à produção literária dos demais integrantes de sua lista, a ponto de nos produzir certo constrangimento por nunca os termos visitado.
De alguma maneira, no entanto, a despeito da coleção das críticas finas e envolventes com que nos brinda na maior parte do livro, é na introdução de somente oito páginas que Calvino revela o sentido da pergunta estampada no título do livro e, para isso, desfia algumas propostas (na verdade, 14) de definição do que considera “clássico”, das quais destaco as seguintes:
– Os clássicos são aqueles livros dos quais, em geral, se ouve dizer “Estou relendo...” e nunca “estou lendo...” (p. 9);
– Os clássicos são livros que exercem uma influência particular quando se impõem como inesquecíveis e também quando se ocultam nas dobras da memória, mimetizando-se como inconsciente coletivo ou individual (p. 10);
– Um clássico é um livro que nunca terminou de dizer aquilo que tinha para dizer (p. 11);
– Os clássicos são livros que, quanto mais pensamos conhecer por ouvir dizer, quando são lidos de fato se revelam novos, inesperados, inéditos (p. 12); e
- É clássico aquilo que tende a relegar as atualidades à posição de barulhos de fundo, mas, ao mesmo tempo, não pode prescindir desse barulho de fundo (p. 15).
Calvino acrescenta comentários tópícos, ao lado dessas propostas, como, por exemplo: “o clássico não necessariamente nos ensina algo que não sabíamos; às vezes, descobrimos nele algo que sempre soubéramos..., mas desconhecíamos que ele o dissera primeiro... Esta é a surpresa que dá muita satisfação”. E, de repente, o escritor italiano se cansa de destrinchar o óbvio e encerra a introdução bem a seu estilo: “a única razão que se pode apresentar é que ler os clássicos é melhor do que não os ler”.
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[1] Seis propuestas para el próximo milênio, Ediciones Siruela, Madrid, 9ª edición, 2010, p. 68.
[2] Perché leggere i classici (2002). Tradução de Nilson Moulin. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.
Revista Política Democrática || Eros Roberto Grau: Nosso Armênio
Há uns dois anos --- após uma conversa fraterna com a Cecília Comegno, Marcello Cerqueira, Élio Gaspari e outros camaradas ---, a mim foi atribuída a organização de um livro lembrando nosso Armênio. Uma tarefa que encantou minha vida. Lá pela segunda quinzena de novembro será lançado, em São Paulo, pela Globolivros.
Armênio Guedes se foi para o Céu no dia 12 de março de 2015. No ano passado, 30 de maio, teria completado cem anos. Lá em cima será, no entanto, eterno.
Nascido em Mucugê, a capital baiana dos diamantes, Armênio era um deles. Sereno, aristotelicamente prudente. A serenidade ao alinhar-se à esquerda democrática europeia, ao opor-se à luta armada durante o regime militar cá entre nós e ao defender a aliança com o Movimento Democrático Brasileiro (MDB) --- o único partido de oposição autorizado pela ditadura --- evidenciam ter sido ele, para sempre, um diamante de humanismo. A noite de 30 de março de 2012, quando recebeu o título de Cidadão Paulistano oferecido pela Câmara Municipal de São Paulo, é inesquecível.
Durante seu exílio no Chile e na França cultivou a fraternidade, ensinando-a a todos nós. Tento colher trechos que tudo dizem nos mais de trinta textos que compõem este livro, mas me perco, incapaz de escolher este ou aqueles no multiverso da amizade. Só me resta, portanto, a opção de transcrever, nas linhas que seguem, o que brotou do meu coração.
Lá se foi o tio!
Não sei por onde começar, de verdade.
Karin e Werner, meus filhos, passaram a conviver com Armênio, pelas mãos da Rosa, antes de nós. Com ele aprenderam, como nós, Tania e eu, que a vida não pode ser, a vida é maravilhosa!
Nossos jantares em Paris, em São Paulo, em Tiradentes e nos restaurantes da Ida Maria eram formidáveis. Armênio está/estará conosco sempre que nos reunirmos, Cecília, Ida Maria, frei Oswaldo, Tania e eu.
Não sei por onde começar, de verdade.
Ele nasceu em 1918, dois anos após meu pai, mas era como se fôssemos da mesma idade, como se fôssemos irmãos.
Todo o tempo durante o qual exerci a magistratura, o olhar de Armênio, iluminado pela phrónesis de Aristóteles, me inspirou. Nada de ciência, prudência. Armênio iluminou o voto que proferi, como relator, no processo no qual se discutia amplitude da anistia, a ADPF 153. Conversamos muito, longamente, e o Tio inspirou caminhos que me levaram ao correto.
Tenho inúmeras histórias a contar de meu irmão mais velho, mas vou me conter, relatando uma apenas.
No dia 14 de dezembro de 2011, arrematei em um leilão na Rua Oscar Freire, por uma ninharia [trinta reais], um bilhete manuscrito atribuído ao Prestes, assinado “CP” [1]. Sabia que o bilhete não era dele, mas comprei. No dia seguinte, à tarde, fui visitar o Armênio, levando o bilhete comigo. Era dezembro, Tania e eu iríamos à França, eu desejava abraçá-lo.
Armênio confirmou imediatamente que não era de Prestes. Em seguida, abriu uma gaveta de sua escrivaninha e me deu, dobrado, acondicionado em um pequeno envelope de plástico --- destes para guardar CPF --- outro bilhete, este realmente a ele enviado pelo Prestes.
16 de fevereiro de 1974. Um bilhete enviado a André, codinome do Armênio. Fiquei encantado. E tanto que o Tio --- em gesto largo e demorado, moscovita --- disse-me que ficasse com ele. Senti-me imensamente feliz e o guardei dentro de uma pasta de elástico, na qual trazia o papel arrematado no dia anterior.
