Day: outubro 14, 2019

Ruy Castro: A nova normalidade

O populista pisa nos princípios políticos e parte do povo já não acha isso grave

Gérard Araud, ex-embaixador francês em Washington, foi o diplomata que, há tempos, respondeu à infeliz declaração de Jair Bolsonaro de que devia ser “insuportável viver em certos lugares da França”, por causa dos imigrantes. Araud disse apenas: “63.880 homicídios no Brasil em 2017; 825, na França. Sem comentários”. Observador da avalanche populista que gerou figuras como Bolsonaro e Donald Trump, ele deu uma pertinente entrevista a Fernando Eichenbergh, no Globo do dia 6 último. Eis alguns trechos.

“As pessoas de esquerda estão erradas em crer que um populista é um conservador como qualquer outro. Ele governa também contra os conservadores. O populista pisa sobre os próprios princípios da política. Na democracia, há o respeito, você não insulta, não ataca a vida privada. Mas os dirigentes populistas zombam totalmente dessas convicções. E se descobre que, no fim das contas, parte da população não considera isso grave. Torna-se uma nova normalidade.

“Me pergunto o que ocorrerá quando Bolsonaro e Trump desaparecerem da cena política. Tenho dúvida se as coisas voltarão a ser como antes. A primeira lição é a degradação do discurso político.

“O Brasil comete um erro pensando que obterá benefícios ao se alinhar a Trump. Quando Trump diz ‘America first’, significa ‘America alone’. [...] Ele não tem aliados, amigos ou inimigos. Que o filho de Bolsonaro seja embaixador nos EUA, não haverá nenhuma consequência para Trump. Dois continentes estão ausentes da sua política: a África e a América Latina. Nesta, só lhe interessa o México, por causa da imigração, e a Venezuela, pela crise política. Para o resto do continente, é a total indiferença.

“A palavra do especialista não existe mais. E há as mídias sociais. Antes, quatro bêbados em um bar falavam uma bobagem, mas aquilo ficava entre eles. Hoje, falam nas redes sociais e se tornam 4.000 imbecis”.

*Ruy Castro, jornalista e escritor, autor das biografias de Carmen Miranda, Garrincha e Nelson Rodrigues.


Cida Damasco: Ecos de Portugal

Claro que o Brasil é o Brasil e ainda não virou um imenso Portugal, como dizia Chico Buarque, mas qualquer experiência que fuja de extremos e busque a conciliação é uma luz num cenário escuro

O Partido Socialista de Portugal, que há uma semana venceu de novo as eleições e renovou o mandato do primeiro-ministro Antônio Costa, decidiu governar sozinho o país e não renovar o acordo informal com parceiros do Partido Comunista e do Bloco de Esquerda, batizado como Geringonça – a intenção é negociar caso a caso, e não ceder às pretensões do Bloco de Esquerda, de fechar um acordo por escrito, com horizonte de toda a legislatura. Mas isso não esvaziou o debate sobre o que permitiu à Geringonça superar a crise econômica de Portugal e o que pode ser replicado em outros países, como o Brasil. A pergunta que mais se ouve por aqui é: “dá para fazer uma geringonça na economia brasileira?”

Os bons resultados de um programa econômico não identificado com “tudo pela austeridade fiscal” se transformaram, como já era de se esperar, em mais um motivo para a polarização que há bom tempo caracteriza a vida do País. De um lado, estão os adeptos da tese de que Portugal mostrou que é possível reativar a economia, sem adotar a receita fiscalista em vigor em vários países. De outro, os defensores da ideia de que a centro-esquerda portuguesa tem demonstrado forte preocupação com o equilíbrio fiscal, o que no Brasil continua patrimônio da centro-direita.

Não é por outra razão que a vitória de Costa e, por tabela, da equipe liderada pelo festejado ministro Mário Centeno ganhou espaço nas redes sociais, como se não estivesse ocorrendo do outro lado do Atlântico. E alimenta posts irônicos contra os brasileiros que estão se mudando para Portugal, em busca de melhores oportunidades de trabalho e maior segurança – grande parte deles atribuindo o quadro desfavorável no Brasil ao domínio da “esquerda” nos últimos anos, traduzido nos governos petistas.

Quando se olha para a economia dos dois países, é até compreensível o interesse despertado pela Geringonça. Não que os governos do Brasil tenham conseguido impor a austeridade na dimensão prometida – está à mostra, para quem quiser ver, a dramática situação financeira dos Estados, como o Rio, apesar dos compromissos assumidos para obter ajuda federal. Mas o discurso do momento é de linha dura no combate aos gastos públicos. Dia sim, outro também, a equipe econômica anuncia alguma medida da reforma administrativa que está em finalização, com foco na compressão das despesas com pessoal: limitações de reajustes salariais, promoções, contratações, e assim por diante.

O lado real da economia, por sua vez, também não manda boas notícias. Os indicadores antecedentes de PIB que serão divulgados nesta semana, IBC-Br e Monitor do PIB, devem confirmar o quadro de uma economia ainda em slow motion. Não é por outro motivo que setembro trouxe de volta uma deflação – pequena, é fato, mas um alerta de consumo fraco. Todas as esperanças de alguma reanimação da atividade econômica a curto prazo dirigem-se para os saques das contas do FGTS e PIS-Pasep e para as novas rodadas de baixas nos juros. Há, além disso, uma torcida para que o BC reforce a aposta “estimulativa” e libere dinheiro dos depósitos compulsórios.

Lá em Portugal, objeto de “inveja” dos brasileiros, é certíssimo que o primeiro-ministro terá desafios no seu novo mandato, que começa em clima de desaceleração da economia mundial. Especialmente a melhora da infraestrutura, que foi sacrificada em nome do corte de despesas do governo. Mas é inegável que ele já mostrou serviço anteriormente.

O governo de Costa tomou a direção contrária das recomendações de entidades financeiras internacionais, ao reduzir impostos sobre alimentação e aumentar o salário mínimo, entre outras medidas. Em quatro anos, reduziu o desemprego à metade, para 6,3%, derrubou o prêmio de risco dos títulos do país, e o PIB, que cresceu 2,4% no ano passado, vem se sustentando em níveis superiores aos da União Europeia, principalmente por causa do turismo – o que permitiu ao país atingir um nível recorde de renda per capita.

Tudo isso sem se afastar das metas dos programas de estabilidade.

Claro que o Brasil é o Brasil e ainda não virou um imenso Portugal, como dizia Chico Buarque. Mas toda e qualquer experiência que, antes e tudo, fuja de extremos e busque a conciliação é uma luz num cenário escuro.


