Day: outubro 16, 2019
Política Democrática #53
Revista Política Democrática Ano XVIII - Nº 53
Pedras e demônios
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Política Democrática #52
Revista Política Democrática Ano XVII - Nº 52
Desfazer as confusões
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Vera Magalhães: Quem tem medo de CPI?
Revelações de uma conexão entre Planalto e uma rede de blogueiros e youtubers para destruir reputações viram combustível no Congresso
A briga no PSL e a revelação, por meio de reportagem da revista Crusoé, de uma conexão entre o Palácio do Planalto e uma rede de blogueiros e youtubers, alguns dos quais com cargos em gabinetes no Executivo e no Legislativo, para destruir reputações e até derrubar ministros viraram combustível para a CPI das Fake News. E o olavo-bolsonarismo está em polvorosa.
Flagrado em conversas para queimar o então ministro Carlos Alberto Santos Cruz por meio de sites amigos, o assessor especial da Presidência Filipe Martins acusou o golpe e sentenciou no Twitter, diante da possibilidade de ser convocado pela CPI: “Vamos pro pau!”.
Não é de hoje que o discípulo de Olavo e Steve Bannon usa as redes sociais para convocar uma espécie de cruzada da nova direita contra o establishment, assim entendido difusamente como qualquer instituição ou indivíduo que ouse divergir do presidente.
Agora, flagrado articulando a partir do palácio para abater inimigos – no caso de Santos Cruz, um que se opunha ao aparelhamento de órgãos, agências e ministérios por olavistas e ao uso de verbas de publicidade para aquinhoar amigos do rei –, acusa a CPI das Fake News de ser uma tentativa de cerceamento à liberdade de expressão.
O fato é que a cisma no PSL ajudou a expor a divisão profunda da direita.
Vejamos o que já está na praça:
1. Denúncia de “rachadinha” no gabinete do deputado estadual por São Paulo Gil Diniz, preposto da família Bolsonaro, ex-assessor de Eduardo e preferido do clã para a disputa da prefeitura da capital, no lugar da líder do governo no Congresso, Joice Hasselmann;
2. Acusado pelo senador Major Olímpio, Eduardo Bolsonaro revida insinuando que pode ter ajudado a abafar tentativas de convocação de seu suplente, Alexandre Giordano, para explicar possíveis negócios de lobby em Itaipu. Trata-se de mais um disparate, porque a acusação é de ligação do empresário paulista justamente com a família Bolsonaro.
3. Ameaça de expulsão do PSL de vários deputados ligados ao clã Bolsonaro, e
4. Os inquéritos em várias seções que investigam o uso de candidaturas laranjas de mulheres para distribuição do fundo eleitoral.
Portanto, será a briga interna na direita que vai causar mais problemas para o bolsonarismo que a desarticulada e sempre reativa oposição. Isso na CPI das Fake News e fora dela.
Câmara tem pouca chance de vencer ‘corrida’ com STF
É mais um sinal de desarticulação política a tentativa de a Câmara travar uma corrida com o Supremo Tribunal Federal (STF), a partir da Comissão de Constituição e Justiça, para tentar, em cima da hora, votar uma proposta de emenda à Constituição que estabeleça de uma vez por todas a prisão após condenação em segunda instância.
Isso porque o STF deverá concluir o julgamento da Ações Declaratórias de Constitucionalidade sobre o tema na semana que vem. E também porque não há evidência nenhuma de que exista maioria para se aprovar uma PEC com esse teor, pelo fato de muitos parlamentares serem já investigados ou temerem se tornar alvos de ações no futuro.
Diante disso, a bola está mesmo, e de novo, com o Supremo. Mais especificamente com Rosa Weber. Resta saber se ela, depois de avaliar, há um ano e poucos meses, que era cedo para se rever uma jurisprudência e causar rebuliço processual e jurídico, acha que agora já está na hora.