Desci do apartamento do Armênio, na Rua Aracaju, caminhei até a Praça Vilaboim e tomei um táxi. Vinha comigo um segurança que, por conta de ter sido ministro do STF, ainda então me acompanhava.
Cheguei em casa um pouco antes de Tania, que saíra por outra razão. Assim que ela entrou no escritório, entusiasmado abri a pasta de elástico e o bilhete de Prestes desaparecera... Eu o havia perdido. Sentia-me perdido, tudo estava perdido. Desci até o lugar em que o taxi me deixara, procurei, na rua, no elevador, mas nada.
Iríamos a uma pizzaria, jantar com colegas da Faculdade. Tania insistiu em que fôssemos. Eu queria desaparecer do mundo. Estava desolado, como se para sempre desolado. De repente meu telefone celular tocou! Era o segurança, contando que voltara à Rua Aracaju (ele sentira que eu estava desolado) e, ao passar pela frente do prédio do Armênio, o zelador fez um psiu e disse “olha aqui, vocês deixaram cair quando saíram”.
O bilhete do Prestes recuperado, reencontrado, como se eu novamente o ganhasse de presente!
Conservo esta preciosidade em uma caixinha vermelha --- é óbvio! --- feita especialmente para que eu o conservasse!
Sinto um nó na garganta pensando nele e, como as palavras não dizem quase nada, permito-me em seguida reproduzir um pequeno texto meu publicado n'O Globo, no dia 17 de março de 2015, cinco dias depois da partida do Armênio:
Lá se foi Júlio, o “tio”.
Está lá, no céu --- “uma cidade de férias, férias boas que não acabam mais”, como diz, em um lindo poema, Álvaro Moreyra.
Armênio Guedes --- Júlio, o “tio” --- certa vez me contou de sua proximidade a Álvaro, que se foi há cinquenta anos. Armênio partiu na quinta-feira passada.
Agora é como se eu corresse os olhos, dominando o tempo, por inúmeros momentos do passado. Em Paris --- um jantar espetacular que Ida Maria, Cecília e Tania, minha mulher, prepararam para nós. Em nossa casa, em Tiradentes. Em São Paulo. Armênio ensinando o futuro a minha filha. A mim recomendando prudência, mais de uma vez.
Lá se foi o amigo mais sereno. Seu olhar desdobrava esperança, paz. Revolucionar o mundo, construir a fraternidade, mas em paz, harmonia e paz.
Um dos mais belos momentos que vivi aconteceu na quinta-feira que passou. Alguns amigos em volta do seu corpo, de repente o chão se abrindo para que a matéria fosse levada para sempre.
Antes, durante breves instantes, confraternizamo-nos. Estivemos mais próximos do que nunca, entre nós e a ele. Uns foram capazes de dizer algumas palavras. Faltaram-me forças para mencionar o quanto meu velho camarada me ensinou, para ao menos sussurrar a palavra amizade.
Alguém trouxera, para ser reproduzida, a gravação de uma canção que, naquele verso --- nesta luta final ---, ressoa em nossos corações.
Lá se foi o corpo de Armênio. A esperança refletida no fundo de seus olhos serenos resta entre nós. Iluminando os caminhos a serem experimentados pelos amigos que ainda cá estão. Um dia por certo nos reencontraremos na cidade de férias, férias boas que não acabam mais.
[1] Posteriormente Ana Maria Martins afirmou-me que se trata do pintor Carlos Prado.
Conheça os autores - Revista Política Democrática Online - 12ª Edição
André Amado
Diretor da revista Política Democrática online e embaixador aposentado.
Roberto Freire
Presidente do Cidadania.
Caio de Carvalho
Doutor em Comunicação Social e Advogado pela Universidade de SP.É Diretor Executivo do Canal Arte 1 do Grupo Bandeirantes de Comunicação. Professor da disciplina “ O mercado das empresas de Comunicação e Entretenimento” na EAESP-FGV. Foi Ministro de Estado de Esportes e Turismo, Presidente da EMBRATUR, Presidente do Conselho Executivo da OMT –Organização Mundial de Turismo, Presidente da São Paulo Turismo S/A. Membro dos Conselhos da Japan House, Museu de Arte Moderna e Museu da Lingua Portuguesa.
Eros Grau
Advogado. Professor Titular aposentado da Faculdade de Direito da USP. Membro da Academia Paulista de Letras. Foi Ministro do STF.
Henrique Herkenhoff
Professor doutor do mestrado em segurança pública da UVV/ES (Universidade Vila Velha do Espírito Santo) e presidente da Comissão de Segurança Pública da OAB/ES (Ordem dos Advogados do Brasil seção Espírito Santo). Secretário de Segurança do Estado do Espírito Santo (2011/2013), desembargador federal (2007/2010), procurador e procurador regional da República (1996/2007) e integrou a Missão Especial de Combate ao Crime Organizado e o Conselho Penitenciário Estadual.
Luiz Paulo Vellozo Lucas
Engenheiro, ex-prefeito do Vitória (ES).
Martin Cezar Feijó
Historiador, doutor em comunicação pela USP e professor de comunicação comparada na FAAP (Fundação Armando Alvares Penteado).
Marco Aurélio Nogueira
Professor Titular de Teoria Política da Unesp (Universidade Estadual Paulista).
FAP e Cidadania realizam seminário Cidades Inteligentes, em Brasília, nesta sexta (25)
Destinado a pré-candidatos a prefeitos pela sigla, evento terá três mesas de discussão
Discutir e propor caminhos para melhoria da qualidade de vida, de serviços públicos e do desenvovimento sustentável são os principais objetivos do seminário Cidades Inteligentes, que ocorrerá nesta sexta-feira (25), no San Marco Hotel, em Brasília, das 8h30 às 18h. O evento será realizado pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira) e pelo Cidadania23, ao qual é vinculada, e destinado a pré-candidatos a prefeitos pela sigla.