Leandro Colon: Brasil envergonhado

O país da casa sem banheiro de Antonete deveria priorizar o acesso ao saneamento básico

O Brasil precisa ter mais vergonha do Brasil. Vergonha dos governos federais e estaduais, do Poder Legislativo e dos lobbies público e privado que deram sua parcela de culpa para o cenário tenebroso do saneamento básico no país.

Desde a última quarta-feira (9), a Folha tem publicado uma série de reportagens sobre o tema. Os dados e as histórias contadas são o retrato de um Brasil esquecido, atrasado, elitista e abandonado pelo estado.

Cerca de 100 milhões de brasileiros, quase metade da população, não têm acesso a coleta e tratamento de esgoto. E 35 milhões vivem sem rede de abastecimento de água, item essencial para o mínimo de estrutura.

Os repórteres Natália Cancian e Pedro Ladeira encontraram Antonete de Castro Monteiro, 50, na periferia de Ananindeua, no Pará. A casa dela não tem pia, torneira, água potável, e o mais assustador: falta banheiro.

“À noite, faço as necessidades num saco, guardo, deixo amanhecer e levo lá”, contou. “Lá” é a mata atrás da casa de madeira. Sim, ela despeja tudo no mato. Antonete toma banho de balde no quintal, com água retirada de um poço raso do terreno.

Há milhões de Antonetes por aí, personagens de um descaso governamental de décadas. As perspectivas são desanimadoras. Se nada mudar no curto prazo (e sabemos que, provavelmente, nada vai mudar), o país atrasará em pelo menos 30 anos a meta de 100% de acesso a saneamento universal (água e esgoto tratados) prevista para o ano de 2033.

Como um país quer crescer e desenvolver em tantas frentes se não oferece condições mínimas de dignidade para a sua população? Não garante nem o “básico” do que é classificado como saneamento básico.

Um caminho é estimular os investimentos da iniciativa privada na área. Apoiada pelo governo Bolsonaro, a ideia patina no Congresso pelas razões de sempre: os lobbies de setores públicos (governadores e companhias estaduais) e particulares.

O Brasil de Ananindeua, da casa sem banheiro de Antonete, deveria ter pressa para sair desse abismo.


Nelson Paes Leme: Como as democracias morrem

O culto à personalidade e o voluntarismo voltam à história com força inusitada

Este é o título, em tradução livre, do esplêndido e arrepiante livro “How Democracies Die”, um estudo histórico e comparado dos professores de Harvard Steven Levitsky e Daniel Ziblatt. Trata-se de um completo trabalho em torno da tese de que os autocratas não obrigatoriamente tomam o poder através de golpes de Estado. Mas em inúmeros exemplos, ao contrário, valem-se do próprio regime democrático e fundam seus próprios partidos para golpear o poder, já eleitos. Foi assim com Mussolini, que inaugura a extensa lista de casos relatados detalhadamente no livro, passando por Hitler, Getúlio Vargas e vindo até Chávez, que teve seu trampolim no próprio constitucionalista Rafael Caldera ao sair aquele do cárcere para fazer política. Perguntado para onde iria ao sair da cadeia, Chávez teria respondido: “Para o poder!”

Pelo fato de os autores serem americanos, ou talvez também pela forte tradição democrática da nação do “We, the people” do introito da Constituição da maior democracia do Planeta, ou por ambos os motivos, há um capítulo extenso à parte dedicado às eleições de 2016, que, inacreditavelmente, levaram ao poder a esdrúxula figura de Donald Trump. E, claro, o risco que passou a representar para o ideal de democracia dos Founding Fathers dos EUA. E, ainda, o que isso poderá reverberar nas demais democracias do continente, inclusive na nossa.

O livro é extremamente importante para o decisivo momento histórico vivido pelo Brasil, embora estude apenas até o período Vargas, já que, de lá para cá, há copiosa obra de brasilianistas americanos sobre o tema, capitaneada pelo famoso “Brasil — De Getúlio a Castello”, clássico de Thomas Skidmore, também de Harvard. Não faz reflexões expressas sobre o atual momento, até porque a primeira edição foi de 2018, quando se travava a luta plebiscitária eleitoral brasileira do segundo turno. Mas deixa nas entrelinhas do estudo comparado os riscos terríveis que correm a nossa atual democracia e outras mundo afora.

De Erdogan na Turquia ao pupilo bolivariano de Chávez, Maduro, há um vento desfavorável à democracia mundo afora e o Brasil, imagina-se, não estaria fora dessa tormenta. Ao contrário, a continuar esse discurso maniqueísta que tomou conta da nossa política, através do falso e jurássico dilema de confronto da “direita” versus a “esquerda”, nossas chances são mínimas de não naufragar nessa borrasca mundial. Os mecanismos que evoluíram de Cromwell e Montesquieu até o atual modelo de freios e contrapesos (os check and balances do modelo americano) entre os Três Poderes, hoje em muito auxiliados pelo fortalecimento constitucional do Ministério Público e os ouvidores do povo, do tipo sueco do ombudsman e do defensor del pueblo , espanhol, não têm tido o condão de reverter o avanço célere dessa nova onda de autocracias, ainda que disfarçadas camaleonicamente no rótulo de democracias.

O culto à personalidade e o voluntarismo voltam à história com força inusitada. Proliferam os salvadores da pátria e os nacionalistas acerbos, restando ao cidadão comum apenas refletir e, ainda assim muito timidamente, sobretudo no gueto da academia, mobilizar-se nessas reflexões sobre o cruel momento, em favor de uma urgente inflexão ao centro democrático. E aos que creem em Deus, por Ele e pela luz permanente do Divino Espírito Santo, orar fervorosamente. Os autores são céticos quanto às alternativas. Pelo ótimo estudo contido no livro, a História Universal está em franco desfavor dos verdadeiros democratas. Estão de volta os condottiere , os refugiados, os muros e as cercas.

*Nelson Paes Leme é cientista político


Cacá Diegues: Do outro lado da Baía

Em proporção a seu orçamento, Niterói já é a 9ª cidade do país que mais investe em cultura. E a primeira do estado

No final do ano passado, Renata Almeida Magalhães, minha esposa e produtora, produziu, em Niterói, o filme “Aumenta que é rock’n’roll”, dirigido pelo jovem realizador Tomás Portella, a partir do livro “A onda maldita”, de Luiz Antonio Mello. O autor do livro foi o fundador da célebre Rádio Fluminense que, a partir de 1982, lançou todas as jovens bandas populares daquele momento e se tornou um sucesso único entre a juventude das cidades próximas, como o Rio de Janeiro. E ainda colaborou com uma renovação cultural e de costumes, para a nova democracia que se anunciava no horizonte.

Voltei portanto a Niterói, para onde, quando era criança, minha mãe me levava com meus irmãos, para tomar banho de mar no Saco de São Francisco. E onde, adolescente aspirante a cineasta, visitei Nelson Pereira dos Santos e sua família, que então moravam na cidade. Redescobri Niterói.