Elio Gaspari: O fator 'Lula Livre'
Bolsonaro criou agenda de antagonismos, mas não regularizou a quitanda do governo
Lula deixará a carceragem de Curitiba. Talvez seja logo, talvez demore algumas semanas ou poucos meses. Quando isso acontecer, alterará o medíocre cenário político que se instalou no país. Os problemas de Pindorama são bem maiores que a caixa do PSL e os bate-bocas do senador Major Olimpio chamando os filhos do presidente de "príncipes" e sendo chamado por um deles de "bobo da corte".
No final do mês completa-se um ano da vitória de Jair Bolsonaro e de uma espécie de amnésia em relação aos 47 milhões de votos (45%) obtidos pela chapa petista. Nem todo mundo que votou no capitão queria um governo como o que se instalou.
Livre ou, pelo menos, falando à vontade, Lula ocupará um espaço que há um ano seria impensável. Isso porque Bolsonaro conseguiu criar uma agenda de antagonismos incendiária e cosmopolita, porém incapaz de regularizar a venda de berinjelas pela quitanda do governo.
O capitão alimenta contrariedades, mas não enfrenta algo que se possa chamar de oposição. Sergio Moro e a Lava Jato não são mais o que foram e o discurso da lei e da ordem desembocou numa constrangedora necropolítica.
Num de seus telefonemas grampeados, falando com o então vice-presidente Michel Temer, Lula disse que o combate à corrupção, encarnado por Moro, "foi sempre um alimento para golpistas no mundo inteiro, e quem ganhou foi a negação da política".
Exagerava, mas horas depois Moro explodiu sua nomeação para a chefia da Casa Civil liberando impropriamente a gravação de um telefonema de Dilma Rousseff. (Moro determinara o fim do grampo às 11h12 daquele dia e o telefonema de Dilma ocorreu às 13h22. A conversa com Temer das 12h58 só foi revelada em setembro passado.)
Um braço da Lava Jato varejou o gabinete do líder do governo no Senado, doutor Fernando Bezerra Coelho. Ele foi ministro da Integração Nacional de Dilma e seu filho foi ministro de Minas e Energia de Temer. Bolsonaro manteve o senador na liderança de sua bancada. Como disse o príncipe de Salinas, do "Leopardo", as coisas mudam, para pior. Lula ajudou a criar essa piora, mas, do jeito que ela está, não faz parte dela.
O fator Lula Livre tem muito de imprevisível. Afinal, ele mesmo já se definiu como uma "metamorfose ambulante". Olhando-se para os 40 anos de sua atividade política, pode-se apenas especular que repita o jogo de espelhos em que usa um discurso radical e moralista para assustar os adversários, transformando-se em seguida num tolerante moderado capaz de pacificar suas próprias fileiras, apagando incêndios que ajudou a soprar.
Esse foi o dirigente sindical de grandes greves perdidas do ABC e esse foi o "sapo barbudo" do temido PT do final do século passado. Esse foi também o candidato a presidente que em 2002 assustou o andar de cima e adoçou-o com a "Carta aos Brasileiros" de Antonio Palocci. Ele viria a se transformar num petista milionário, quindim dos amedrontados.
Mesmo na carceragem de Curitiba, esse foi o cacique que bancou a permanência de Gleisi Hoffmann na presidência do partido, contendo articulações mais moderadas. A moderação, quando tiver que vir, se vier, virá dele.
Bruno Boghossian: Bolsonaro recebe os primeiros pingos da tempestade do PSL
Laranjal fabrica grupo de oposição dentro de casa e cria risco para o presidente
Os deputados da comissão que discute mudanças na aposentadoria de militares ficaram confusos. Nesta terça (15), o PSL se posicionou contra uma proposta do governo e se aliou ao PSOL para tentar ampliar benefícios de patentes mais baixas. "Como discípulo de Bolsonaro, eu venho avisar que o PSL vai se manifestar dessa forma", ironizou o líder da sigla, Delegado Waldir.
O presidente começou a receber os pingos da tempestade provocada pelo escândalo do laranjal do PSL. A disputa pelo controle da máquina partidária, turbinada pelo próprio Bolsonaro, fabricou um grupo de oposição dentro de sua própria casa.
A operação realizada contra o presidente do partido de Bolsonaro, suspeito de desviar dinheiro de candidaturas femininas, aprofundou uma divisão que já parecia irreversível.