A abertura do seminário, de acordo com a programação, deverá contar com o presidente do Cidadania, Roberto Freire; o ex-senador e professor universitário aposentado Cristovam Buarque; e o diretor geral da FAP e jornalista Luiz Carlos Azedo. Em seguida, ao longo do dia, os pré-candidatos participam de três mesas de debates. Segundo a organização, os palestrantes de cada uma delas abordarão temas de extrema relevância: cidade inteligente, economia criativa e turismo de experiência.
Coordenador do seminário, o secretário de Turismo de Fortaleza, Alexandre Pereira, diz que o Cidadania parte na frente ao realizar o seminário, fortalecendo, conforme acrescenta, a sua identidade como partido de vanguarda. Segundo ele, os temas das três mesas foram pensados estrategicamente. “A economia do mundo mudou e esses três temas são absolutamente relevantes para o desenvolvimento das cidades”, destaca ele.
Pereira explica que cidades inteligentes são cidades conectadas. “Não só conectadas em termos de internet, com wi-fi livre nas praças e comunidades, mas conectadas em redes do bem, de solidariedade, na questão da mobilidade urbana, no aproveitamento de energias renováveis”, exemplifica. “Isso tudo entra no conceito de smart cities”, acentua.
O coordenador afirma que o tema economia criativa foi definido porque tem sido muito valorizada no mundo. “É pensar, por exemplo, que cultura por cultura é muito bacana, mas que a cultura também pode ser um grande gerador de renda e de desenvolvimento econômico”, diz. “Tem de pensar cultura de forma estratégica e fazer sua relação com design, artesanato. Tudo que pode, de alguma forma, gerar valor nas cadeias produtivas, principalmente, da microeconomia de uma cidade”.
O turismo, de acordo com o secretário, é outra grande mola propulsora de desenvolvimento econômico. “O Brasil ainda tem um turismo incipiente. É risível o número de turistas estrangeiros que vistam o nosso país brasil”, lamenta. “A cidade tem que ser boa para o morador dela. Sendo boa para o seu morador, será boa para o turista”, acredita.
Na avaliação de Pereira, o turismo nacional deve ser estimulado. Segundo ele, o número de turistas que visitaram o Museu do Louvre, em Paris, é maior que o de estrangeiros que visitam o Brasil. No ano passado, o museu recebeu 10,2 milhões de visitantes, quase 75% deles oriundos de outros países.
“As pessoas não viajam mais só para bater fotos de monumentos. As pessoas querem hoje sentir as experiências das cidades, que está intimamente ligada aos três temas do seminário. A cidade inteligente está conectada e valoriza a economia criativa e o turismo”, observa.
Míriam Leitão: A economia entre temores e avanços
Agro teve ano bom e bancos privados estão fornecendo crédito rural, mas exportadores têm medo de barreiras ao comércio por razões ambientais
O economista José Roberto Mendonça de Barros acha que a economia está mudando para melhor em certos pontos, mas ainda prevê um crescimento baixo do PIB no ano que vem. Ele ressalta algumas boas notícias: a safra foi muito boa, mantendo o agro como setor que sempre tem sucesso apesar das crises, o mercado de crédito começa a mudar pela queda forte da Selic. O maior temor dos grandes produtores agrícolas, contudo, é o de sofreram boicote por razões ambientais.
José Roberto é o tipo de analista que nota as mudanças da economia em pequenos detalhes do cotidiano. Nos últimos dias, foi pagar um táxi com uma nota de R$ 50 e o motorista avisou que preferia receber na sua maquininha que ele estava estreando naquele dia. Depois, conversou com o dono de uma pequena rede de supermercados do interior de São Paulo, e ele disse que o operador das máquinas de cartão de crédito reduziu a taxa de uso de 4% para 1,5% e estava quitando os valores em D+2. Antes era em 30 dias:
— O motorista faz parte da onda de popularização das maquininhas depois que o setor deixou de ser um duopólio e passou a ter a competição dos vários fornecedores desse serviço, e o dono do supermercado teve um aumento forte de capital de giro, já que 45% do que ele vende é através de cartão.
A mais notável mudança para ele, que acompanha o que acontece com o setor agropecuário há muitas décadas, é que o crédito rural agora está sendo ofertado por bancos privados:
— Pelas novas regulações do Banco Central, pela queda da Selic, pela entrada das fintechs, o fato é que os três maiores bancos privados estão correndo junto com o Banco do Brasil para ofertar financiamento. Assim, o crédito público fica para os pequenos produtores e para bancar uma parte do seguro agrícola. A queda da Selic tem tirado muito investidor dos fundos DI. Isso abriu espaço para os papéis dos certificados imobiliários e agrícolas. Surgiu uma fonte de crédito abundante com taxas menores que as do plano Safra.
Na safra deste ano, a soja teve alguma queda de produção, mas, com o desempenho brilhante da safrinha de milho, o país está produzindo quase 100 milhões de toneladas de milho. O açúcar caiu de preço pelo excesso de subsídio da Índia, mas o etanol teve alta produção e a demanda está crescente. A laranja teve aumento forte de produtividade e ocupou parte do espaço da produção da Flórida. O café permanece com preço estagnado, a carne está com boa demanda e bons preços. O algodão bateu recorde. Arroz e feijão continuam em declínio porque estão cada vez menos presentes na mesa do brasileiro.
Perguntei ao economista se há preocupação no setor agrícola de que ocorram pressões contra as nossas exportações por questões ambientais:
—Há muito medo. Todo o setor processador industrial, que tem mais contato com os clientes no exterior, está com medo. Entre os produtores agrícolas, uma grande parte também teme as barreiras aos produtos brasileiros.
