Day: outubro 15, 2019

Alvaro Costa e Silva: A cruzada dos marombados

Dois deputados invadem o tradicional colégio Pedro 2º e recebem uma lição dos alunos

Na sexta-feira (11), dois deputados marombados —um estadual, outro federal— invadiram o colégio Pedro 2º, em São Cristóvão, com a desculpa de fazer uma vistoria. Segundo eles, tratava-se de “uma nova cruzada pela educação”. Como não tinham autorização para inspecionar o local, o reitor Oscar Halac tentou impedir a entrada dos dois na instituição fundada em 1837. Eles insistiram e, armados com celulares, fizeram imagens de crianças, também sem autorização.

No melhor estilo Festival de Besteiras que Assola o País, o marombado federal tentou se explicar: “Tiramos fotos de vários locais: de murais, de infiltrações, de salas de aula que tivessem livros ou qualquer coisa também. Nosso intuito não é ideologia. Contudo, se for visto ideologia, é evidente que também iremos catalogar e levar ao ministério para que eles também possam tomar medidas, caso haja medidas a serem tomadas”.

Pelo discurso incoerente e mal construído, o invasor faria melhor se voltasse aos bancos escolares. Mas preferiu parar em frente a um mural e questionar um cartaz com referência a mortes de crianças a tiro nas favelas. O diálogo travado a seguir foi puro Twitter. Reitor: “O número de mortes está imenso no Rio”. Marombado: “De bandido”. Reitor: “Mas tem criança de oito anos que não pode ser bandido”. Marombado: “Já fez a perícia?”. Reitor: “Pra saber se ela é bandida?”. Marombado: “Não, para saber se ela foi morta por policiais”.

Ambos foram expulsos pelos alunos, que improvisaram um coro: “Ô, Marielle, quero justiça, não aceitamos deputado da milícia”. Explica-se: os marombados são aqueles que, em setembro do ano passado, durante um comício, quebraram uma placa em homenagem à vereadora.

Se gostassem de ler e não de puxar ferro, eles conheceriam a obra de Nelson Rodrigues, para quem o aluno do Pedro 2º “é a única sanidade mental do Brasil”.


Ana Carla Abrão: Realidade que se impõe, liderança que se coloca

Apesar dos mais de 11 milhões de servidores, o setor público brasileiro não é dos que mais empregam no mundo como proporção da população

Evidências ainda mais contundentes em favor de uma urgente reforma na gestão de pessoas no setor público vieram à tona na última semana. No Estado, matéria de José Fucs trouxe dados compilados pelo Ministério da Economia que mostram a evolução das despesas de pessoal no serviço público federal nos últimos anos. Os números são mais uma prova de quanto a máquina pública no Brasil se descolou da realidade nacional e veio ocupando, com voracidade, espaço crescente nos orçamentos públicos.

Apesar dos mais de 11 milhões de servidores, o setor público brasileiro não é dos que mais empregam no mundo como proporção da população. Mas ele está no topo do ranking dos que mais gastam com salários e benefícios de servidores. A despesa de pessoal supera os 10% do PIB nos cálculos do Banco Mundial (13,1% pelos cálculos da OCDE), número muito superior ao que gasta o setor público de outros países que empregam parcelas maiores da população como, por exemplo, o Reino Unido. Parte dessa evolução é explicada pela trajetória do salário médio no serviço público brasileiro, cujo crescimento nas últimas duas décadas traça uma trajetória muito distinta daquela observada no setor privado. Com isso, o setor público no Brasil não só se tornou uma proteção garantida contra o desemprego, fruto da estabilidade prevista na Constituição Federal, como também vem garantindo ganhos reais de salários desvinculados da realidade econômica e de eventuais aumentos de produtividade.

Essas distorções se refletem num contexto de gastos excessivos, baixíssimos resultados e numa crescente deterioração da máquina pública. Como consequência, e apesar da quantidade de recursos gastos, ocupamos posições vergonhosas nos rankings globais de avaliação da qualidade dos serviços públicos, ou de eficiência dos gastos, conforme publicações da OCDE.

Aos números antecipados pela matéria do Estado, juntaram-se outros igualmente importantes divulgados pelo Banco Mundial no relatório Gestão de Pessoas e Folha de Pagamento no Setor Público Brasileiro. As comparações internacionais ressaltam as distorções do nosso modelo de gestão de pessoas no setor público. Em uma comparação com 53 países, o prêmio salarial do setor público federal em relação ao setor privado desponta e atinge 96%. Com salários crescendo a uma taxa média de 2,9% real nos últimos dez anos, os gastos com salários e benefícios já somam 22% dos gastos primários do governo federal. Destaque para os gastos com pessoal do Judiciário, que atingiram 13,8% do total de gastos de pessoal de 2018, equivalente a 0,61% do PIB.