Em 24 horas, a Polícia Federal pôs de pé uma operação na casa do deputado Luciano Bivar. Aliados dele acreditam que a ação foi feita sob medida para alimentar o discurso de Bolsonaro contra a cúpula da sigla e abrir a porta para a debandada de deputados do PSL rumo a outro partido. A PF investiga esse caso há meses, mas só agora obteve autorização judicial para buscar documentos. A teoria foi suficiente, entretanto, para dar início a uma guerra.
Bolsonaro só não calculou as possíveis retaliações. Além da questão dos militares, o líder do PSL também se alinhou à esquerda na votação de uma medida que reorganizou a estrutura dos ministérios do governo.
O presidente enxerga no laranjal uma maneira de enfraquecer Bivar. Ele conhece bem, no entanto, o risco fabricado pela interseção entre esses casos e sua própria candidatura.
Os responsáveis pelo esquema em Minas guardavam uma planilha com gastos de campanhas que beneficiaram também a chapa presidencial. O próprio Bivar já disse à Folha, numa entrevista em fevereiro: "Qual era o objetivo da nossa campanha? Era o presidente da República. Então qualquer candidato que distribuísse o número 17, que foi o grande marketing nacional, seria importante".
Cristiano Romero: Receita para lidar com crise de 2008 se esgotou
Os sinais de desaceleração da economia mundial, com risco de uma recessão global, estão por toda parte
Maior economia da zona do euro, a Alemanha já pode estar em recessão, uma vez que seu Produto Interno Bruto (PIB) encolheu 0,1% no segundo trimestre e, de julho a agosto, segundo estimativas de consultorias europeias, pode ter recuado novamente. Crescimento negativo por dois trimestres consecutivos caracteriza uma recessão. Os sinais de desaceleração da economia mundial, aparentemente “coordenada”, com risco de advento de uma recessão global, estão por toda parte.
A poucos dias de concluir seu mandato, o presidente do Banco Central Europeu (BCE), Mario Draghi, fez apelo dramático para que os países da União Europeia (UE) e os países ricos em geral promovam políticas de expansão fiscal. O pano de fundo da exortação de Draghi, que entrega o cargo em 1º de novembro a Christine Lagarde, ex-diretora do Fundo Monetário Internacional (FMI), é preocupante por mais de uma razão.
Como a taxa de juros fixada pelo BCE já está negativa em 0,5% e isso, pelo jeito, não está sendo suficiente para reanimar as economias da UE, esgotou-se o uso da política monetária como instrumento para prevenir recessões ou enfrentar crises como a de 2008. A quebra de grandes bancos e empresas na ocasião, além da destruição das economias de milhões de investidores e aposentados, levou os bancos centrais dos Estados Unidos, da Inglaterra, da União Europeia e do Japão a lançar mão de uma medida heterodoxa: a compra de títulos emitidos pelos respectivos governos para forçar a queda das taxas de juros de longo prazo, de forma a estimular as empresas a investir.
Nos EUA, além de reduzir fortemente os juros, o Federal Reserve (Fed) comprou à mancheia títulos do Tesouro americano e hipotecas. Em abril de 2017, seu balanço acumulava US$ 4,5 trilhões em ativos, algo jamais visto. Levou tempo, mas a estratégia deu certo e a economia americana engrenou no momento seguinte num longo período de crescimento. Na Europa, o BCE adquiriu também papéis privados. A zona do euro, enfim, se levantou, mas num prazo maior e com menos intensidade que os EUA.
Os manuais dizem que bancos centrais não devem financiar nem governos nem empresas, logo, durante a Grande Recessão fecharam-se os olhos para os pecadilhos cometidos, afinal, a confusão se mostrava mais grave e desafiadora, na opinião de muitos economistas, do que a Crise de 1929. Como “as consequências vêm depois” (Marco Maciel, depois do Barão de Itararé), muitos países saíram da crise altamente endividados do ponto de vista das contas públicas. Por causa disso, começaram a adotar medidas de austeridade fiscal.