Ele acredita que o risco de boicote vem do discurso do governo, “muito óbvio”, contra as medidas de proteção ambiental e que fazem na base se ter a impressão de um “liberou geral”. Como os dados mostram que 90% do desmatamento é ilegal, o economista acha que o mais inteligente seria combater os que estão fora da lei, em vez de dar sinais que parecem estímulos ao desmatamento e às invasões:
— Fiz uma palestra recente para 40 produtores estrangeiros que vieram fazer uma imersão no Brasil. Acabei minha apresentação sobre por que a agricultura brasileira é um sucesso e as duas primeiras perguntas foram sobre Amazônia.
Apesar da aprovação da reforma da Previdência, ele disse que a economia continuará “andando a passo de tartaruga”, porque outras reformas são necessárias:
— É preciso fazer a segunda parte do esforço fiscal, atacando pontos como o excesso de vinculação do Orçamento. É preciso também fazer mais concessões porque elas, mais do que a privatização, trazem melhoras a curto prazo. Se houver boa regulação e mais leilões, as concessões vão gerar obras de infraestrutura. E a construção civil é geradora de emprego.
José Roberto acha que se isso for feito o país pode crescer mais fortemente, mas há dois riscos à frente: o quadro internacional muito perigoso e as crises políticas internas criadas pelo próprio governo.
Bernardo Mello Franco: O Supremo na mira das milícias virtuais
O STF voltou à mira das milícias virtuais. Agora a pressão é de caminhoneiros bolsonaristas, que ameaçam invadir a Corte se não gostarem do resultado de um julgamento
O ministro Marco Aurélio Mello tocou no assunto ao seu estilo: com ironia. Ao iniciar o voto de ontem, ele mencionou os vídeos em que caminhoneiros bolsonaristas ameaçam invadir o STF.
“Recebi no WhatsApp que se estaria reforçando a rampa aqui do Supremo, porque teríamos caminhão subindo...”, disse, com um sorriso no rosto.
Em tom mais grave, outros ministros também reclamaram do bombardeio virtual dos últimos dias. É uma campanha orquestrada, com métodos testados na disputa eleitoral de 2018.
O decano Celso de Mello identificou, nas novas ameaças à Corte, a “atuação sinistra de delinquentes que vivem da atmosfera sombria e covarde do submundo digital”. Acrescentou que esses grupos perseguem “um estranho e perigoso projeto de poder”, incompatível com o regime democrático.
Há três décadas no Supremo, o ministro disse que o Brasil passa por um momento “extremamente delicado”, em que é assombrado por “espectros ameaçadores, surtos autoritários e manifestações de grave intolerância que dividem a sociedade civil”. Não foi a primeira vez que ele alertou para tentativas de intimidação do Judiciário na “nova era”.
A nova onda de pressões tenta emparedar os ministros contrários à prisão de réus condenados em segunda instância. Isso não impediu que os favoráveis à regra atual também protestassem contra a agressividade dos ataques.
Para Alexandre de Moraes , o STF tem sido alvo de um bombardeio que mistura ameaças, discursos de ódio e fake news. Ele reclamou de uma “pregação fundamentalista” que prevê o apocalipse antes de julgamentos importantes. “De cada decisão judicial, dependeria o sucesso ou a ruína da nação”, disse.
A ofensiva dos caminhoneiros contra o Supremo é liderada por Ramiro Cruz Júnior, que acusa o tribunal de tentar “soltar bandidos no atacado”. Ele ostenta proximidade com a família Bolsonaro e tentou se eleger deputado pelo PSL. Foi recebido pelo presidente em 17 de abril, segundo registros oficiais do Planalto.
Zeina Latif: Quem diria, Chacrinha estava certo
Governador do RS é exemplo da nova política que busca estreitar laços com o cidadão
A forma de fazer política ganha novos contornos diante de mudanças no comportamento social mundo afora. A sociedade atual, conectada, mostra-se mais exigente e, em muitas democracias jovens (ou na falta dela), anseia por maior participação política. Além disso, a capacidade de mobilização aumentou com as redes sociais. Temas aparentemente pequenos podem provocar grandes manifestações, mesmo em um país como o Chile, com indicadores econômicos invejáveis para muitos emergentes.
O aumento da tarifa do metrô foi o estopim para protestos. O governo reagiu com repressão em vez de diálogo. Deu no que deu. O governo errou também ao voltar atrás na decisão e pode ter alimentado a desconfiança dos indivíduos. Afinal, a correção de tarifas não era necessária?
Os novos tempos demandam capacidade de comunicação e diálogo dos governantes. Talvez esse seja o verdadeiro divisor entre a “nova” e a “velha” política.
No Brasil, há elementos adicionais que tornam esse desafio ainda maior: o déficit de credibilidade da classe política por conta da grave crise econômica e dos escândalos de corrupção; a fragmentação partidária no Congresso que dificulta a construção de consensos; e a necessidade de avançar com reformas estruturais que geram perdas de curto/médio prazos localizadas e benefícios difusos de longo prazo. Na ausência de explicações devidas, baseadas em diagnósticos bem fundamentados, a sociedade fica apática e, legitimamente ou não, os grupos afetados tentam bloquear as reformas, pelo medo de perdas. O resultado é a letargia ou reformas aquém do necessário.
Apesar de trabalhosa e até arriscada (quem não tem medo de “panelaços”?), a comunicação pode ser grande aliada dos políticos para obterem apoio da sociedade para enfrentar grupos organizados. O governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, é um bom exemplo da nova política que busca estreitar laços com o cidadão.
Com clareza, o documento Reforma Estrutural do Estado visa a apresentar medidas para reduzir o crescimento dos gastos com a folha, o principal problema no orçamento dos Estados. No RS, o quadro é o mais alarmante, pois há mais aposentados e pensionistas (60%) do que servidores na ativa (40%), e a tendência nos próximos anos é de piora, pois a idade média dos ativos é de 51 anos.
