Day: outubro 12, 2019

Marcus Pestana: Ajuste Fiscal e Privatizações (I)

O tema central da agenda brasileira de desenvolvimento é o grave desequilíbrio fiscal do setor público. Os monumentais déficits acumulados têm funcionado como verdadeira âncora a decretar o crescimento raquítico da economia brasileira nos últimos tempos. O desarranjo orçamentário dos governos tem repercussões múltiplas: na taxa de juros, na queda do investimento e da poupança, na confiança dos investidores, no aumento preocupante da dívida pública e, portanto, nos níveis de atividade econômica e do emprego.

Qualquer dona de casa ou trabalhador, mesmo sem dominar o árido terreno da teoria econômica, consegue compreender que o governo, assim como qualquer família, não pode gastar indefinidamente muito mais do que ganha, sob pena de chegar a uma situação de insolvência. A família que acumula anos de déficits no orçamento familiar vai se endividando nos carnês, nos bancos e agiotas. Até que a situação se agrava e a família começa a cortar gastos, tenta aumentar a renda familiar, até chegar ao nível de despesas essenciais incompressíveis. Não havendo outra saída começa a se desfazer do patrimônio familiar para pagar dívidas. E chega ao ponto em que não adianta vender a geladeira e o fogão para pagar a conta mensal do supermercado.

O governo também é assim, com uma única diferença, o poder central pode emitir moeda e se endividar até limites mais elásticos. Já os governos estaduais em crise vivem hoje sua hora da verdade. Experimentam déficits anuais gravíssimos e crescentes. E não podem mais se endividar. Diante de tamanho desequilíbrio abre-se a discussão sobre as privatizações de estatais para a obtenção de receitas em favor do ajuste fiscal.

As privatizações não envolvem apenas o objetivo de reequilibrar as contas públicas. Há também a visão de concentrar a ação do Estado no seu papel de coordenador, regulador e promotor de políticas públicas sociais, deixando para a iniciativa privada a gestão mais eficiente de atividades econômicas que podem e devem ser delegadas. Mas para que os frutos das privatizações sejam virtuosos e não caiam no caso da geladeira versus a conta mensal do supermercado, é necessário que os recursos apurados sejam canalizados para o ajuste patrimonial de longo prazo (abatimento de dívida financiada a juros altos, soluções de longo prazo para o sistema previdenciário, investimentos que aumentem o nível de atividade, etc.).

O cidadão consumidor de serviços públicos quando vai ao interruptor de luz ou a torneira não se pergunta se a energia elétrica ou o abastecimento de água são estatais ou privados. O que interessa à sociedade e ao cidadão é a segurança do abastecimento, a qualidade e tarifa justa. Como são serviços públicos e monopólio natural, podem perfeitamente serem entregues à iniciativa privada, desde que haja uma regulação correta e eficaz.

Há sempre na discussão das privatizações um manto ideológico e político que, muitas vezes, falseia o debate e ergue mitos e muros. Hoje o nível de investimento público é ridículo, prejudicando os objetivos centrais de uma educação pública de qualidade, de um sistema de saúde que responda melhor às angústias da população, de uma segurança mais eficaz ou de investimentos em saneamento e infraestrutura essenciais para o desenvolvimento.

Voltarei ao assunto na próxima semana discutindo casos concretos.


Ricardo Noblat: O gosto de Bolsonaro de atirar no próprio pé

Guerra de desgaste

Bons tempos aqueles em que um grupo de deputados podia sair impunemente de um partido e carregar para outro seu tempo de propaganda eleitoral no rádio e na televisão e sua parte em dinheiro nos fundos eleitoral e partidário. Não pode mais.

É justamente por isso que o presidente Jair Bolsonaro dá tratos à bola para imaginar um modo de não abandonar sozinho o PSL. Seria mais um tiro no pé, entre tantos que ele tem disparado desde que se escalou para exercer uma tarefa sem preparo.

Enquanto não descobre um modo, trava uma guerra de desgaste com o deputado Luciano Bivar (PE), presidente do PSL. Quer fazer uma devassa na contabilidade do partido nos últimos cinco anos na tentativa de descobrir grossas irregularidades. Não seria difícil.

Em janeiro do ano passado, ao filiar-se ao PSL, Bolsonaro não teve tal cuidado. Limitou-se a celebrar a “comunhão de ideias” que o levava ao partido. Exigiu apenas que Bivar se afastasse da presidência para que ele pudesse usar o PSL ao seu gosto.

E assim foi. Bolsonaro pôs no lugar de Bivar o advogado Gustavo Bebbiano, um amigo recente dele. Eleito, nomeou Bebbiano ministro da Secretaria do governo. Demitiu-o depois que Carlos Bolsonaro, o Zero Dois, desentendeu-se com Bebbiano.

Ao sugerir que o PSL estava podre antes mesmo de sua entrada, arrisca-se Bolsonaro a que se prove que a podridão aumentou ou ficou do mesmo tamanho sob seu comando indireto, e logo no ano em que ele foi eleito presidente da República. Vai pagar para ver?

Em vários lugares, o Ministério Público investiga casos de desvio de recursos e de caixa 2 do PSL durante a campanha em que elegeu 52 deputados federais e quatro senadores. O laranjal do PSL em Minas Gerais é apenas o mais frondoso deles.

Se de repente Bolsonaro quer se reconciliar com o combate à corrupção sem ligar para o que possa acontecer com alguns dos seus filhos, por que não afasta logo do cargo o ministro do Turismo, soterrado por tantos indícios de roubalheira?

Mas, não. Em defesa do ministro – sabe-se lá por que – ele arranja encrenca com a Polícia Federal e diz que foi mal feito o inquérito que apurou investigou seu auxiliar querido, e pelo visto irremovível. Contraditório, é ou não é?