Os bancos centrais, por sua vez, iniciaram a caminhada de volta para casa. Em meados de 2013, o Fed anunciou que chegou o momento de interromper a compra mensal de papéis. Deixou claro também que, em algum momento, os juros voltariam a subir, depois de demorado recesso. A economia crescia e o dragão da inflação, advertia o BC americano, poderia acordar depois de longa inatividade.
A necessidade de normalização da política monetária tirava - e ainda tira - o sono de muita gente. Temia-se o óbvio e o não tão óbvio assim, afinal, estava-se diante de algo inédito, que ninguém teve coragem de afirmar, na largada, que daria certo. A preocupação óbvia, mais na Europa que nas demais economias avançadas: elevar juros naquele momento poderia abortar a recuperação pós-crise. A menos óbvia era uma indagação: o que ocorrerá com os preços dos ativos nos mercados quando os bancos centrais começarem a se desfazer dos papéis públicos e privados para equilibrar seus balanços.
O Fed teve dificuldade de iniciar o desmonte de sua política de afrouxamento monetário porque uma das justificativas não se materializava: mesmo com a economia crescendo em ritmo acelerado, a inflação ficou comportada. Ciclos econômicos têm fim porque, num dado momento, não há mais trabalhadores disponíveis no mercado e os que estão nas fábricas começam a receber convites para mudar de emprego. Ato contínuo, os salários sobem, pressionam o custo unitário do trabalho e, portanto, a inflação.
Zelador do poder de compra da moeda, o banco central reage à saliência inflacionária elevando os juros e contendo a quantidade de moeda em circulação da economia - é perverso, mas é a realidade: diante de um cenário como o citado, os bancos centrais estimam a quantidade de trabalhadores que precisam perder o emprego para conter determinada fatia da demanda e, assim, reduzir a inflação à meta definida pelas autoridades, no caso dos países onde o BC não possui autonomia assegurada em lei.
Em 2015, o Fed começou a aumentar os juros e, desde 2018, a se desfazer dos títulos de sua carteira. O PIB americano continuou crescendo, a inflação não se manifestou de maneira perigosa e a taxa de desemprego caiu aos menores níveis em cinco décadas - em setembro, 3,5% ou pleno emprego, o que significa dizer que só não está trabalhando quem não pode (pessoas desabilitadas física ou mentalmente e por causa da estatística, que captura “desempregados” quando, na verdade, são trabalhadores mudando de emprego).
Nos últimos meses, porém, surgiram sinais de desaceleração inquestionáveis, especialmente, na Alemanha, carro-chefe da Europa.
O ativismo monetário foi imediatamente acionado. Desde maio, nada menos que 18 países (contando a zona do euro como um só), inclusive, a Ilha de Vera Cruz, vêm cortando os juros. O Fed voltou a cortar juros e o BCE a comprar títulos, a mesma receita da crise de 2008. Vai funcionar desta vez?
“O ‘zero lower bound’ [o limite zero, numa tradução livre] da política monetária não só foi rompido - já há taxas de política monetária abaixo de zero, como a do BCE -, como já se acumula uma montanha de US$ 17 trilhões de títulos de rentabilidade negativa nos mercados mundiais. E, no entanto, a reação da demanda na economia real continua a decepcionar, ao mesmo tempo em que se teme que haja uma bolha de renda fixa no mundo, com os BCs a alimentar as compras de papéis por preços cada vez maiores (o que resulta em rentabilidades crescentemente negativas)”, diz Luiz Guilherme Schymura, diretor do Ibre, da FGV.
Ricardo Noblat: Bolsonaro soube antes da operação policial contra Bivar
Quem não pode, pode
Admitir, ele jamais poderá fazê-lo. Tampouco o ministro Sérgio Moro, da Justiça e da Segurança Pública. Mas o presidente Jair Bolsonaro foi avisado com antecedência de que a Polícia Federal faria uma busca de documentos no apartamento do Recife do deputado Antônio Bivar, presidente do PSL e seu desafeto.
Foi uma madrugada de satisfação para Bolsonaro. Logo ele que costuma queixar-se de insônia e aproveita as madrugadas para se recolher à área do seu quarto no Palácio da Alvorada reservada para guardar roupas e, dali, dispara mensagens pelas redes sociais e às vezes chora com o que lê a seu respeito.