O custo para sociedade é duplo, por financiar o rombo da previdência (cada habitante contribui com R$ 1.038 em impostos por ano para isso, sendo o valor mais elevado entre os entes estaduais), e por não contar com serviços públicos de qualidade.
O primeiro passo do documento é a prestação de contas, apresentando à sociedade o que chama de “verdade fiscal”. Apresenta os principais números: os passivos, o crescimento da folha e seus pagamentos em atraso, a dívida pública e o déficit da Previdência.
O segundo passo é explicar que expedientes passados para cobrir o rombo das contas públicas agravaram o quadro e não estão mais disponíveis. É o caso dos saques do Caixa Único, que inclui depósitos judiciais de partes privadas. O documento também explicita as duas liminares ligadas aos pagamentos de precatórios e à dívida com a União, que reduzem o pagamento mensal dessas obrigações.
Diagnóstico feito, o terceiro passo é apresentar as propostas para corrigir o problema fiscal e, assim, aumentar a capacidade de investimentos: a reforma da Previdência, mudança de regras do magistério estadual e servidores militares e mudança do estatuto dos servidores civis.
O governador não se queixa e tampouco aponta o dedo contra governos passados. Ele encara a realidade e olha para frente, apontando o caminho. Em depoimento recente, ele valoriza os servidores públicos e pede ajuda para fazer o ajuste fiscal. Para isso, ele afirma: “É hora de encararmos nossa situação de frente, sem pirotecnias, sem conversa fiada, sem desviar o olho e sem mentiras”.
O governador, ainda tão jovem, começou bem e já tem muito a ensinar.
*Economista-chefe da XP Investimentos
Ribamar Oliveira: Meta fiscal da LDO já não reflete a realidade
Não haverá cortes no Orçamento no próximo ano
O megaleilão dos excedentes de petróleo da cessão onerosa, que será realizado no próximo dia 6 de novembro, terá um impacto significativo nas contas públicas neste e no próximo ano. A União terá, em termos líquidos, uma receita de R$ 24 bilhões que não constava na programação orçamentária de 2019 e o mesmo valor será acrescido à estimativa da receita prevista na proposta orçamentária para 2020.
Os recursos extras serão utilizados para reduzir o déficit primário do governo central (Tesouro, Previdência e Banco Central). Com isso, as metas de resultado primário definidas na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) não servem mais como sinalizador da trajetória da política fiscal brasileira.
A meta fiscal para o governo central, definida na LDO, é de déficit primário de R$ 139 bilhões neste ano. Com o dinheiro que será obtido no leilão da cessão onerosa e nos leilões da 16ª rodada de concessão, já realizado, e da 6ª rodada de partilha de produção, que ocorrerá também em novembro, o déficit primário poderá ficar abaixo de R$ 90 bilhões.
O governo poderia utilizar parte dos recursos para executar as programações orçamentárias deste ano, que estão contingenciadas, mas não o fará. O Ministério da Economia entende que o chamado Orçamento impositivo, criado pelas emendas constitucionais 100 e 102, só valerá a partir de 2020.
Para o próximo ano, a meta fixada na LDO é de déficit primário de R$ 124,1 bilhões para o governo central. A proposta orçamentária de 2020, encaminhada pelo governo ao Congresso no fim de agosto, projeta uma receita suficiente para cumprir a meta da LDO. Os R$ 24 bilhões do leilão da cessão onerosa serão, portanto, um adicional, que será incorporado à proposta orçamentária em novembro, por meio de mensagem modificativa.
Como as despesas da proposta orçamentária do próximo ano já estão no teto de gastos, os R$ 24 bilhões adicionais serão utilizados para reduzir o déficit primário do próximo ano, ou seja, a dívida pública. Se a receita extra do petróleo já é conhecida desde agora, pressupondo que o bônus de assinatura do leilão da cessão onerosa será pago em duas parcelas, seria mais transparente se o governo propusesse uma mudança da meta fiscal, reduzindo o déficit primário do governo central.
Uma fonte credenciada do governo considera, no entanto, “mais prudente” deixar a meta fiscal onde está para o próximo ano. O argumento é que, no caso de perda de arrecadação tributária, que está muito incerta, os R$ 24 bilhões adicionais do petróleo protegeriam o governo de um contingenciamento do Orçamento, que já está muito apertado.
Além disso, há quem defenda no governo a alternativa de tirar da proposta orçamentária de 2020 a receita de R$ 16,2 bilhões que será obtida com os novos contratos de concessão das usinas hidrelétricas da Eletrobras, no âmbito da privatização da estatal. O projeto de lei da privatização da Eletrobras ainda não foi encaminhado ao Congresso. A opção da equipe econômica, portanto, será pela segurança.
De qualquer forma, quando encaminhar a mensagem modificativa da proposta orçamentária de 2020, o governo terá que explicitar que trabalha com um déficit primário menor para o próximo ano.
O pós-reforma
O governo tem dois desafios no pós-reforma da Previdência. O primeiro é reduzir despesas obrigatórias na proposta orçamentária de 2020 para elevar os investimentos, que foram muito reduzidos. O segundo é sair de duas armadilhas em que está metido: a chamada “regra de ouro” das finanças públicas e o gatilho emperrado do teto de gastos.
A sustentação do teto de gastos, indispensável neste momento para o equilíbrio das contas pública, depende da capacidade do governo de reduzir o ritmo de crescimento das despesas obrigatórias. Ao mesmo tempo, a realização de operações de créditos em valor superior às despesas de capital (investimentos e amortizações da dívida), proibida pela “regra de ouro”, ocorre por causa do aumento acelerado dos gastos obrigatórios.