Mas continua sendo nos Estados que o tema das despesas de pessoal é mais crítico e urgente. Das 27 unidades federativas, nada menos do que 20 apresentaram atraso no pagamento de servidores efetivos ou terceirizados. Prova inquestionável do descumprimento dos limites da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), está cada vez mais claro que não há mais espaço para contabilidades criativas ou argumentos que colocam na dívida com a União a causa do atual colapso financeiro dos entes subnacionais. A situação é reflexo de aumentos salariais médios reais superiores a 4% ao ano entre 2003 e 2017. Os dados até 2014 são ainda mais impressionantes. O crescimento anual real atinge 5,4% o que, com o crescimento de quase 1% ao ano no número de servidores, elevaram as despesas de pessoal no Estados em 6,4% ao ano em termos reais nesse período.

A trajetória de crescimento – tanto de salários quanto de contingente de servidores – está assentada em leis de carreiras que se multiplicaram Brasil afora. São milhares de leis, espalhadas nos três níveis da federação, e que precisam ser racionalizadas, revistas e consolidadas. Sem uma profunda reforma dessas leis – e portanto do modelo atual de serviço público, Estados continuarão quebrando e o Brasil não conseguirá atender às demandas urgentes da população, que dirá avançar na direção de um país mais moderno, desenvolvido economicamente e justo do ponto de vista social.

É nessa agenda que, mais uma vez, o governador Eduardo Leite do Rio Grande do Sul sai na frente. Em um vídeo divulgado na internet no início da semana passada, antes mesmo que os novos números nos chocassem, o jovem governador se dirige aos servidores do seu Estado convidando-os ao debate e convocando-os para construírem juntos a reforma das suas carreiras.

Com transparência, coragem e liderança, Leite enfrenta a realidade que se impôs e dá o pontapé inicial de uma reforma que, se feita de forma profunda e estrutural, deverá devolver o Estado aos gaúchos, a necessária motivação aos servidores e, ao governo, as condições de administrar e atender à população.

*Economista e sócia da Consultoria Oliver Wyman


Andrea Jubé: Supremo testa blindagem

Lula solto “desfulanizaria’ julgamento no STF

No começo de julho, o presidente do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli, comparou o colegiado à equipe do Capitão Nascimento: “quem está aqui, está todo dia numa Tropa de Elite, com todo mundo falando: pede pra sair". Ele afiançou que os ministros têm “couro” para resistir à pressão. Essa blindagem será testada no julgamento sobre a prisão após a condenação em segunda instância na sexta vez em que a Corte volta a debater o tema, a contar de 2009.

Se o clima não fosse de apreensão nos bastidores, com o STF sob bombardeio das redes sociais, o seguinte cenário não estaria sendo debatido: uma ala do tribunal acredita que se o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva aceitasse a progressão para o regime semiaberto aumentariam as chances de se formar a maioria contra a execução antecipada da pena.

Essa corrente argumenta que um cenário de Lula literalmente “livre” poderia “desfulanizar” o julgamento. Segundo esse grupo de ministros, com Lula solto, eventual declaração de inconstitucionalidade da prisão em segunda instância não seria recebida pela opinião pública como uma decisão “pró-Lula”.

De fato, os efeitos desse entendimento podem beneficiar cerca de 190 mil presos que segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), cumprem a pena antecipada.

Essa avaliação interna do Supremo foi levada a Lula, mas o presidente resiste a aceitar a progressão da pena. Ele espera que o STF julgue o habeas corpus onde requereu a anulação do processo relativo ao triplex de Guarujá invocando a parcialidade do ex-juiz Sergio Moro, hoje ministro da Justiça.

Lula está convicto de que a migração para o semiaberto fragiliza o discurso de “preso político”. Ele se veria submetido às mesmas condições que os ex-tesoureiros do PT João Vaccari Neto e Delúbio Soares: usaria tornozeleira, teria de morar em Curitiba e cumprir restrições de horários e de vida social. “Não quero uma pena mais leve, quero minha inocência”, disse à agência France 24.

Já o PT aguarda com ceticismo o julgamento porque dos três desfechos possíveis, apenas um deles beneficia Lula. 1) O STF pode manter o atual entendimento; 2) entender que a prisão após a condenação em segunda instância é ilegal; 3) modular o entendimento para que a execução provisória da pena comece logo após o julgamento do recurso pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), a terceira instância do sistema brasileiro.

Apenas a segunda hipótese favorece Lula, porque o petista teve o apelo na ação sobre o triplex rejeitado pelo STJ. Se não for compelido a migrar para o semiaberto, ele permaneceria detido na Superintendência da Polícia Federal em Curitiba porque já foi julgado pelo STJ.

Em julho, esta coluna informou que o ministro Alexandre de Moraes sinalizou a interlocutores o voto contrário à prisão em segunda instância. A se confirmar este aceno, o placar desta quinta-feira seria de 7 votos a 4 contra a execução da pena antes do esgotamento dos recursos.

Em abril do ano passado, no julgamento do habeas corpus que evitaria a prisão de Lula, Moraes posicionou-se a favor da prisão em segunda instância, e o placar favorável ficou em 6 votos a 5.

O placar esperado para quinta-feira é o seguinte: Dias Toffoli, Gilmar Mendes, Marco Aurélio Mello, Ricardo Lewandowski e Alexandre de Moraes julgariam inconstitucional a prisão em segunda instância. Parte deste grupo acompanha a modulação de Toffoli para que a detenção do condenado ocorra após a análise do apelo no STJ.
Luís Roberto Barroso, Edson Fachin, Luiz Fux e Cármen Lúcia votariam pela legalidade da prisão na segunda instância.