Todo estudioso do assunto sabe que a primeira sessão de cinema na América do Sul, deu-se no Rio de Janeiro, na Rua do Ouvidor, em 8 de julho de 1896. Mas há controvérsias quanto à primeira imagem filmada no Brasil, a inauguração da produção cinematográfica no país. Minha aposta é em Affonso Segretto que, com seus irmãos Paschoal e Caetano, se tornaria depois o mais importante grupo exibidor de cinema do Rio de Janeiro, a então capital federal.

A imagem que o empresário ítalo-brasileiro registrou do navio em que voltava da Europa foi a da entrada da Baía de Guanabara, com suas águas transparentes protegidas pelos picos do Maciço da Tijuca. E ainda as baleias que ali nasciam, se criavam e vinham mais tarde visitar. Seu projeto talvez fosse registrar a capital. Mas, ocupando inevitavelmente parte do enquadramento, lá estava também Niterói, do outro lado da Baía, com suas praias e prédios serenos.

Mais de um século depois, Niterói confirma essa presença fundadora, tornando-se uma espécie de futura capital brasileira do cinema. Semana passada, estive lá para a inauguração, pelo prefeito Rodrigo Neves, do Auditório Nelson Pereira dos Santos.

Com 490 lugares, a sala é parte de conjunto arquitetônico de Oscar Niemeyer. Ela servirá à exibição de filmes, bem como a concertos, conferências, espetáculos teatrais ou de música popular, como parte de um complexo cultural. Ali, o prefeito Rodrigo Neves anunciou, para o futuro próximo, a criação de um Museu do Cinema Brasileiro. Seria bem oportuno, porque, do jeito que o governo federal o tem tratado, nosso cinema pode mesmo desaparecer em breve.

Quando a cultura se torna um alvo preferencial a ser abatido, com a eliminação de incentivos federais e a tentativa disfarçada de reinstaurar a censura, a prefeitura de Niterói abre os braços generosos para ela. Proporcionalmente a seu orçamento, Niterói já é a nona cidade do país que mais investe em cultura. E a primeira do estado. A atual prefeitura criou incentivos para que empresas locais possam abater do IPTU e do ISS aquilo que investirem na cultura. E qualquer produção brasileira de audiovisual pode também se servir do fomento, quando utilizar a cidade como cenário.

A prefeitura de Niterói também cuida da preparação de profissionais da área, numa cooperação frutuosa com a Faculdade de Cinema da Universidade Federal Fluminense (UFF), uma das primeiras escolas de cinema do Brasil, fundada pelo mesmo Nelson Pereira dos Santos. Alguns desses profissionais participaram, com louvor, da equipe de “Aumenta que é rock’n’roll”.

Segundo o prefeito Rodrigo Neves, a Secretaria de Cultura do município toca um Museu de Arte Popular; o Teatro Municipal, criado por João Caetano no século XIX; uma companhia de balé, como a do Municipal do Rio; o Arte na Rua, um apoio a artistas de rua; o Teatro Oscar Niemeyer; e o Aprendiz, programa de iniciação musical em escolas públicas. “Investimos no Aprendiz”, diz o prefeito, “porque, como sociólogo e amante da cultura, tenho a convicção de que a criança e o adolescente que têm contato com a arte dificilmente vai, um dia, empunhar uma arma. A cultura é fundamental para a autoestima de Niterói, mas também para a redução das desigualdades e prevenção à violência”.

Como seria bom que o resto do Brasil seguisse esse exemplo de Niterói.


Ricardo Noblat: Carnaval de protesto esquenta os tamborins

Segura o tranco, Bolsonaro!

Pelo menos 8 das 13 escolas do Grupo Especial no Rio de Janeiro levarão para a avenida no próximo ano sambas e enredos com críticas diretas e indiretas ao governo de Jair Bolsonaro, e às suas ideias ou falta delas.

Mangueira e Portela são as que prometem maior atrevimento com referências ao próprio Bolsonaro. Com o enredo “A verdade vos fará livre”, a Mangueira aborda a mania do presidente de usar os dedos das mãos para fingir que atira e cantará a certa altura:

“Favela, pega a visão/Não tem futuro sem partilha/Nem Messias de arma na mão”.

Bolsonaro e o prefeito Marcelo Crivella, do Rio serão os alvos preferidos da Portela com enredo que conta a história dos índios que habitavam o Rio antes da chegada dos portugueses ao Brasil:

“Índio pede paz, mas é de guerra/Nossa aldeia é sem partido ou facção/Não tem bispo, nem se curva a capitão”.

Com o enredo “O conto do Vigário”, a São Clemente atira em todas as direções – nos laranjais do PSL, nos presos da Lava Jato recolhidos ao presídio de Bangu, e no uso das fake news nas eleições do ano passado:

“Brasil, compartilhou, viralizou, nem viu/E o país inteiro assim sambou/Caiu nas fake news”.

Os enredos mais inocentes transmitirão mensagens de luta contra o racismo (Salgueiro) e a intolerância religiosa (Grande Rio). Mocidade Independente de Padre Miguel, com desfile sobre a cantora Elza Soares, e União da Ilha citarão as mazelas sociais.

Outubro, para os cariocas, não tem para mais nada. É a data final para a escolha dos sambas que serão cantados na Marquês de Sapucaí. Evoé, Momo!

Viés ideológico afasta investimentos

Ministros tóxicos
Não convidem para a mesma mesa o ministro Paulo Guedes, da Economia, e seus colegas Abraham Weintraub (Educação), Ernesto Araújo (Relações Exteriores), Ricardo Salles (Meio Ambiente) e Damares Alves (Mulher e Direitos Humanos).

Grandes bancos e investidores estrangeiros relataram a Guedes que o Brasil perde recursos e investimentos por causa da chamada ala ideológica do governo, segundo a edição mais recente do TAG Repórter, das jornalistas Helena Chagas e Lydia Medeiros.

A equipe de Guedes mapeou entradas e saídas de investimentos e constatou que pequenos países da Ásia como o Vietnã, e grandes países da América Latina como o México, atraem recursos que poderiam ser destinados ao Brasil.

Guedes está furioso com isso. E com seus colegas.

Tudo para salvar a pele de Lula e Dilma

CPI do BNDES
Há mais de uma semana que petistas cinco estrelas da Câmara suam a camisa para impedir que o deputado Altineu Cortes (PR-RJ), relator da CPI do BNDES, peça o indiciamento dos ex-presidentes Lula e Dilma Rousseff.

Se ele pedir como já indicou que o fará, dificilmente os dois não serão indiciados por envolvimento em negócios do banco com outros países que deram prejuízo ao Brasil ou que simplesmente são considerados suspeitos.