Há indicações de que o governo enfrentará o primeiro desafio por meio de projetos de lei e de medidas provisórias. Uma das MPs, já anunciada oficialmente, vai acabar com a multa adicional de 10% que a empresa paga ao FGTS em caso de demissão sem justa causa. O dinheiro não é do trabalhador, mas do Fundo, embora seja contabilizado como receita do Tesouro e, posteriormente, como despesa obrigatória, quando é transferido para o FGTS. Com o fim da multa, o governo abrirá espaço de R$ 6,1 bilhões no Orçamento de 2020.
Outro espaço será aberto com a decisão do governo de transferir para as empresas o pagamento do auxílio-doença, devido aos trabalhadores afastado do emprego por motivos de saúde, hoje feito pelo INSS. A mudança seria incluída no substitutivo da MP 891/2019. O governo pretende também reduzir os gastos com benefícios tributários, incluindo as atuais deduções com saúde e educação do Imposto de Renda.
Resolver os problemas da “regra de ouro” e do gatilho travado do teto de gastos é mais complicado, pois exige proposta de emenda constitucional (PEC). As medidas discutidas pela área econômica passam pela redução da jornada de trabalho dos servidores, com a correspondente diminuição salarial, por congelar progressões e promoções dos servidores, e por não conceder reajuste pela inflação para os benefícios previdenciários acima de um salário mínimo.
O receituário, embora considerado necessário, é politicamente indigesto e a aprovação pelo Congresso, duvidosa, principalmente diante do empenho do governo em aprovar o projeto de lei 1645/19, que trata do sistema de proteção dos militares. O projeto mantém a paridade e a integralidade para os militares inativos, assim como para os policiais militares e bombeiros, benefício que foi negado aos demais servidores.
No caso da União, a despesa adicional é de R$ 4,7 bilhões somente no próximo ano. “É difícil explicar o projeto para a sociedade, no momento em que se discute a proposta de ajuste fiscal”, disse o deputado Pedro Paulo (DEM-RJ), autor de uma PEC que propõe mecanismos de ajuste para a “regra de ouro”.
Malu Delgado: O cárcere do PT
Ainda que Lula seja libertado, PT continuará prisioneiro do ex-presidente
Ficar a reboque de Lula é vantagem ou desvantagem? Enquanto aguardava o resultado do julgamento do Supremo Tribunal Federal, que poderia tirar o ex-presidente da República da prisão, um integrante do PT refletia sobre os efeitos de outro cárcere: o do próprio partido em torno da figura de Luiz Inácio Lula da Silva. Mesmo os petistas que admitem, em privado, incômodo com a paralisia do partido e a dependência cega dos comandos de Lula, há uma constatação realista de que o ex-presidente é, de fato, o melhor candidato à Presidência da República para o PT (isso no quesito competitividade) em qualquer cenário.
Os mais pragmáticos e realistas propõem, porém, outra reflexão: mesmo solto, Lula é inelegível e não é factível pensar em sua candidatura para 2022. Sendo assim, o ex-presidente retornaria às ruas e viajaria pelo país num cenário de continuidade da extrema polarização e sem condições de disputar, por restrições impostas pela Lei da Ficha Limpa. “Vamos ficar esperando o Lula até quando?” é uma pergunta não impensável de se ouvir em debates do PT, ainda que tal lucidez esteja longe de refletir o sentimento da maioria do partido, controlado pela corrente do ex-presidente.
E como imaginar que o homem que está detido há mais de um ano, se considera preso político e se julga vítima de um julgamento parcial e contaminado, agirá politicamente em favor de composições que extrapolem a cantilena da hegemonia petista? A lógica de Lula, encarcerado, é a de um ator político sectário, endossa um petista. Solto, não seria absurdo imaginar que Lula agiria como a jararaca viva e justiceira. Em 2016, quando foi levado em condução coercitiva pela Lava-Jato para prestar depoimento, o ex-presidente avisou: “Se quiseram matar a jararaca, não bateram na cabeça, bateram no rabo. A jararaca está viva”. Vivíssima.
Malabarismos jurisdicionais brasileiros abririam brechas para se pensar na criação de condições para Lula concorrer em 2022, e ainda há um HC (habeas corpus) no caminho que pode livrar o petista da condenação se o Supremo considerar que houve parcialidade da turma do ex-juiz Sergio Moro.
Um bom exercício para o PT seria projetar uma disputa com Lula hoje. Se essa sondagem é feita com um petista racional, admite-se que possivelmente o partido, isolado, perderia para a direita ou a extrema-direita, porque não aconteceu nenhuma magia em dez meses que tenha apagado a forte rejeição da maioria do eleitorado ao petismo. Ou alguém acredita na conversão repentina do PSDB ao centro se o nome em questão, contra Jair Bolsonaro, for o de Lula? Seguindo o mesmo raciocínio, seria crível imaginar a abnegação de Lula em nome de uma aliança ampla em que ele não seja o líder?
Lula, livre, não é a redenção do PT, e basta olhar para o que pode ser a disputa pela Prefeitura de São Paulo para entender parte do imbróglio político em que se meteu a esquerda brasileira. Com Fernando Haddad fora da disputa municipal, por decisão dele próprio, o PT não tem nenhum nome competitivo na capital. Como Lula, além de vivo, tem sagacidade política ímpar, o ex-presidente já semeou um armistício com Marta Suplicy, que pode ser um nome do PDT. Lula, segundo os entendidos em lulês, não chamou Marta de volta ao PT. “Ele jogou a tarrafa, provocou ebulição nos bastidores e pavimentou o caminho para uma aliança lá na frente se a Marta estiver no segundo turno e o PT não”, traduziu um petista.