Como no julgamento anterior, Rosa Weber tende a acompanhar a maioria. E embora tenha julgado inconstitucional a prisão antecipada, o voto do decano Celso de Mello agora seria incerto, segundo uma fonte credenciada da Corte. São os votos de Moraes, Rosa Weber e do decano que podem formar o placar de 7 a 4.

O precedente favorável à prisão em segunda instância remonta a 2016, numa conjuntura de Operação Lava-Jato nas ruas e forte indignação popular. Por 6 votos a 5, o STF decidiu que um condenado deveria recorrer atrás das grades.

Dias Toffoli garante que a pressão social não influenciará os ministros. “Quem vem para cá tem que ter couro e tem que aguentar qualquer tipo de crítica”, afirmou no dia 1 de julho. Tomando a ferro e fogo a declaração, um cenário com “Lula preso” ou “Lula livre” não influenciaria a convicção dos julgadores.

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Em meio à vitória da aliança da esquerda na eleição para a Prefeitura de Budapeste, a ex-ministra e ex-prefeita de São Paulo Marta Suplicy começou a articular, sem alarde, a formação de uma frente única, encabeçada por ela, para concorrer à Prefeitura de São Paulo no ano que vem.

No último domingo, Gergely Karacsony derrotou o prefeito Istvan Tarlos, presidente do partido no poder - e aliado do primeiro-ministro Viktor Orbán - que tentava se reeleger. Karacsony atribuiu a vitória à unidade da oposição.

Marta, que está sem partido, se filiaria ao PDT, e concorreria com apoio de uma frente ampla formada por PSB, PCdoB e PT. O presidente do PDT, Carlos Lupi, diz que não há nada definido, mas um partido que mantém um candidato a presidente da República (Ciro Gomes) tem que ter candidato próprio na maior metrópole do país.

Lupi ressalva que a conversa com Marta ainda não ocorreu, e deve ser nesta ou na próxima semana. Ela está sem partido desde 2018, quando deixou o MDB sem tentar a reeleição ao Senado.

Mas a frente ampla sonhada por Marta não contaria com o PT. Petistas lembram que ela queimou todas as pontes quando deixou a sigla em 2015 atirando. Marta disse na época que o PT protagonizou "um dos maiores escândalos de corrupção que a nação brasileira já experimentou".

Ela também enfrentará resistência no PSB, que pretende lançar a candidatura do ex-governador Márcio França. No embate com João Doria em 2016, Marta ficou em quarto lugar, com 10% dos votos, atrás de Fernando Haddad (PT) e Celso Russomano (PRB).


Míriam Leitão: Combate à pobreza é o ponto central

Nobel mostra que queda da pobreza é necessária não só para reduzir distorções, mas para garantir aumento de produtividade

O prêmio Nobel de Economia deixa mais evidente, para quem ainda tinha dúvidas, que o combate à pobreza é parte central do desenvolvimento econômico e não um assunto lateral e complementar. E que a questão não está separada de outras políticas públicas, porque para um país ser bem-sucedido na tarefa de reduzir o percentual de pobres precisa ter também investimentos certos em educação e saúde. Os estudos dos vencedores de ontem entram em muitas outras áreas.

O economista Abhijit Banerjee é indiano-americano, cresceu em Calcutá. Esther Duflo é franco-americana. Eles fundaram o Laboratório de Ação contra a Pobreza no MIT onde trabalham. Os dois são casados e têm diversos trabalhos juntos em economia do desenvolvimento e combate à pobreza. Michael Kremer é professor de economia do desenvolvimento e economia da saúde em Harvard e é pesquisador associado a um centro de inovação para a ação das nações sobre a pobreza.

Os três se complementam, fizeram trabalhos juntos, tanto acadêmicos quanto de avaliação direta de políticas públicas. Duflos e Kremer estudaram, por exemplo, o impacto da oferta de escola secundária gratuita em Gana. Ela estudou o efeito do saneamento básico. A ideia principalmente do casal Banerjee-Duflo é usar o modelo de experimentos focalizados para estudar o combate à pobreza de forma ampla. Kremer fez inicialmente estudos no Kenya em meados dos anos 1990. Banerjee e Duflo fizeram pesquisas em Mumbai e Vadodara na Índia. Em outra análise, o casal verificou o impacto do acesso à infraestrutura no desenvolvimento da China. Esses trabalhos se transformaram no método padrão em economia do desenvolvimento.

A teoria de Kremer sustenta que as tarefas de produção executadas conjuntamente — em um ambiente em que várias pessoas com aptidões diferentes e complementares cooperam — elevam a produtividade. Essa complementariedade de aptidões seria, segundo ele, a chave da produtividade.

O comitê disse que eles juntos reestruturaram totalmente a economia do desenvolvimento e têm tido um claro impacto no combate à miséria no mundo. Principalmente “porque usam métodos de pesquisa experimental para identificar as políticas de intervenção mais efetivas para combater a pobreza”, segundo escreveu o jornal “Financial Times”.