O relatório deverá ser votado amanhã. Os petistas assediam Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara, para que ele os ajude. Parte da bancada do PT apoiou a reeleição de Maia para presidente.


‘Quadro político mais radicalizado ameaça democracia’, alerta Vinicius Muller à Política Democrática online

Doutor em histórica econômica e professor do Insper publicou artigo na 11ª edição da revista produzida pela FAP

A formação de um novo quadro político-eleitoral mais radicalizado em nosso país, com a ascensão de Jair Bolsonaro, ameaça as instituições, em particular, a democracia. A avaliação é do doutor em histórica econômica e professor do Insper Vinícius Muller, em análise publicada na 11ª edição da revista Política Democrática online. A publicação é produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), vinculada ao partido político Cidadania 23.

» Acesse aqui a 11ª edição da revista Política Democrática online

De acordo com ele, há razoável dificuldade em compreender as origens e causas das recentes mudanças no Brasil, com reflexos, em certa medida, em outros e variados países. “Tais mudanças envolvem um conjunto de questões que podem ser vistas em seus aspectos econômicos, políticos e sociais”, afirma.

Entre elas, segundo o autor, certo esgotamento do processo de globalização, o recrudescimento da desigualdade, o surgimento de novas ferramentas tecnológicas e a ampliação das preocupações ambientais e sociais. “Neste quadro, um sem-número de questionamentos ganhou forma e conteúdo. A ampliação da riqueza promovida pela liberdade produtiva e financeira que caracteriza a globalização foi questionada pelo aumento da desigualdade econômica, principalmente entre grupos internos aos países”, analisa.

Desta forma, conforme acrescenta o professor do Insper, na mesma medida em que houve ampliação da riqueza, alguns grupos se viram mais distantes das cadeias produtivas globalizadas e, portanto, enfrentando problemas como desemprego e queda significativa de renda. “A reação, muitas vezes, foi voltada ao questionamento do próprio processo de globalização, entendido como resultado de uma economia aberta e liberal”, acentua.

Contestada a globalização, diz o analista, contestaram-se, fundamentalmente, os princípios da economia aberta, dando origem a discursos protecionistas e nacionalistas. “A diferença foi que, enquanto em um passado recente, os questionamentos ao processo de globalização e à economia de mercado partiam de grupos mais à esquerda no espectro político, desta vez os ataques originam-se em grupos mais conservadores”, destaca.

“Houve, assim, uma aproximação entre a defesa de certo nacionalismo e protecionismo econômico e valores considerados mais conservadores no plano moral e dos costumes. Esta associação, historicamente não muito original, ganhou no Brasil alguns elementos adicionais”, acentua. Segundo ele, em meio à crise do desemprego e aos escândalos de corrupção envolvendo os governos do Partido dos Trabalhadores, ganharam força, desde 2013, movimentos que deram voz a desconforto promovido, em partes da população, pelos caminhos que o país adotava, ao menos desde a eleição de Dilma Rousseff.

“E esta voz não mais entendia a disputa política brasileira nos quadros que estavam dados até então, mas, sim, a partir da ascensão de um discurso que envolvia a repulsa aos escândalos de corrupção e que defendia suposto resgate de valores tradicionais embalados em um discurso nacionalista”, avalia.

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Fernando Gabeira: Esqueletos no armário

Ao gritar que Queiroz estava com a mãe do ciclista, Bolsonaro chamou a atenção para os ossos

Correndo de praia em praia, seguindo a mancha de óleo no Nordeste, tive uma noite livre para pensar na política nacional.

Dizem que é nova política. Não sei se tenho condições de entendê-la. Mas o exame da política de sempre é o critério que tenho para analisar esses fatos. Na minha tosca enciclopédia, dois verbetes dariam conta da fúria de Bolsonaro contra um ciclista e a divisão desse estranho partido que é o PSL: esqueletos no armário e racha, entendido aqui como a cisão num grupo partidário.

Esqueletos no armário podem ser cadáveres reais ou mesmo episódios que governos ou partidos querem ocultar porque a transparência, nesse caso, é indesejável. Fabrício Queiroz é um esqueleto no armário. Há muitas formas de tratar disso. Bolsonaro parece ainda inexperiente no assunto. Ao gritar que Queiroz estava com a mãe do ciclista, ele apenas usou a pior tática: chacoalhar os ossos e chamar a atenção de todos para o esqueleto rangendo contra a madeira.

Esqueletos no armário são corrosivos. Os ultrafiéis não se importam, talvez nem acreditem que essas coisas aconteçam nos bastidores. Há um grupo que simplesmente aceita, com o argumento de que o objetivo é maior e que essas coisas acontecem mesmo em todos os partidos.

Mas essa concordância entra em colapso quando o chamado objetivo maior não se realiza. Manter os esqueletos silenciosos no armário é uma tarefa difícil também a longo prazo. Bolsonaro, diga-se a seu favor, não é dos mais brilhantes na tarefa.

Outro tema que me interessou foi a história de um possível racha no PSL. É o partido de Bolsonaro, e ele disse que é preciso esquecê-lo. Disse ainda que o presidente do partido estava queimado para caramba. É um partido que movimenta milhões. E brigas partidárias, apesar de sua natureza diferente, lembram separações conjugais: quem fica com o quê?

No nosso movimento estudantil, os rachas, quando aconteciam, sempre desfechavam uma disputa em torno do mimeógrafo. Bem mais poético que agora.

Não há grandes divergências ideológicas no PSL. Não há correntes de pensamento definidas. São indivíduos e suas carreiras políticas. Se houvesse espaço, avançaria em outro verbete da tosca enciclopédia: as bancadas eleitas pelo populismo. São heterogêneas, compõem-se de gente que expressa proximidade com o líder, repete um ou outro dos seus slogans, e pronto.

Imagine o que acontece quando se injetam milhões de reais num agrupamento com essa consistência política? Não se trata mais de discutir quem fica com o quê, depois de uma divergência ideológica.

Nesse caso, o dinheiro é a própria razão do conflito. Dinheiro público, pois acabou o financiamento privado.

Nos partidos chamados nanicos, o fundo oficial é uma espécie de vaquinha que alimenta os dirigentes, consegue mantê-los com uma renda pessoal. Mas quando a soma é gigantesca, em R$ 350 milhões, como no PSL, é certo que vão se dilacerar para decidir quem gasta o quê, campanhas vão florescer; outras, submergir.

Sempre tive essa intuição sobre a briga atual do PSL. Temia, no entanto, supersimplificar. Afinal, é possível que tenham ideias. Ganhei um pouco de coragem para enunciá-la porque no momento em que perguntaram a Bolsonaro qual era o problema do PSL, ele respondeu: é o tesoureiro.