O mindset do PT ainda não permite que o partido considere ficar fora da disputa em São Paulo em prol de uma aliança competitiva capaz de abalar a direita. Desde 1988 o PT está no jogo na maior capital do país, vitorioso ou no segundo turno. Só que das oito disputas, o partido só venceu três: Luíza Erundina (1988), Marta Suplicy (2000) e Fernando Haddad (2012). Em 2016 a tradição se quebrou, com a eleição de João Doria (PSDB) logo primeiro turno, numa derrota esmagadora sobre Haddad.
O PT vai começar a definir as alianças eleitorais para 2020 agora. Antes, precisa montar sua Executiva Nacional, um processo delicado e em curso. Havia a ideia de colocar o senador Jaques Wagner (BA) na direção do partido exatamente para facilitar as pontes com outros grupos de centro-esquerda. Ponderado, o baiano assumiria, nos bastidores, o diálogo que institucionalmente caberia à presidente da sigla, reeleita, a deputada Gleisi Hoffmann. Mas até essa saída negociada para ampliar o campo da esquerda está sub judice, na visão de alguns. O senador não é de nenhuma corrente do PT e cada espaço na direção nacional é “milimetricamente disputado”, define um experiente petista. A palavra final será de Lula. Eis o PT, em sua prisão perpétua.
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Há entrelinhas na questão de ordem levantada pelo mais longevo ministro do Supremo, Celso de Mello, antes que os demais colegas começassem a proclamar seus votos sobre a prisão após condenação em segunda instância. O magistrado pediu a palavra para registrar os dez anos da “investidura” de Dias Toffoli como ministro do STF.
Em uma década, Toffoli chegou à presidência da Corte. Celso de Mello quis balizar o julgamento e deixar pronto o discurso do Supremo em reação ao impiedoso ataque que os ministros sofrem nas redes sociais. A esse exército, que o ministro classificou como “delinquentes que vivem na atmosfera sombria e covarde do mundo digital”, Celso de Mello mandou um recado: o Supremo é “imune a pressões ilegítimas”.
Os colegas do decano não parecem estar tão certos dessa imunidade nos dias atuais, mas ainda assim o magistrado continuou: “Parece essencial reafirmar aos cidadãos de nosso País que esta Corte (...) não transigirá nem renunciará ao desempenho isento e impessoal da jurisdição, fazendo sempre prevalecer os valores fundantes da ordem democrática e prestando incondicional reverência ao primado da Constituição”.
Ao se dirigir a Toffoli, o decano pontuou o papel do STF num momento em que se assiste a “surtos autoritários, inconformismos incompatíveis com os fundamentos legitimadores do Estado de direito”. Ponderações ao presidente da instituição que, para oposicionistas de Bolsonaro, criou muitas interfaces com o Planalto.
Ricardo Noblat: Uma esfinge chamada Rosa
A sorte de Lula depende dela
Ao sintonizarem, ontem, os canais de televisão que transmitiam a sessão do Supremo Tribunal Federal, os distraídos podem ter imaginado de início que assistiam a uma reprise de antigos julgamentos sobre a prisão de condenados pela segunda instância da Justiça. Os personagens eram os mesmos, os votos também.
A sessão foi suspensa com 3 votos pela manutenção da prisão em segunda instância contra 1. Será retomada esta tarde, mas só deverá ser concluída em novembro, em data ainda a ser marcada. Mas a sessão de logo mais servirá, quando nada, para que a ministra Rosa Weber, a esfinge do tribunal, leia o seu voto.
Os votos seguintes são previsíveis. O de Rosa é o único que não é. Primeiro porque ela é de pouca ou de nenhuma conversa com seus pares quando se trata de temas em julgamento. Segundo porque ela já votou uma vez favorável à prisão em segunda instância apesar de ser contra. Filigrana jurídica. Não vale a pena examinar.
Em resumo: a sorte da prisão em segunda instância está nas mãos de Rosa. O placar que outra vez se desenha é o de 6 a 5 – contra ou a favor da prisão em segunda instância. Lula terá de conter sua ansiedade e esperar mais algumas semanas para saber se será libertado ou se continuará mofando na cadeia.
Culto à personalidade de Toffoli
Um livro para falar bem dele
Quem do Poder Judiciário, convidado ou não, teria o desplante de faltar ao lançamento, ontem à noite, de um livro em homenagem ao ministro Dias Toffoli, presidente do Supremo Tribunal Federal? O comparecimento foi grande.
Foi o culto à personalidade mais escancarado que Brasília assistiu este ano. Toffoli celebra 10 anos como ministro. O livro reúne artigos de diferentes autores que analisam as principais decisões de Toffoli durante esse período. Uma louvação só.
O livro foi coordenado pelo ministro Alexandre de Moraes, companheiro de turma de Toffoli na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, em São Paulo, e o Advogado Geral da União, André Mendonça. Ambos pareciam felizes.
O local do lançamento foi o chamado Salão Branco do prédio do Supremo. Quem apareceu por lá para cumprimentar Toffoli e conseguir um autógrafo teve que passar por um aparelho de raio-X. Poucos se queixaram. Quem se queixou não revelou seu nome.
A segurança no prédio foi reforçada depois que Rodrigo Janot, ex-Procurador-Geral da República, disse que um dia entrou ali armado para matar o ministro Gilmar Mendes. Arrependeu-se quando estava com o dedo no gatilho do revólver.
Reprovado duas vezes em concurso para juiz de primeiro grau, sem ter feito doutorado ou mestrado nem escrito livro nenhum, Toffoli chegou ao Supremo por indicação de Lula, para quem advogou. Seu mandato como presidente termina no próximo ano.