Esther Duflo em entrevista ontem disse que o objetivo deles “é garantir que a luta contra a pobreza esteja baseada em evidências científicas”. Um dos estudos do trio mostra que apenas disponibilizar material escolar e os livros às crianças pode não ser suficiente para um bom aprendizado, que ocorre de forma mais eficiente com um ensino mais individualizado, mais feito sob medida.

Houve um tempo em que políticas de combate à pobreza não eram consideradas temas centrais na economia. Hoje, a economia se volta cada vez mais para a redução da pobreza e da desigualdade como forma não apenas de corrigir as distorções criadas pelo capitalismo, mas como única maneira de garantir aumento da produtividade e desenvolvimento. A escolha do Nobel de 2019 faz parte da tendência de instalar cada vez mais esse tema no centro do debate. Além disso, o comitê do prêmio ressaltou a forma com que os três sempre abordaram a questão: com métodos científicos de desenvolvimento de políticas, e com testes de avaliação da eficiência da política adotada.

O que impressiona nos três laureados ontem é a dispersão das áreas para as quais eles levaram seus estudos, que pode ser desde educação e saúde, segurança no trânsito, ação policial, saneamento, garantia de água potável, papel dos influenciadores e combate a determinados dogmas do ultraliberalismo. Em uma aula magna, chamada “aulas Tanner”, Duflo contesta a ideia de que o assistencialismo reduza a liberdade das pessoas.

Duflo é a segunda mulher a ganhar o Nobel de economia e a pessoa mais jovem laureada com o prêmio na área. Tem 46 anos. Banerjee, com 58, e Kremer com 54 anos, são também relativamente jovens para o Nobel.

Combate à pobreza é dever moral das sociedades civilizadas, mas o que os três laureados de ontem estimulam com seus trabalhos é a busca da forma mais eficiente, e cientificamente testada, de alcançar esse objetivo. E isso não por benemerência, mas sim porque essa é a questão central do desenvolvimento.


Bernardo Mello Franco: Marielle, 580 dias sem respostas

Wilson Witzel sancionou lei com nome de Marielle, mas se recusa a prestar informações atualizadas sobre o caso. Depois de 580 dias, as perguntas ainda são as mesmas

Hoje completam-se 580 dias do assassinato de Marielle Franco. Ontem a família contou um ano e sete meses desde a noite do crime. As datas se sucedem tanto que já deixaram de ser notícia. As perguntas permanecem as mesmas: Quem mandou matar? Por quê?

A vereadora foi fuzilada quando voltava para casa após um debate com jovens negras. Era conduzida pelo motorista Anderson Gomes, que ficou na linha de tiro e também morreu na hora. Os criminosos nem se preocuparam em simular um assalto. A execução à queima-roupa, no centro do Rio, deixou todos os sinais de um crime sob encomenda.

Em novembro de 2018, o então ministro da Segurança Pública denunciou uma “grande articulação envolvendo agentes públicos, milicianos e políticos” para impedir a elucidação do caso. Quase um ano depois, o público ainda assiste a um festival de fatos mal explicados e manobras de acobertamento.

No domingo, o portal UOL informou que a Polícia Civil alega ter perdido “imagens relevantes” guardadas num pendrive. O delegado que relatou o sumiço já havia tentado emplacar a versão de “crime de ódio”. Pela tese dele, matadores profissionais teriam tirado um único dia para trabalhar de graça.

O governador Wilson Witzel sancionou uma lei com o nome da vereadora, mas se recusa a prestar informações atualizadas sobre o caso. Um ofício da Anistia Internacional repousa em sua mesa desde o início de setembro. Pede o básico: uma apuração “célere, transparente, independente e imparcial”, que seja capaz de identificar os mandantes do crime.

“A gente compreende o sigilo das investigações, mas não o silêncio das autoridades”, diz a diretora-executiva da Anistia, Jurema Werneck. “Nenhum defensor dos direitos humanos está seguro no Brasil enquanto esse caso permanecer impune”, acrescenta.

Nas últimas semanas, Marielle foi homenageada no Rock in Rio e deu nome a um jardim público em Paris. Enquanto isso, o governo Bolsonaro censurou um programa da TV Brasil que mostrava sua imagem por míseros cinco segundos.


Merval Pereira: Poderes em conflito

Marco Aurélio pretende resumir seu parecer, a favor do trânsito em julgado, para ganhar tempo na tomada de decisão final

A decisão do presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Dias Toffoli, de incluir na pauta de quinta-feira a discussão das Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADCs) sobre a prisão em segunda instância trouxe de volta ao debate político a atuação paralela do STF com o Congresso.

Tramita na Câmara, não apenas no pacote anticrime do ministro da Justiça Sérgio Moro, mas também em um Projeto de Emenda Constitucional (PEC), a proposta do deputado Alex Manente, do Cidadania, de tornar definitiva a permissão para prisão em segunda instância.

A PEC, aliás, será analisada hoje na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) da Câmara, justamente devido à decisão do STF. O Supremo, que está desde 2017 com essas ADCs aguardando pauta, não deveria discutir o assunto agora, que o Congresso está tratando dele.