No tempo em que, diante da complexidade de governar o país, o problema do partido dominante é o tesoureiro, meu tosco arsenal carece de atualização. Faltam categorias. Esperava que o líder populista entrasse em conflito com sua base pantanosa. Pensei em infidelidade partidária, em choque de egos.

O tesoureiro me escapou. Tesoureiros de partidos costumavam ser presos, em tempos de financiamento privado. Agora, são o objeto de desejo.

A nova política não se cansa de me surpreender. Embora se diga defensora de valores tradicionais e prometa uma volta ao passado num mundo que se transformou profundamente, o seu tema central, no fundo, é o mais prosaico: dinheiro.

Aliás, ele é também a causa do ruidoso esqueleto no armário. Não apenas por ofensas ao ciclista. Os ossos rangem estrepitosamente desde o momento em que Toffoli proibiu a cooperação entre receita e órgãos investigativos. É uma espécie de grito: há alguma coisa errada entre nós; logo, suprimam-se as investigações.


Valor: Huck amplia elos com DEM e busca ponte com esquerda

Apresentador aumenta rede de aliados, mas é visto com cautela no meio político

Por Malu Delgado, do Valor Econômico

SÃO PAULO - A candidatura de Luciano Huck à Presidência da República é um caminho possível para 2022, mas são muitas as baldeações no trajeto. A viabilidade da candidatura é escrutinada em constantes pesquisas de intenção de votos encomendadas por seus apoiadores, que são categóricos: nenhum passo objetivo será dado antes de 2021 e, até lá, todas as variáveis estão no radar: o protagonismo eleitoral do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, hoje preso, é uma incógnita; o ministro Sergio Moro pode ser candidato; o próprio Huck pode declinar, como fez em 2018; a economia pode propiciar um gás inesperado à reeleição do presidente Jair Bolsonaro.

Nessas sondagens feitas para consumo interno, Huck já aparece com intenção de votos superior a Ciro Gomes (PDT), que terminou em terceiro na eleição de 2018. Há amostragens qualitativas que deixam os entusiastas da candidatura animados: entre cada cinco eleitores de Lula, três admitem votar em Huck, ou seja, é flagrante a entrada do apresentador nas classes C e D simpatizantes do lulismo. A viabilidade eleitoral de Huck funciona como ímã para várias forças políticas. O apresentador não admite a candidatura e, diante de sua alta exposição nos últimos meses, está mais recolhido. Ao Valor, Huck alegou que, com uma agenda atribulada, preferia não conceder entrevista no momento.

Enquanto concilia sua atividade profissional com o que seus apoiadores chamam de espírito cívico, Huck intensifica contatos políticos com lideranças de centro-direita, tendo aliados no DEM, mas está impelido a buscar também pontes com figuras da esquerda abertas ao diálogo.

O que é inegável, no momento, é que Huck amplia a sua influência para esboçar políticas públicas que poderão constar num programa de governo. O estímulo mais imediato para uma candidatura partiu de fundadores do Agora, movimento político suprapartidário ao qual Huck aderiu em 2017, mas há simpatizantes e apoiadores em outros movimentos sociais recém criados, como o RenovaBR e parte do Livres e Acredito.

Está em curso a reorganização de um campo que vai da centro-esquerda até uma visão liberal reformista”
— Paulo Hartung, ex-governador do Espírito Santo

Interlocutor frequente de Huck, o cientista político e cofundador do Agora Leandro Machado diz que o apresentador encontra no grupo um canal de debate sobre questões relevantes do país, como educação e segurança, mas isso não significa que ali esteja se gestando o plano de governo de uma eventual candidatura ao Planalto. Machado questiona os interesses de partidos que, vendo em Huck um nome competitivo, se aproximam dele. “É ele se aproximando ou é o DEM e o PSDB que se aproximam dele?”, pergunta.

O empresário Eduardo Mufarej, criador do RenovaBR, é um dos maiores entusiastas da candidatura. Procurado pelo Valor, também preferiu não falar sobre o assunto. Se, por um lado, o apoio de movimentos é um gás para a candidatura, por outro, a antecipação da disputa deixa integrantes dos mesmos movimentos, que não querem se associar a partidos, mas a ideias, reticentes e ressabiados.

Fontes confirmaram ao Valor que Huck já pediu ajuda para conhecer mais profundamente alguns políticos da esquerda. Se o diálogo com o PT parece impossível, outras pontes vem sendo construídas. Um nome que está no radar do apresentador, por exemplo, é o do governador do Maranhão, Flávio Dino. Hoje no PC do B, Dino dá sinais de que se prepara para uma disputa presidencial, possivelmente no PSB.

“Antes de olhar para 2022 precisamos olhar o que dá para fazer numa caminhada positiva que diminua o sofrimento da população brasileira”, disse ao Valor o ex-governador do Espírito Santo Paulo Hartung, hoje o principal conselheiro político de Huck. Em 2018, apresentado ao possível candidato pelo ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga, Hartung chegou a ser sondado para vice, caso a empreitada fosse levada adiante. A primeira conversa por e-mail mais longa entre Armínio e Huck data de fevereiro de 2018.

“O que precisa ser reorganizado no país, e para a minha alegria isso está em curso, com muitas conversas e boa interlocução, é um campo político que vai do pensamento de centro-esquerda, que tem muita sensibilidade para os gravíssimos problemas sociais do país, até uma visão liberal reformista, que trabalha a ideia de modernização da economia, melhorar o ambiente de negócios, de dar segurança jurídica para quem quer trabalhar, gerar empregos, gerar oportunidades”, define Hartung. "Esse campo começa a dar passos de diálogo e a olhar para ajudar o país a sair dessa encrenca que entrou”, diz.

Não sou político, mas acho que o Luciano não tem que ficar na linha de frente da política. É muito cedo”
— Armínio Fraga, ex-presidente do Banco Central

Neste esforço contínuo de diálogo, o ex-governador trabalha para levar Dino ainda neste ano a uma conversa na Casa das Garças, no Rio, um espaço de debates sócio-econômicos identificado como reduto do pensamento tucano. Hartung também teve conversas recentes com o governador da Bahia, Rui Costa (PT). Os governadores de Pernambuco, Paulo Câmara (PSB), e do Ceará, Camilo Santana (PT), são outros interlocutores frequentes da esquerda com esse centro “liberal progressista”, como Hartung tem definido.

A aproximação com a centro-esquerda é pragmática e interessa aos dois lados: caso se desenhe, no futuro, um segundo turno que tenha em um dos polos a direita, como o presidente Jair Bolsonaro, essas outras forças pretendem traçar, desde agora, condições de diálogo para evitar o que ocorreu em 2018, quando o petista Fernando Haddad não conseguiu construir pontes ao centro e foi derrotado.