Em obediência aos costumes estabelecidos há muito tempo e em respeito à sua autonomia, a Polícia Federal sempre manteve em segredo as suas atividades. No caso de operações contra estrelados da República, o máximo que acontecia era que a informação só era passada para o ministro da Justiça uma hora antes.
Os costumes foram para o beleléu desde a chegada ao posto do ex-juiz Moro. O próprio Bolsonaro já admitiu em público que teve acesso por meio do seu ministro a dados sigilosos de inquéritos abertos pela Polícia Federal. É o que ele espera que aconteça na órbita do novo Procurador-Geral da República, Augusto Aras.
Ao dar posse a Aras, Bolsonaro lhe pediu que informasse ao governo sobre eventuais irregularidades que possam estar em curso de modo a que tudo possa ser corrigido antes de se transformar em um grande problema. De certa forma, Moro já está fazendo isso no que lhe compete – e também no que não compete.
A farsa da obstrução do PSL
Rebelião para inglês ver
Quando foi posta em votação, no início da noite de ontem, a Medida Provisória 886 assinada pelo presidente Jair Bolsonaro e que tratava da reestruturação administrativa da Casa Civil e da Secretaria do Governo, fez-se o espanto no plenário da Câmara.
Por meio do seu líder, o Delegado Waldir, o PSL anunciou: “Estamos em obstrução”. Ou seja: o PSL de Bolsonaro, solidário com seu presidente Antônio Bivar, alvo de uma operação da Polícia Federal, negaria seus votos à aprovação da medida.
Juntava-se naquele momento ao PT, PSB, PDT, PSOL e PC do B para derrotar o governo. Waldir está com Bivar e não abre. Satisfeito com seu gesto, até deu uma palmadinha nas costas do líder do governo na Câmara, Major Vitor Hugo (PSL-GO).
A obstrução do PSL durou uma hora, se tanto. Não era para valer, era só para dar um susto no governo e evitar que levassem falta deputados do partido que estavam reunidos no gabinete de Waldir discutindo outros assuntos.
A Medida Provisória acabou aprovada com os votos dos deputados do PSL.
FAP lançará livro Jalapão, Ontem e Hoje, de Pedro Geiger e Willian Menezes, no RJ
Obra contempla análises dos autores sobre a região, divididas 70 anos uma da outra
A FAP (Fundação Astrojildo Pereira) lançará, no dia 1º de novembro, o livro Jalapão, Ontem & Hoje, dos geógrafos Pedro Pinchas Geiger e Willian Guedes Martins Defensor Menezes. O evento será realizado, a partir das 19 horas, na Livraria da Travessa, na Rua Visconde de Pirajá, em Ipanema, no Rio de Janeiro.
A obra foi idealizada pelo professor Pedro Geiger, um geógrafo com enorme importância para o país. A ideia surgiu com a proposta de unir o trabalho dele resultante de uma excursão em Jalapão, em 1943, e a tese de doutorado que Willian apresentou na UFBA (Universidade Federal da Bahia), após desenvolver pesquisa na região entre 2012 e 2014.
Os dois períodos distintos da obra guardam profundas relações da história de um pedaço relevante do Brasil. “O livro conta aventuras ocorridas durante uma excursão. Faz uma classificação inédita sobre categorias de cidades”, explica Geiger, ressaltando que realizou a excursão na região para completar o mapa do Brasil, conforme relatório produzido para o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
A busca por compreender as transformações no Jalapão e região está entre as inspirações do livro. Dentre as mudanças, estão as que ocorreram em seus chapadões, por onde passou a excursão do IBGE em 1943. Antes, essas áreas eram cobertas pelo cerrado e utilizadas coletivamente por comunidades tradicionais, cujo acesso era por meio do lombo de animais ou navegando por rios. Hoje, porém, a região está ocupada por modernas fazendas de soja e algodão.