Além desse conflito de poderes, há ainda conflitos internos no Supremo que certamente retardarão uma decisão mais rápida. O relator da matéria, ministro Marco Aurélio Mello, pretende resumir seu parecer, que é a favor do trânsito em julgado, para ganhar tempo na tomada de decisão final.

Ele acha possível que o julgamento possa ser encerrado na semana seguinte, mas tudo indica que está sendo otimista. Na quinta-feira, haverá espaço apenas para a fala dos defensores das três ADCs e a leitura do relatório.

Na semana seguinte começaria a votação, que deve ser prolongada, pois o plenário do Supremo está dividido. Os três primeiros votos, a não ser que haja alguma surpresa, são favoráveis à prisão em segunda instância: Alexandre de Moares, Edson Fachin e Luis Roberto Barroso. O quinto e o sexto votos, do ministro Luis Fux e da ministra Carmem Lucia, serão também favoráveis.

A quarta a votar é a ministra Rosa Weber, que se declara a favor do trânsito em julgado. Não se sabe qual será sua posição caso a proposta de Toffoli, de prisão na terceira instância no Superior Tribunal de Justiça (STJ) seja apoiada pelos cinco ministros que se declaram contra a prisão em segunda instância.

Ela pode considerar que, para mudar a jurisprudência, não é razoável desistir da segunda instância que está em vigor para criar mais uma etapa nos processos.

Os demais ministros, Ricardo Lewandowski e Celso de Mello são favoráveis também ao trânsito em julgado. A definição estará nas mãos do ministro Gilmar Mendes, que mudara o voto para acompanhar o presidente do Supremo a favor da terceira instância (STJ), mas pode recuar mais ainda, defendendo o trânsito em julgado.

A decisão final deve sair apenas no início de novembro.

Visão humanista
Nos últimos dias, duas decisões ligadas à área econômica internacional tiveram repercussão direta na nossa política interna. O prêmio Nobel de Economia dado ontem a três economistas que dedicam seus estudos à redução da pobreza é uma demonstração de que o tema não é alheio ao Nobel.

A tentativa de fazer com que Lula ganhasse o Prêmio Nobel da Paz justamente pelo combate à pobreza, uma ação política que visava fortalecer a imagem internacional do ex-presidente, hoje preso em Curitiba condenado por corrupção, sai enfraquecida, pela derrota em si e pela premiação anunciada ontem.

São prêmios diferentes, com comissões distintas, mas o sentido é único: o combate à desigualdade e a busca do desenvolvimento econômico inclusivo.

Assim como o anúncio de que o governo Trump endossou a entrada na OCDE da Argentina em detrimento do Brasil, a quem prometera apoio, enfraqueceu politicamente o governo Bolsonaro.

Mesmo com a reiteração do governo dos Estados Unidos de que continuam apoiando a entrada do Brasil na OCDE.

Abhijit Banerjee, indiano naturalizado americano, Esther Duflo casada com Banerjee, franco-americana, diretora do laboratório de ação contra a pobreza, e o americano Michael Kremer, professor de economia do desenvolvimento em Harvard venceram o Nobel com trabalhos teóricos e práticos que aliam economia da Saúde e Educação para melhorar as condições de vida futura de crianças e jovens.

É uma visão humanista holística do que seja desenvolvimento econômico que foi premiada.


Ranier Bragon: Aproxima-se a hora do acerto de contas entre STF, Lula e a Lava Jato

Pêndulo da história se move, e a Mãos Limpas brasileira encara seu julgamento

Receba minhas condolências se você foi um dos que acreditaram na lorota do capitão que, 28 anos depois de chefiar um clã suspeito de abrigar funcionários fantasmas, rachadinhas, checões do Queiroz e outras mutretas, chegaria para acabar com toda essa safadeza aí.

Esse conto do vigário fica mais evidente quando se constata que é justamente no governo e sob o beneplácito de Jair Bolsonaro que o Supremo Tribunal Federal parece ter encontrado força política para o acerto de contas com a maior operação anticorrupção do país, a Lava Jato.

O pêndulo da história se moveu e, por uma série de fatores, ministros se veem agora seguros para confrontar a Mãos Limpas brasileira e seus evidentes abusos, cometidos sob a guarida de seus inegáveis méritos.

Bolsonaro queda-se mudo, feliz com a liminar do tribunal que barrou as investigações contra o filhote Flávio --e que afetou outras, por tabela, mas se o filé mignon da prole está garantido, que se dane o resto.

Nesta quinta (17), o STF inicia a sessão que pode rever a permissão de prisão após a segunda instância. O atual entendimento da corte é um marco contra a impunidade, mas essa não é uma mera questão legal.

Personagem de 9 a cada 10 frases de bolsonaristas e preso há 556 dias, o ex-presidente Lula pode se beneficiar tanto dessa reviravolta quanto do julgamento, em breve, da suspeição de Sergio Moro --ex-manda-chuva da Lava Jato e hoje bolsonarista-- na condução de seu caso.