O apresentador tem, entre seus conselheiros políticos, também a ala mais jovem do DEM. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia é figura frequente em jantares promovidos por Huck ou por seus aliados. Há também grande proximidade do apresentador com o ex-ministro da Educação José Mendonça Filho, que Huck conheceu numa das viagens profissionais a Pernambuco no início dos anos 2000, quando Mendoncinha, como é chamado pelos amigos e correligionários, era vice-governador. Mendoncinha, hoje, frequenta a casa de Huck e o considera um amigo. Símbolo da renovação geracional do DEM, o presidente da sigla, ACM Neto, prefeito de Salvador, é outro político que Huck respeita e escuta.

Nenhum político experiente que endossa a candidatura de Huck fala abertamente sobre o assunto. Um integrante do DEM admite, reservadamente, que o partido está com o pé em três canoas e que a fase atual é delicadíssima. “É uma missão possível construir uma candidatura ao centro, liberal democrática, menos ortodoxa, distante dos polos. Mas de um lado tem a hegemonia petista e, do outro, a bolsonarista. Penetrar nesse meio todo não é fácil.” Parte do DEM, segundo esse político, tem simpatia por Huck, mas também por João Doria, e há ainda os três ministros do partido no governo Bolsonaro. “O diálogo com esses três vai existir no DEM. Bolsonaro é detentor de capital político bastante elevado. Tirar isso dele não é simples”, diz essa fonte.

Recentemente, Huck foi aconselhado a não citar o nome de Bolsonaro em suas palestras. Quando afirmou, num evento em Vila Velha, em agosto, que Bolsonaro era o último capítulo de uma história que não deu certo, Huck e seus apoiadores perceberam o tamanho do estrago que o fã-clube bolsonarista pode provocar em reputações. O próprio Huck confidenciou a um interlocutor que Bolsonaro lhe dará dor de cabeça. A estratégia, agora, é defender as iniciativas do ministro da Economia, Paulo Guedes, e estimular ações no Congresso, com o aval e a articulação direta de Rodrigo Maia, para que o máximo de reformas possam avançar neste governo.

A linha do discurso de Huck numa eventual campanha já está delineada e há até definição dos cinco eixos centrais que ele deve explorar: desigualdade social, sustentabilidade, educação, saúde e segurança pública. Para cada um desses eixos, conversas têm sido articuladas com especialistas em cada um desses setores.

O ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga apresentou Huck aos economistas Marcos Lisboa, presidente do Insper, e Ricardo Paes de Barros, que também é do Instituto Ayrton Senna e conselheiro do Livres. PB, como é conhecido, foi o principal formulador do Bolsa Família e é hoje a maior referência no país para elaboração de políticas públicas com base em dados e evidências. Esses profissionais estão incumbidos de subsidiar debates sobre desigualdade e macroeconomia.

As conversas sobre desigualdade começaram no Agora, em 2017, quando o advogado Beto Vasconcelos, alinhado a governos do PT, e o cientista social Humberto Laudares, simpático a governos tucanos, fizeram a cabeça de Huck sobre aspectos estruturais do problema. Foi ali que Huck ouviu sobre a dificuldade de endereçar publicamente o problema já que ele faz parte da elite super rica do Brasil.

Definindo-se como liberal progressista, Armínio Fraga diz que o debate sobre desigualdade é imprescindível num país como o Brasil. “Eu não sou político, mas realmente acho que o Luciano não tem que ficar na linha de frente da política. É muito cedo, não faz sentido. Ele pode aprender, influenciar onde puder, e mais para a frente ele pensa nisso”, diz Armínio Fraga. O ex-presidente do BC admite que “Luciano está mordido pelos assuntos públicos há muito tempo, e ele deve continuar fazendo isso”, sem ter 2022 como foco. “Ele tem uma cabeça muito prática: esse é o problema, quero entender, como fazer para melhorar.”

Na área de segurança pública, por exemplo, Huck conta com Ilona Szabó e Melina Risso, ambas cofundadoras do Agora e com atuação nessa área e interfaces no terceiro setor.

Se lá na frente o cavalo continuar arreado, uma saída é Huck se filiar ao partido Cidadania, o antigo PPS, comandado por Roberto Freire. A hipótese, admite Freire, foi discutida em 2018 e ainda está no radar. “O Cidadania ficaria muito gratificado se ele decidir ser candidato e se integrar ao partido. Só que isso não vai acontecer nem tão cedo, nada agora vai ser decidido. Se isso vier a se concretizar, não tenho dúvida: vamos ser protagonistas em 2022”, afirma o ex-deputado da Constituinte. (Colaborou Cristian Klein, do Rio)

 


UOL: Luciano Huck não é um noviço na política, diz presidente do Cidadania

O apresentador de TV e empresário Luciano Huck flertou com a ideia de concorrer à Presidência da República em 2018 e surge entre os cotados a ser candidato em 2022. No que depender de Roberto Freire, 77, presidente do Cidadania (novo nome do antigo PPS), o nome de Huck estará na urna

Wellington Ramalhoso, do UOL, em São Paulo

"Nós do Cidadania estamos de porta aberta [para Huck]. Quando chegar o momento e se esse momento chegar [de] uma procura dele de um partido para se filiar, o Cidadania estará lá na primeira fila", diz Freire.

Político experiente, Freire exerceu sete mandatos como deputado federal e foi senador, além de ministro da Cultura no governo Michel Temer (MDB). Ele tem sido um dos principais interlocutores do apresentador da Rede Globo entre os líderes partidários.

Em sua opinião, Huck já não pode mais ser considerado como uma figura de fora da política. "Desta vez ele também está muito mais enfronhado na política. Ele não pode dizer que é um noviço."

A decisão de rebatizar o partido como Cidadania foi oficializada neste ano. A história da legenda remonta ao antigo PCB (Partido Comunista Brasileiro). Criado em 1992, o PPS (Partido Popular Socialista) representou a revisão política feita por antigos comunistas depois do esfacelamento da União Soviética e da queda dos regimes apoiados por ela no fim da década de 1980.

Confira abaixo os principais trechos da entrevista concedida pelo presidente da sigla.

UOL - O Cidadania é citado como um partido com o qual o apresentador Luciano Huck dialoga para se filiar.

Roberto Freire - Se filiar, não. Ele em momento algum disse que iria se filiar e ser candidato. A conversa, já há muito tempo, desde o ano passado, é uma conversa de que ele tem participação na política junto aos movimentos cívicos e sociais que existem na sociedade brasileira, que estão fazendo política, participando, formando quadros políticos. E muitos desses movimentos têm um diálogo muito intenso conosco. E outros são filiados ao nosso partido.

Então, essa relação com ele é uma relação que há algum tempo existe, que é de intenso debate, participação política nas discussões dos problemas nacionais. Existe a possibilidade de que ele venha a disputar alguma eleição. Isso está no horizonte. Agora não tem nada definido sobre isso.