“Acredito que esse livro seja uma viagem prazerosa no tempo e também um convite a refletir sobre os atuais processos globais que estão no cotidiano daquela região”, diz Menezes. “Leitura importante para entender as mudanças radicais que ocorreram em certas áreas do Jalapão e do seu entorno”, destaca ele.
De acordo com Willian, o livro extrapola os limites do que é o Jalapão, pois, segundo ele, apresenta dinâmicas desde a cidade de Barra, na foz do Rio Grande com o Rio São Francisco, e áreas do Piauí. “Isso é fundamental para entender o próprio Jalapão, é enriquecedor”, pondera o autor.
A descrição das paisagens feita por Geiger é uma porta de entrada para o debate de diversos processos sociais e naturais. A obra, no entanto, discute dinâmicas não só do Jalapão, mas de grande parte do seu entorno, passando por áreas do Piauí, Maranhão e do Vale do Rio Preto, na Bahia, até sua foz no Rio São Francisco.
O município baiano de Formosa do Rio Preto, por onde percorreu a excursão do IBGE de 1943, teve a paisagem de suas chapadas transformadas pela expansão de commodities agrícolas, algo impensado naquele período e que hoje é uma de suas características. “O livro abre uma discussão dessas mudanças e convida o leitor a refletir sobre questões importantes para o futuro do Jalapão e também do Brasil como um todo”, afirma Willian.
A capa do livro foi produzida pela consagrada artista brasileira Anna Bella Geiger, mulher de Pedro Geiger.
Míriam Leitão: O dia em que Lula ajudou Bolsonaro
Dinheiro que serve de moeda de troca para o governo Bolsonaro neste primeiro ano veio do governo Lula. E por um erro
Por ironia, a melhor notícia econômica que está sendo colhida neste primeiro ano do governo Bolsonaro foi plantada no governo Lula. Só há o excedente de petróleo para ser leiloado porque foi feita uma operação complexa que terminou elevando a participação do governo na Petrobras, e ao mesmo tempo a empresa ganhou o direito de explorar 5 bilhões de barris no pré-sal. A área era mais promissora do que o imaginado e esse óleo “excedente” será o superleilão do mês que vem.
O dinheiro que sairá dessa operação tem mil e uma utilidades. Entrará nos cofres do Tesouro este ano e no próximo. Está azeitando toda a relação com estados e municípios. É moeda de troca na construção do apoio aos projetos do governo, apesar de o presidente Bolsonaro passar a maior parte do tempo criando atritos com o Congresso e com os governos estaduais. Quando o diálogo azeda, o governo sempre acena com essa isca: a distribuição do dinheiro do leilão do excedente da cessão onerosa.
Não foi uma proposta visionária do governo Lula. Bem ao contrário. Ele suspendeu os leilões quando o petróleo estava em torno de US$ 100, e o Brasil era considerado o melhor local de investimento. Ficaram suspensos por cinco anos e o país perdeu tempo, dinheiro e investimentos. Isso afastou empresas e interrompeu o crescimento da indústria de óleo e gás. O ex-presidente da ANP David Zylbersztajn acha que o que for arrecadado agora com esse petróleo vai apenas atenuar o prejuízo. O erro começou na nona rodada de petróleo. Mais precisamente no dia 8 novembro de 2007.
—O governo retirou 41 áreas do pré-sal do leilão. Foi por ideologia e não motivação econômica. Se as áreas tivessem saído, o pré-sal licitado já estaria produzindo há algum tempo, pelo menos cinco anos, gerando royalties, participação especial, encomendas para a indústria. O que hoje vai ajudar a reduzir o buraco nas contas teria melhorado muito a situação fiscal nos últimos anos —explica Zylbersztajn.
O governo na época achou que seria mais vantajoso mudar o modelo de concessão para partilha. Na concessão, ganha quem pagar mais pelo direito de explorar aquele campo, na partilha, ganha quem oferecer mais óleo para o governo. Na época se dizia que a vantagem é que o país continuaria dono do petróleo.