Há fortes indicativos de que Lula recebeu favores imorais nos casos do tríplex do Guarujá e do sítio de Atibaia. Como qualquer um, porém, merecia julgamento imparcial e punição condizente com o delito, caso provado. Os atos processuais e os indícios de conluio entre Moro e acusadores revelados pela Vaza Jato mostram cenário diverso e expõem ainda mais o exagero da pena aplicada pelo ex-juiz (9 anos e meio) e reajustada pelo lava-jatista TRF-4 (12 anos). Ao que tudo indica, aproxima-se a hora do acerto de contas entre o Supremo, Lula e a Lava Jato.


‘Cresce número de adeptos a teorias sem fundamento científico’, diz Alexandre Strapasson à Política Democrática online

Em artigo publicado na revista produzida pela FAP, engenheiro diz que descobertas científicas ampliaram a compreensão do mundo

“A história ambiental nos mostra que a visão de meio ambiente global não é recente. Paradoxalmente, é crescente o número de pessoas adeptas a teorias sem qualquer fundamento científico”. A afirmação é do engenheiro Alexandre Strapasson, em artigo que publicou na revista 11ª edição da revista Política Democrática online, produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), vinculada ao partido político Cidadania 23.

» Acesse aqui a 11ª edição da revista Política Democrática online

Strapasson, que também é pesquisador e professor visitante do Ce tiro de Pesquisas Ambientais do Imperial College de Londres, diz que A história ambiental mostra que a visão de meio ambiente global não é recente. “A mitologia maia, por exemplo, já propunha o conceito de galáxia. Os incas falavam em Terra Mãe, a Pacha Mama, geradora de vida”, explica ele.

De acordo com o autor, os gregos referiam-se a Gaia. Com as descobertas científicas dos últimos séculos, tais como a evolução darwiniana, os avanços da astronomia, da física de partículas, da engenharia genética, da computação e da química industrial, ampliaram-se a compreensão de mundo.

Por outro lado, segundo o engenheiro, as discussões geopolíticas sobre sustentabilidade global são relativamente recentes. “Merecem destaque as discussões do período pós-Segunda Guerra na controversa Conferência de Bretton-Woods, a criação das Nações Unidas, a Conferência de Estocolmo sobre Meio Ambiente Humano, os relatórios do Clube de Roma e o relatório Brundtland, intitulado “Nosso Futuro Comum”, além da Rio-92, onde foram criadas três das mais importantes convenções da Nações Unidas: Clima, Diversidade biológica e Combate à desertificação.

Na Rio-92, conforme lembra Strapasson, também foi proposta a primeira agenda mundial para o desenvolvimento sustentável, a chamada Agenda 21, que posteriormente deu origem aos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) e, mais recentemente, à Agenda 2030 e seus Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).

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Luiz Carlos Azedo: Inimigos internos

“O resultado da confrontação de Witzel com Bolsonaro é a consolidação da tese palaciana de que haveria uma conspiração contra o presidente da República para apeá-lo do poder”

Numa solenidade da Marinha, no estaleiro francês que constrói submarinos brasileiros em Itaguaí, na Baixada Fluminense, o presidente Jair Bolsonaro falou sobre a suposta existência de “inimigos dentro e fora do país”, com ênfase para o chamado inimigo interno: “os de dentro são os mais terríveis”. Entretanto, não estava se referindo à esquerda brasileira, que, durante o regime militar, foi tratada como inimiga de Estado, mas ao governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC), que já se colocou como pré-candidato à Presidência em 2022.

Witzel faz uma administração focada no endurecimento do combate ao tráfico de drogas no Rio de Janeiro, com uso desproporcional da força, o que proporcionou redução do índice de roubos e furtos, mas coleciona mortes de inocentes, principalmente crianças, durante tiroteios nas comunidades. Sua candidatura à Presidência parece muito prematura, pois tem um discurso parecido com o de Bolsonaro e a mesma base eleitoral. Entretanto, acredita que tem chances reais.

Por essa razão, enfrenta dura reação do clã Bolsonaro, que rompeu com o governador fluminense. O senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) e o vereador carioca Carlos Bolsonaro (PSC), filhos do presidente da República, protagonizam o confronto, que tem por pano de fundo as investigações sobre Fabrício Queiroz, ex-assessor parlamentar de Flávio na assembleia fluminense, e suas relações com as milícias do Rio de Janeiro. Witzel estaria convencido de que esse caso pode levar Bolsonaro a desistir da reeleição.

O resultado da confrontação de Witzel com Bolsonaro é a consolidação da tese palaciana de que haveria uma conspiração contra o presidente da República para apeá-lo do poder. Quando fala em terríveis inimigos de dentro, Bolsonaro está se referindo a isso. Bolsonaro acredita que o procurador-geral de Justiça do Rio de Janeiro, Eduardo Gussem, é aliado de Witzel. As investigações sobre Queiroz e as milícias são conduzidas por ele.

Essa disputa parece coisa de paranoico, mas acabou tendo forte impacto na política nacional, particularmente na Operação Lava-Jato. Flávio Bolsonaro resolveu recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF) para conter as investigações do caso Queiroz, valendo-se do fato de ter direito a foro especial como senador. Alegou que dados fornecidos pelo antigo Conselho de Controle de Operações Financeiras (Coaf) estavam sendo utilizados sem autorização judicial nas investigações do Ministério Público fluminense. O presidente do STF, ministro Dias Toffoli, acolheu o pedido e suspendeu todas as investigações com base em dados do Coaf fornecidos nessas condições.