Ele nunca se declarou candidato, mas o Cidadania admite que isso possa vir a ocorrer. Até porque ele é um homem político, participa da política, não disse que é candidato, ainda não definiu militância ou filiação partidária. Mas de qualquer maneira está participando e quem sabe amanhã se pode vir a discutir essa hipótese. O Cidadania não exclui [a possibilidade], mas não tem nada definido sobre isso.

O senhor já o convidou a se filiar ao Cidadania?

Olha, no ano passado, teve um determinado momento em que a gente imaginou que ele poderia ser candidato. E para ser candidato tem que se filiar. Mas ali ele não aceitou. E agora ainda está muito distante a eleição presidencial.

O que a gente tem conversado com ele é a participação dele junto a alguns quadros jovens que estão entrando no Cidadania, inclusive alguns deles como prováveis candidatos nessas eleições municipais de 2020. Tenho contato com ele. Ele tem tido contato com várias forças políticas, ele tem participado da política, mas ainda com nenhuma definição para candidatura.

Quais são as afinidades entre Huck e o Cidadania?

Muitas.

Ele tem uma formação política de um social-democrata.

O combate à corrupção deve existir, é fundamental fazer isso, mas o Brasil tem outros problemas que não foram resolvidos e alguns até se agravaram, que é da nossa justiça, da nossa desigualdade. Nesse encontro público que ele teve [em agosto] em Vila Velha, no Espírito Santo, ele tocou nesse ponto. Poucos políticos estão discutindo isso. E ele toca porque esse é o problema brasileiro. Isso precisa ser enfrentado e resolvido. Ele tem essa compreensão.

E ao mesmo tempo ele é um um empresário de sucesso, um homem muito antenado com essa nova realidade no mundo, esse novo mundo que aí está, das inovações tecnológicas, da inteligência artificial. Ele é um homem vinculado a isso, inclusive à indústria do futuro, da indústria cultural, do entretenimento. Isso é o que vai ser muito forte em qualquer economia do futuro. Ele tem muita compreensão disso.

Estou lhe dizendo isso porque até muitas vezes as pessoas imaginam que ele é apenas um excelente apresentador de televisão, um grande comunicador. Não é só isso. Ele é profissionalmente muito bem-sucedido, mas ele tem uma boa visão de mundo.

O que o país ganharia com Huck na política?

Não será Luciano Huck, mas é a nova geração que ele representa que está chegando à política, e esse processo de renovação é da vida e é bom quando acontece na política. Não é ruim, não. Já fiz parte de uma juventude que renovou lá atrás no século passado. Sei como isso é importante.

Então ele representa isso: novos quadros, nova geração na política brasileira, que tem esse compromisso com o futuro mais até fácil do que nós. Já não temos até expectativa de vida.

Luciano Huck evita falar sobre candidatura, mas mantém contatos e agenda na política - Divulgação

Luciano Huck evita falar sobre candidatura, mas mantém contatos e agenda na políticaImagem: Divulgação

Falou-se muito em nova política na eleição do ano passado e no começo deste ano.

Não gosto muito desse negócio da nova e da velha política, não. Sou muito mais afeto à boa política, à política com "p" maiúsculo. Não é um problema de novos e velhos até porque tem alguns novos aí que são muito velhos até.

É a renovação da vida, é nova geração que está chegando. Não precisa forçar nada, não. Isso acontece naturalmente. E mais: está acontecendo porque também as pessoas que são jovens estão muito mais antenadas com esse mundo disruptivo, de mudança.

A própria vida provoca essa mudança, essa renovação. Essa nova geração tem que assumir a sua responsabilidade. O que nós mais experientes, mais idosos, mais antigos da política, temos que fazer é abrir as portas para isso e contribuir, se for necessário, com a nossa experiência porque a experiência ajuda que as pessoas entendam e não cometam erros que lá atrás cometemos ou vimos cometer.

Quando o senhor conheceu Huck e desde quando conversam?

Eu conhecia Huck muito pouco. Conheci ele ano passado quando começamos a discutir sobre movimentos sociais que estavam procurando participar da política entrando em partidos, alguns para disputar a eleição e tudo mais. Foi quando o conheci. Através do movimento Agora!, que era muito ligado a ele, [e de] alguns que participavam do Renova [movimento RenovaBR], que é de formação de quadros, e que entraram no partido. Então, passamos a conversar. Porque o Huck era ativo participante desses movimentos. Tiveram os primeiros encontros, e hoje tenho permanentemente contato, converso [com ele].

Se ele se decidir por uma filiação, o senhor acredita que ele optará pelo Cidadania ou poderá se filiar a outro partido?

Tem que perguntar a ele.

O que posso dizer é que nós, do Cidadania, estamos de porta aberta [para Huck]. Quando chegar o momento e se esse momento chegar [de] uma procura dele de um partido para se filiar, o Cidadania estará lá na primeira fila

E se ele quiser ser candidato a presidente? O Cidadania também está de portas abertas para isso?

Também. Pode ser uma boa alternativa.

Desta vez ele está mais inclinado a isso?

Difícil dizer, mas desta vez ele está muito mais enfronhado na política. Naquela vez [em 2018], ele estava começando ali, era o primeiro momento. Ele era total um outsider. Hoje já é menos [outsider]. Porque a sua participação já vem de algum tempo. Ele não pode dizer que é um noviço

Presidente do Cidadania não descarta fusão com a Rede, partido da ex-senadora Marina Silva - Mateus Bonomi/Folhapress

Presidente do Cidadania não descarta fusão com a Rede, partido da ex-senadora Marina SilvaImagem: Mateus Bonomi/Folhapress

O que é o Cidadania hoje? É um partido de centro?

Hoje é um partido em que convivem liberais e sociais-democratas. São as duas vertentes de pensamento político contemporâneas que você está vendo como forças vitoriosas no mundo mais desenvolvido. Na Europa foi essa aliança a fundamental para dar a vitória às forças que sustentam a União Europeia. Acrescente aí algo que tem também a ver com a origem do Cidadania no PPS: a questão da sustentabilidade.

São essas as forças políticas que estão, eu diria, na vanguarda do processo desse novo mundo que aí está: as grandes transformações da inteligência artificial, o mundo da rede, da internet, da robotização da economia. O Cidadania é uma etapa desse mundo moderno, etapa superior aos partidos que estão muito prisioneiros do que significava a sociedade industrial, que está sendo superada.

Não dá para imaginar hoje um partido como um partido de uma esquerda da sociedade industrial, até porque o mundo do futuro está caminhando para que você não tenha mais, por exemplo, classe operária. O chão de fábrica hoje é de robô, não é mais de classe operária. Se quiser usar a terminologia, você pode botar centro-esquerda. O Cidadania é um partido de centro-esquerda

Para a eleição presidencial de 2022, é possível o Cidadania fazer aliança com PSDB e o DEM?