— As 41 áreas não foram a leilão e entrouse numa discussão sobre o modelo que durou cinco anos. Isso paralisou o setor e quebrou uma cadeia de futuro. O barril na época estava a US$ 100 porque não havia acontecido a crise financeira de 2008, não havia sido descoberto o shale gas americano, o México não tinha mexido no seu modelo, o petróleo do Irã não estava no mercado. Havia muita liquidez e os investidores estavam dispostos a pagar muito mais —conta David.
Veio a crise, a economia global afundou e o Brasil ficou ainda discutindo como mudar o modelo de exploração do petróleo:
—A produção seria no mínimo 50% maior do que é hoje. Esse dinheiro ficou parado, não rendeu, o petróleo se desvalorizou, não gerou benefícios para a sociedade.
Para tentar corrigir essa paralisia do setor, três anos depois dessa suspensão da venda do petróleo do pré-sal, o governo Lula fez, em 2010, a operação de cessão onerosa. Por ela, o governo emitiu dívida no valor de R$ 75 bilhões, entregou parte ao BNDES para ele aumentar sua participação na estatal, outra parte entregou à própria Petrobras que, por sua vez, pagou pelo direito de explorar 5 bilhões de barris. Depois de oito anos começou a ser feito o encontro de contas. Em vez dos cinco bilhões de barris, tinha sido prospectado um volume que pode chegar a 17 bilhões de barris.
A negociação com a Petrobras sobre o acerto de contas começou no governo Temer, mas terminou este ano. Esse petróleo a mais é que está sendo licitado em 6 de novembro. O governo Bolsonaro colhe assim a parte boa. O leilão arrecadará R$ 106 bilhões.
Esse valor é que foi negociado com estados, municípios, parlamentares. Ontem o Senado aprovou a divisão do dinheiro entre a Petrobras, o Tesouro, os governos estaduais e os municípios. Foi a grande moeda de troca do governo Bolsonaro até o momento. E veio dessa complicada operação feita no governo Lula. Para David Zylbersztajn, “o Brasil perdeu a janela de oportunidade que nunca vai acontecer novamente”. O único que não pode reclamar é o governo Bolsonaro.
Bernardo Mello Franco: Não há inocentes na guerra pelo comando do PSL
A tropa do PSL chegou a Brasília fazendo arminha com os dedos e jurando lealdade ao governo. Agora se meteu num tiroteio generalizado, que periga atingir as vidraças do Planalto
Os deputados do PSL chegaram a Brasília fazendo arminha com os dedos e jurando lealdade ao governo. Agora a tropa se meteu num bangue-bangue generalizado, que periga atingir as vidraças do Planalto.
Jair Bolsonaro deu o primeiro tiro na semana passada, numa tentativa de tirar o partido das mãos de Luciano Bivar. Ontem a Polícia Federal ampliou a ofensiva, com uma operação que revirou dois endereços do deputado em Pernambuco.
A batida foi ordenada pela Justiça Eleitoral, mas veio em timing perfeito para os bolsonaristas ameaçados de expulsão da sigla. Os aliados de Bivar notaram a coincidência e abriram fogo contra o governo.
No mesmo dia, os líderes do PSL na Câmara e no Senado trocaram chumbo com filhos do presidente. Na Câmara, a guerra fratricida foi ainda mais longe. O partido se aliou à oposição e sabotou uma medida provisória para derrotar o Planalto.
Não há inocentes nesse confronto. Bolsonaro e Bivar travam uma disputa por poder e dinheiro do fundo partidário. O deputado parecia estar em vantagem até entrar na mira da PF, que é subordinada ao ministro Sergio Moro.
Os bolsonaristas apostam no escândalo das candidaturas laranjas para destronar o dono da sigla. No entanto, não explicam por que o presidente protege o ministro do Turismo, indiciado pelas mesmas práticas em Minas Gerais.
Ocaso de Marcelo Álvaro Antônio está mais avançado que o de Bivar. Ele foi denunciado pelo Ministério Público na última sexta, sob acusações de falsidade ideológica, associação criminosa e apropriação indébita.
A guerra fratricida no PS L tem potencial para provocar novos estragos ao Planalto. O chefão do partido não deve largar o osso facilmente como Gustavo Bebianno, que ocupou sua cadeira nas eleições e durou menos de dois meses no governo.