Falso amor
O episódio acabou estabelecendo uma clara linha divisória entre o clã Bolsonaro e a Operação Lava-Jato. Envenenou as relações entre o presidente da República e o ministro da Justiça, Sérgio Moro, cuja primeira reação foi tentar articular a derrubada da liminar de Toffoli com o ministro Luís Barroso. Bolsonaro não gostou dessa atitude, mas não pode demitir Moro sem aprofundar essa divisão, perdendo a bandeira da ética. Nem o ex-juiz pode pedir demissão sem fazer uma autocrítica por ter entrado no governo. A melhor saída para ambos é manter as aparências, como no samba Falso Amor Sincero, de Nelson Sargento: “O nosso amor é tão bonito/ ela finge que me ama/ eu finjo que acredito”.

Moro não se cansa de desmentir que pretenda ser candidato à Presidência, Bolsonaro finge que acredita, mas o fato é que o ministro da Justiça é um presidenciável com mais prestígio popular do que o presidente da República, segundo as pesquisas de avaliação do governo. Nove entre 10 senadores sondados pelo Podemos acreditam que o partido da deputada Renata Abreu (SP) e do senador Álvaro Dias (PR) está pronto para receber a candidatura de Moro. Mas não é o único. A queda de braço de Bolsonaro como o presidente do PSL, deputado Luciano Bivar (PE), pelo controle dos recursos da legenda, também pode ter esse desdobramento. No mesmo dia em que Bolsonaro ameaçava sair da legenda, Bivar jantava com Moro, acompanhado de um grupo de deputados.

Bolsonaro não tem a menor chance de conseguir o controle do PSL. Pode ser até que esse não seja o seu maior objetivo. O partido está enrolado no escândalo das candidatas laranjas nas eleições passadas, no qual o ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, deputado federal eleito por Minas Gerais, foi indiciado pela Polícia Federal por suspeita de comandar o esquema. Bolsonaro se recusa a demitir o ministro e se queixa da atuação da Polícia Federal, subordinada a Moro. Protagonizar uma saída barulhenta do PSL, por causa da falta de transparência na gestão financeira da legenda, pode ser uma maneira de se desvincular do escândalo.

http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/


Marcelo de Moraes: STF pode derrubar prisão após condenação em segunda instância e lavajatistas reagem

O ministro Dias Tóffoli, presidente do Supremo Tribunal Federal, marcou para a próxima quinta o julgamento de três ações que questionam a possibilidade de prisão após condenação em segunda instância. O resultado pode atingir cerca de 193 mil presos, incluindo o ex-presidente Lula.

Pressão. Imediatamente depois do anúncio, a bancada lavajatista no Congresso começou a se mobilizar para pressionar os ministros do Supremo a manter a prisão após a condenação em segunda instância. A gritaria foi grande no Parlamento. "A prisão após a condenação em segunda instância é uma medida para evitar a impunidade. As ações que correm nas instâncias superiores, STJ e STF, são meramente protelatórias. Ou seja, não se julgam os fatos, e sim questões processuais, com o único objetivo de adiar o cumprimento da pena. Caso o STF decida rever a decisão, 193 mil condenados podem ser beneficiados, entre eles o ex-presidente Lula, o que é inaceitável", criticou o senador Marcos Rogério (DEM-RO).

Fim do mundo? Integrantes da Força Tarefa da Lava Jato também se colocaram contra a possibilidade de derrubada da prisão após a condenação em segunda instância por entender que as investigações feitas até hoje poderiam ser comprometidas. Mas havia ceticismo até mesmo do ministro da Justiça, Sérgio Moro, em relação à mudança de interpretação do Supremo.

Novela infinita. O grande problema é que a questão da segunda instância se transformou numa novela interminável dentro do Supremo por conta da prisão de Lula. Volta e meia, o mesmo assunto retorna à pauta, com outro enfoque, mas, no fundo, tratando sempre de algo relacionado à prisão de Lula.

Equilíbrio. E outro problema é que a interpretação dos ministros sobre o assunto é muito dividida. Qualquer decisão que venha a ser tomada pode ser definida por um voto de diferença. E, sem maioria clara, o debate vai se eternizando.

Centrão ajudando Lula? Outra decisão pode também favorecer o ex-presidente no Congresso. A CPI do BNDES tenta aprovar o relatório que pediu o indiciamento de mais de 70 pessoas, incluindo os ex-presidentes Lula e Dilma Rousseff, além de Joesley e Wesley Batista por envolvimento em irregularidades em operações feitas pelo banco no exterior. Um acordão envolvendo deputados da esquerda com setores do Centrão se organiza para derrubar o indiciamento de Lula e Dilma.

Absurdo. Conversei com o presidente da CPI, deputado Vanderlei Macris (PSDB-SP), sobre essa possibilidade. "Isso seria um absurdo", disse. "A CPI fez um trabalho muito bom, investigando as irregularidades com muita responsabilidade. Se esse movimento acontecer corremos o risco de jogar fora um trabalho muito bom. Prefiro não acreditar que isso possa ocorrer", disse. O relatório precisa de 18 votos favoráveis para ser aprovado.