Do que a família Bolsonaro tem mais medo
Rabo preso
De repente, não mais do que de repente, incomodado com a CPI das Fake News na Câmara que deverá convocá-lo para depor, o vereador Carlos Bolsonaro (PSC-RJ), o Zero Dois do presidente da República, se fez arauto da liberdade de expressão e escreveu no Twitter:
Boa! Oposição? Vamos lá falar umas verdades a esses porcarias.
Fora a guerra interna do PSL, deflagrada pelo presidente Jair Bolsonaro que tenta se apossar da chave do caixa milionário do partido, nada incomoda mais a nova família imperial brasileira do que a CPI que investiga a produção de falsas notícias. Cada um sabe onde tem o rabo preso.
Incompreensível, observam com ironia os desafetos dos Bolsonaros. Eles sempre negaram a produção e distribuição de notícias falsas pelas redes sociais, não foi? Jamais assumiram a autoria de uma só delas. Por que então estrebucham desesperados na maca? Têm medo do quê?
O frustrado embaixador que foi sem nunca ter sido, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), o Zero Três, suou a camisa como um condenado para impedir a instalação da CPI. Pintou e bordou. Acabou derrotado. É de se ver se como líder do PSL será mais bem sucedido. Improvável. Como líder, ele é um bom atleta.
A deputada Joice Hasselmann (PSL-SP), ex-líder do governo no Congresso, destituída do cargo pelo presidente da República, diz ter como provar a existência de uma milícia virtual, paga com dinheiro público, que produz notícias falsas de dentro do Palácio do Planalto. O tal do gabinete do ódio.
Estranho que só agora ela tenha descoberto isso. Hasselmann foi convidada para depor na CPI, bem como o Delegado Waldir, ex-líder do PSL na Câmara, e outra vítima do expurgo em curso dentro do partido sob o patrocínio dos Bolsonaros. É bom ter cuidado com essa gente que promete e depois recua.
Se a CPI for fundo de fato na apuração, poderá até não encontrar as digitais dos garotos e do seu pai nas falsas notícias que atingem a reputação de pessoas e de instituições que se opõem ou que simplesmente atrapalham os planos da família mais empoderada do país. Atrapalhar é suficiente para virar alvo.
Mas basta encontrar as digitais dos responsáveis pelo crime, e estabelecer a ligação entre eles e os Bolsonaros, para desatar uma crise política de grandes proporções com cheiro de impeachment e capaz de ameaçar a sobrevivência do governo. É o que teme a sagrada família. É o que pode vir a acontecer.
Vinicius Torres Freire: Próximo conflito - servidores federais
Sem cortar despesa com funcionários, teto de gastos e governo estouram em 2 anos
Nas próximas semanas, o governo começa um conflito sério com servidores federais e com todos os defensores de gastos obrigatórios mínimos com saúde e educação. Caso seja derrotado, é razoável esperar que o funcionamento da máquina do governo se torne inviável na virada de 2021 para 2022, no mais tardar.
“Inviável” significa não ter dinheiro para pagar despesas como serviços de tecnologia da informação dos quais dependem o funcionamento da Receita e do INSS, por exemplo, o que parece, na prática, impossível.
A alternativa seria dar cabo do teto de gastos, um enorme revertério, vetado pelo menos pela equipe econômica de Jair Bolsonaro.
O talho, portanto, teria de ser aprovado até o ano que vem, ano de eleição: mais conflito.
“Conflito” significa criar uma regra extra de contenção de despesas que implica, de um modo ou de outro, o corte de salários do funcionalismo, o que em tese inclui militares, Polícia Federal e professores das universidades federais, para citar apenas categorias politicamente sensíveis. A depender da regra de contenção que venha a ser aprovada, o corte de despesas com o funcionalismo pode durar anos seguidos.
Além disso, pretende-se dar fim da obrigação constitucional de gastar um mínimo em saúde e educação.
No caso estadual e municipal, a norma talvez seja relaxada: seria garantido um mínimo para a soma de gastos em saúde e educação, cabendo a cada Assembleia ou Câmara de Vereadores decidir a prioridade, o que é racional. Algumas cidades são obrigadas a fazer gastos inúteis ou de fantasia em escolas que não precisam mais de verba, enquanto postos de saúde não têm ultrassom ou gaze. Mas passemos, pois esta é a parte suave do ajuste.
Já existe uma regra para limitar o gasto com servidores caso a despesa estoure o teto de gastos, norma no entanto complexa e que, de qualquer maneira, chove no molhado: não evita o colapso. Tanto governo como a liderança do Congresso pretendem, pois, estipular um teto dentro do teto de gastos.
De quanto seria esse limite? O pessoal do governo diz que ainda não fechou a conta. Assim que a despesa corrente (que exclui investimentos) atingir uma certa porcentagem da receita, os talhos seriam amplos, gerais e irrestritos.
Pretende-se que este limite permita o talho o quanto antes, com certeza para 2021. Quanto mais baixo for o valor deste teto dentro do teto, por mais tempo o governo teria autorização para enxugar a despesa com servidores. Na conta mais radical, a lipoaspiração prosseguiria a perder de vista.
No Congresso, há um projeto nesta linha. O governo pretende mandar um projeto complementar, na semana que vem, como se sabe. É uma guerra a menos de dez meses da campanha eleitoral de 2020; é improvável que a mudança seja votada antes do final deste ano.
Note-se também que a discussão da reforma Previdenciária não acabou, apesar de aprovadas mudanças propostas pelo governo federal. Tramita ainda emenda constitucional que pode facilitar a adoção da reforma por estados e municípios e até uma ou outra emenda na reforma já aprovada.
Há quem acredite que a reforma do funcionalismo vai passar, assim como passou quase sem resistência a trabalhista e, mais suavemente do que se previa, a da Previdência.
É, pode ser. Isso quereria então dizer que as corporações do funcionalismo vão ficar quietas e que o Congresso vai continuar a votar planos de sucesso para o governo sem levar nada em troca.