O ex-ministro ameaçou revelar segredos da campanha, mas baixou as armas e saiu de cena. A julgar pela fúria de seus aliados, Bivar não parece disposto a negociar um cessar-fogo.
Merval Pereira: Zonas de interpretação
A exigência de culpabilidade apenas depois do ‘trânsito em julgado’ é considerada cláusula pétrea da Constituição
Em paralelo à discussão conceitual sobre a prisão em segunda instância, que prevalece nas principais democracias ocidentais quando a prisão não é decretada logo na condenação em primeira instância, como nos Estados Unidos, há uma vasta área cinzenta de interpretação constitucional.
Caso uma provável mudança da jurisprudência recente do STF saia do julgamento que começa amanhã, dependerá de interpretação a decisão sobre que presos serão afetados. O presidente da Associação Nacional do Ministério Público (Conamp), Victor Hugo Azevedo diz que homicidas e estupradores poderão ser soltos.
Ministros do STF, mesmo alguns que se dizem a favor da segunda instância, acreditam que esse argumento terrorista não tem lógica, pois os presos perigosos podem ficar presos provisoriamente.
Os números que estão sendo apresentados pelos que defendem a jurisprudência atual, que permite a prisão após decisão dos Tribunais Regionais Federais, são considerados exagerados pelos defensores da mudança, como o ministro do STF Gilmar Mendes.
Ele considera que é impossível que 170 mil presos sejam beneficiados. Mesmo estimando que todo o acréscimo de encarcerados de 2016 (quando mudou a jurisprudência do STF) a 2019 seja resultado direto da decisão do Supremo, ainda assim teríamos um total de 85.300 presos possivelmente beneficiados.
Esse cálculo de 170 mil presos se basearia em uma compreensão equivocada do que seja “prisão provisória”, a única maneira de poder prender um condenado antes do trânsito em julgado, caso vença essa tese.
Ela independe de decisão condenatória, de primeira ou de segunda instância. Segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), hoje 40% do sistema prisional brasileiro são de presos provisórios. A prisão é justificada pelo artigo 312 do Código de Processo Penal: garantia da ordem pública, da ordem econômica, a conveniência da instrução criminal, ou a asseguração da aplicação da lei penal.
A exigência de culpabilidade apenas depois do “trânsito em julgado” é considerada cláusula pétrea, e está inserida no artigo 5º, LVII da Constituição: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.
É o que as Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADCs) utilizam para combater a prisão em segunda instância, alegando que ela é inconstitucional. Como se trata de uma cláusula pétrea, a opinião majoritária de juristas é que é impossível alterá-la, mesmo através de uma proposta de emenda constitucional (PEC) como a do deputado Alex Manente que está em tramitação na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) da Câmara.
No novo texto, ninguém seria considerado culpado “até a condenação na segunda instância”. O que é incoerente com a argumentação jurídica dos que defendem a prisão em segunda instância. Para esses, o mérito da condenação é julgado pelas primeira e segunda instâncias, e os recursos que restam não afetam a decisão, a não ser que sejam encontrados erros factuais nos tribunais superiores (STJ e STF).
Para se ter uma idéia, o número de processos revistos do STF das decisões do STJ é de 0,006%. Mas os condenados presos continuariam com o direito de recorrer, não sendo, portanto, considerados culpados até o fim dos recursos.
Há ainda um argumento que foi apresentado pelos ministros do STF Luis Roberto Barroso e Luis Fux em recente julgamento de um habeas corpus do ex-presidente Lula, diferenciando a “culpabilidade” da “prisão”.
No mesmo artigo 5º, no inciso LXI, que trata da prisão, está definido: “ninguém será preso senão em flagrante delito, ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei”.
O ministro Luiz Fux ressaltou que a decisão do tribunal TRF-4 determinando a prisão de Lula é “ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente”.
Têm-se, então que o artigo da Constituição que trata de “culpabilidade” e “prisão”, não podendo ser alterado, pois se refere aos “direitos individuais”, uma cláusula pétrea, só pode ser interpretado, e é o que está sendo feito a partir desta quinta-feira pelo Supremo Tribunal Federal.