Você pode dizer: por que não uma candidatura de centro-esquerda? Estamos abertos a isso, claro. De centro, centro-esquerda e até de centro-direita. Não apoiarei, provavelmente, um candidato de centro-direita, mas se fizer parte desse grande polo democrático... Porque a gente precisa evitar que se tenha novamente uma disjuntiva entre lulopetismo e bolsonarismo. Isso é um desastre para o país, na minha avaliação.

Como romper essa polarização?

Não tínhamos essa polarização em 2018. Ela se cristalizou por uma série de circunstâncias. Não acredito que ela vá ser a polarização em 2022. De qualquer forma, temos que nos preparar para construir uma alternativa que seja um dos polos e seja um polo democrático.

No fim do ano passado, comentou-se que o Cidadania poderia fazer uma fusão com a Rede, partido de Marina Silva. Por que essas conversas não foram à frente?

Foram [conversas] até muito intensas. Teve um determinado momento que eu imaginei que iria ser possível essa integração entre Rede e PPS formando o Cidadania. Conversamos bastante, tenho muito bom diálogo com Marina. Há uma relação muito respeitosa entre nós. Apoiamos ela em 2014.

Mas não deu. Havia um certo casuísmo na legislação e só pode fazer fusão o partido que tiver cinco anos de registro. E na oportunidade, a Rede ainda não tinha cinco anos de registro. Então não podia fazer fusão.

Houve internamente uma discussão de que o partido [a Rede] deveria continuar para tentar ver se se consegue superar a cláusula de barreira [em 2022]. E nessa oportunidade discutir a possibilidade de fusão porque já terá cinco anos de registro. O diálogo continua e se isso voltar a surgir, o partido [Cidadania] evidentemente não tem nenhum obstáculo. Da mesma forma que o PV. Somos todos adeptos desse mundo moderno. O importante é construir a alternativa democrática, humanista. Nesse sentido, [há] essa possibilidade de junção com Rede, com PV. Podemos ter nossas divergências, mas no sentido mais profundo da luta política, temos muitas semelhanças.

Freire diz que Bolsonaro é inepto e que Weintraub não tem compostura para o cargo de ministro da Educação - Pedro Ladeira/Folhapress

Freire diz que Bolsonaro é inepto e que Weintraub não tem compostura para o cargo de ministro da EducaçãoImagem: Pedro Ladeira/Folhapress

Que avaliação o senhor faz do governo Jair Bolsonaro (PSL)?

É um governo que muito rapidamente perdeu, em termos de opinião pública, sua base de apoio. Reduziu-se muito. Talvez tenha sido o presidente que, com menos de um ano, teve uma maior redução na sua base de sustentação em termos de opinião pública.

É um governo que teve até uns ganhos apesar do presidente. Muito provavelmente, até o fim do mês, você terá aprovada a reforma da Previdência. Todos os governos lutaram por ela e com tremendas dificuldades aprovaram algo mais ou menos assemelhado a uma reforma. E essa é uma reforma mais completa do que a da Dilma [Rousseff, PT], do que foi a do Lula [PT] e do que foi a apresentada por Fernando Henrique Cardoso (PSDB).

Ou seja, esse governo foi beneficiado por isso, mas o presidente é tão inepto que consegue não transformar isso numa grande vitória do próprio governo. E atrapalha. Comete tantas bobagens e equívocos que até faz oposição ao seu próprio governo. Cria adversários, inimigos. Todo dia tem uma polêmica, todo dia cria problema ao governo e para o país em alguns momentos, como por exemplo, na questão da Amazônia, na questão das suas relações internacionais com alguns países. Nesse sentido, é um governo que considero inepto.

O governo é completamente desastrado na questão da reforma tributária. Ele não tem um projeto de reforma tributária. Ele tinha um projeto de aumentar a arrecadação dos impostos, aumentar a carga tributária do país com a criação da CPMF.

No caso do Ministério da Justiça, são dois pontos que mais se sobressaíram. Ele deu continuidade a algumas políticas positivas, corretas no campo da segurança pública, sistema penitenciário e combate ao crime organizado, que começaram a dar frutos no governo Michel Temer (MDB) e na administração do ministério, com Raul Jungmann. Por outro lado continua, de forma muito equivocada, admitindo propostas no combate ao crime e na questão da segurança pública, como esse absurdo que é o excludente de ilicitude. É um absurdo, é uma licença para matar.

[O governo é] desastroso na educação, [com] um ministro [Abraham Weintraub] que mais parece um animador de vídeo. Não é um ministro que se dê ao respeito. Não tem a compostura devida para o cargo. Ali é um setor muito negativo do governo, mas eu prefiro analisar no geral. O governo deixa muito a desejar. Eu também não tinha uma expectativa, não, viu? Convivi com ele [Jair Bolsonaro] como parlamentar e sabia da sua incapacidade de ser um gestor.

A oposição tem cumprido seu papel?

Eu diria a você que a oposição não tem cumprido necessariamente seu papel porque, como eu disse, o governo faz oposição a sim mesmo. E na oposição você tem, por exemplo, uma oposição que parece que continua prisioneira de Curitiba, especialmente hegemonizada pelo PT, e um pouco alheia aos reais problemas brasileiros, que evidentemente não é Lula na cadeia ou solto. Isso é algo irrelevante, mas eles continuam muito prisioneiros disso.

Então, essa oposição deixa muito a desejar também. Mas também existe uma outra oposição, que não é ao país, apoia a reforma, mas ao mesmo tempo [está] atenta a todos esses desmantelos praticados pelo governo. Taí atuando inclusive com muita eficiência nas tentativas do governo das censuras, de tentar governar por decreto, certos autoritarismos, submissão a fundamentalismos religiosos. Toda essa pauta de costumes e culturais [está sendo bem enfrentada pela oposição brasileira. Está tendo um papel positivo a oposição. Está conseguindo deter esses arroubos antidemocráticos e de retrocesso e obscurantistas.

O senhor é um crítico dos governos do Partido dos Trabalhadores. Para o sr., é impossível dialogar com o PT?

Consigo [dialogar]. Temos inclusive um bom dia diálogo com o governador do Ceará [Camilo Santana]. O governador da Bahia [Rui Costa] tem tido algumas posições interessantes em análises sobre o que deve presidir a ação política da esquerda, falando inclusive do PT.

São setores do PT que facilitam o diálogo sem nenhuma dúvida e podem ajudar muito no combate a essas posturas antidemocráticas da parte do próprio governo. Esses setores do PT estão começando a entender que este é um problema brasileiro e que tem que ser enfrentado.