Gilvan Cavalcanti de Melo: Um pitaco constitucionalista

Tenho plena convicção de que, dando vida ao Cidadania, democrático, realizar-se-á uma mudança de alcance histórico. Com a transformação cria-se um sujeito destinado a marcar o perfil da política brasileira, no século que mal alcançou a maior idade.

Foram derrubados, definitivamente, os muros ideológicos do século XX e se começou a construir pontes, entre culturas políticas e setores da sociedade brasileira, entre os sexos e as gerações. Abriu-se novas estradas para o futuro do País.

O novo sujeito continuará a crítica da realidade de desigualdade social e seus dramas: os milhões de desempregados, subempregados, a violência, o tráfico, as milícias, os moradores de rua, a exploração das crianças, etc.

A crítica dessa realidade impõe o agir para modificá-la. A Constituição cidadã é inspiração e o caminho. Nela está contida uma série de compromissos: a dignidade da pessoa, os valores sociais do trabalho, o pluralismo político, os direitos sociais como saúde, educação, o trabalho, previdência social, a moradia, proteção à maternidade e infância, assistência ao desempregado, etc.

Os direitos acordados na Constituição ancoram o próprio desenho de programa e objetivo ideal de uma sociedade mais justa, no marco das instituições de um estado democrático.

Dentro dessa ‘utopia realista’, um reformismo forte se impõe, uma utopia reformadora, associada aos compromissos constitucionais de distribuição de riqueza, que poderão obter um forte apoio social, plural e crítico.

Agir para construir uma nova opinião pública e vontade política democrática, para transforma a atual realidade e aglutinar os reformistas e democráticos. É um nobre objetivo.

A Democracia Liberal, iniciada por Locke (1632-1704), com suas ideais políticas, exerceu a mais profunda influencia sobre o pensamento ocidental – o Brasil como parte. Suas teses encontram-se na base das democracias liberais. Seus Dos Tratados sobre o Governo Civil justificaram a revolução na Inglaterra. No século XVIII, os iluministas franceses foram buscar em suas obras as principais ideias responsáveis pela Revolução Francesa. Montesquieu (1689-1755) inspirou-se em Locke para formular a teoria da separação dos três poderes. A mesma influencia encontra-se nos pensadores americanos que colaboraram para a declaração Independência Americana, em 1776.

No instante que uma nova onda iliberal tenta abrir espaço, é obrigação, declarar, com firmeza, a defesa dos compromissos firmados na Constituinte de 1987/1988, inspirados nos pensadores, fundadores do liberalismo político: uma democracia liberal e forte, uma democracia intensa, participativa e solidaria. Hoje, alvo de hostilidade, umas vezes veladas, outras vezes abertamente.


José Casado: Governo errático amplia paraíso da elite do funcionalismo

Começou a ser desvendado um dos mistérios da República —a folha de pagamentos dos 11,4 milhões de servidores da União, dos estados e municípios.

O enigma da gestão de pessoal no setor público custa R$ 300 bilhões por ano e foi estudado pelo Banco Mundial, uma das instituições multilaterais moldadas no fim da Segunda Guerra pelos economistas John M. Keynes, britânico, e Harry Dexter White, americano, reputado como informante da antiga União Soviética.

Os resultados já obtidos são limitados na área federal — não incluem o Banco Central e a Abin —e a apenas seis dos 27 governos regionais (Alagoas, Maranhão, Mato Grosso, Paraná, Rio Grande do Norte e Santa Catarina).

Mesmo assim, jogam luz sobre a balbúrdia instalada por interesses políticos e corporativos na folha de pagamentos. E mostram como tem sido manipulada para iniquidades.

Existem 321 carreiras em 25 ministérios, administradas a partir de 117 tabelas salariais. Esse catálogo prevê 179 formas de pagamento. Contaram-se 405 tipos de gratificações, 167 delas “por desempenho” e extensíveis aos aposentados. Há, ainda, 105,5 mil cargos de chefia.

Dessa confusão nasceu uma elite burocrática: 44% dos servidores recebem mais de R$ 10 mil mensais. Estão no topo da pirâmide de renda. Em estados como Alagoas, eles têm renda média 60 vezes maior que a dos trabalhadores do setor privado.

Mais da metade (53%) desse grupo ganha entre R$ 10 mil e R$ 33,7 mil por mês. E 1% vai além, com supersalários. Nas carreiras jurídicas um iniciante ganha mais de R$ 20 mil.

O Ministério da Economia abriu as portas na última quarta-feira para apresentar esses dados, justificando uma reforma nesse paraíso. Horas depois, no plenário da Câmara, a vice-líder do PSL, deputada Bia Kicis, anunciou o apoio do presidente a uma aliança com o PT, PCdoB, PSOL, entre outros, para criação de nova carreira no funcionalismo, a da Polícia Penal. Será a 322ª na folha de pessoal.

O governo Bolsonaro ameaça chegar à perfeição: constrói pela manhã aquilo que enterra à tarde.