Do que Bolsonaro na verdade tem medo?


Míriam Leitão: Ataque à cultura fere a economia

Cultura tem sido usada como alavanca para o desenvolvimento em vários países. No Brasil, está sob ataque do governo Bolsonaro

A cultura brasileira está sob ataque. Isso é perigoso do ponto de vista da democracia, mas é também um erro econômico. Em vários países do mundo, esse setor tem sido uma alavanca ao desenvolvimento. A Inglaterra reposicionou sua mão de obra para a economia da cultura quando perdeu empregos na indústria tradicional para a China. A França fez o mesmo. A censura é um veneno para o setor, porque a liberdade é o único ambiente no qual as artes florescem.

O economista gaúcho Leandro Valiati é professor visitante de economia da cultura da universidade de Sorbonne, na França, e da Queen Mary, na Inglaterra. Ele tem conduzido estudos sobre esse assunto nos dois países. Vê com muita preocupação o que está havendo no Brasil.

— Essas cadeias estão se rompendo no Brasil pela crise enorme que a gente passa no financiamento da cultura em um governo que é contra a cultura por razões de disputa ideológica e isso está gerando o que chamamos de tempestade perfeita — diz Valiati.

Ele conta que no mundo inteiro, mesmo na Inglaterra da era Thatcher, a cultura sempre recebeu financiamento público.

— A Inglaterra tem um departamento de cultura, mídia e esportes que criou o primeiro modelo de políticas públicas para indústrias criativas dentro da lógica de pensar um motor para o desenvolvimento do século XXI — diz o professor.

Quando a produção tradicional começou a migrar para a Ásia, a Inglaterra reposicionou sua mão de obra para outros setores de ponta como as indústrias criativas, de produção de conteúdo, dependente da tecnologia de comunicação. Há desde criação de fundos públicos, treinamento, até a transformação de Londres em cidade hiperconectada. Parte do dinheiro da cultura vem da loteria, mas há outros fundos públicos e o investimento direto no patrimônio, como museus.

— Cultura tem emprego e renda muito positivos. O Brasil é riquíssimo nisso. Cada estado é um pequeno país de tradições, valores culturais, cadeias produtivas da cultura, existe uma economia que é efetiva e na qual o dinheiro público é muito bem investido — explica Valiati.

Ele explica que indústrias criativas incluem tanto as clássicas como teatro, cinema, audiovisual em geral, música, rádio, conteúdos para TVs, livros, mas também softwares, games, arquitetura, design, publicidade, tudo o que envolve direito intelectual. O ex-ministro e hoje deputado Marcelo Calero (Cidadania-RJ) chegou a montar uma secretaria da Economia da Cultura exatamente para diferenciar esse núcleo do resto das indústrias criativas. Valiati diz que o Brasil já vinha com o esgotamento do modelo de financiamento. Precisaria repensar a indústria como um todo porque isso está sendo feito de forma global. Mas todo o quadro piorou. Calero concorda.

— O que está acontecendo agora é um sufocamento da cultura por parte do governo Bolsonaro. Está dentro de uma visão maior dele que é de destruir e sufocar todos os que ousarem contestar seu poder — diz o deputado.

O primeiro movimento foi o de condenar o subsídio ao setor, como se fosse benefício pessoal aos artistas. Leis de incentivo às artes existem em todos os países do mundo, inclusive Estados Unidos. Tem que haver clareza nos critérios e prestação de contas. Só para se ter uma ideia, a indústria automobilística ainda tem subsídios e isso sim deveria ser visto como escandaloso. Valiati compara os dois setores:

— A indústria automobilística tem 7% da fatia de subvenção fiscal total. A cultura tem 1% a 1,5%. E mesmo isso vive sendo criticado. Eu coordenei estudo de cinco anos no Brasil para entender a economia da cultura, separando de outras atividades criativas. O total de emprego criado é maior do que os gerados pela indústria extrativa. O problema é que essa discussão tem sido feito de forma rasa.

Em grandes países, o debate se dá em torno de reposicionar a economia estimulando uma cadeia de valor na área cultural. Aqui, o debate, lembra Calero, é levar a Ancine para Brasília para forçar “os cineastas do Leblon a irem para o Cerrado”, como foi dito. Há implicâncias contra artistas e grande pressão contra as artes. Isso sufoca as liberdades individuais e coletivas, mina a democracia, solapa um setor econômico que produz emprego de qualidade e renda. Há mais a dizer sobre isso. Continuarei amanhã no mesmo assunto.


Merval Pereira: Briga pelo butim

Bolsonaro sem o PSL perde o apoio financeiro, mas o PSL sem Bolsonaro será um partido rico sem uma bandeira

A eleição de Bolsonaro para a presidência da República em 2018, consequência da disfuncionalidade de nosso sistema politico-partidário e da decadência da democracia representativa pelo mundo afora, e a do próprio país, corroída pela corrupção, explicitou no nosso combalido cotidiano político o paradoxo de ter o mais poderoso Congresso dos últimos anos, e o de menor qualidade individual.

O índice de renovação foi o maior dos tempos recentes, mas resultou em um Congresso amorfo, com um quadro partidário mais fragmentado ainda, e os maiores partidos da Câmara, o PSL e o PT, sofrendo, o primeiro, de descontrole, e o segundo de controle excessivo.

Dedicando-se unicamente à libertação de Lula, o PT não tem importância parlamentar. Já o PSL, um nanico que surgiu gigantesco, do nada que significava, graças à filiação de última hora do candidato Jair Bolsonaro à presidência da República, continua no baixo clero, sem organização e sem liderança.

Bolsonaro passou a metade de seu primeiro ano de mandato criticando a velha política, e hoje se dedica a tomar conta do partido que o elegeu para, com métodos iguais aos que critica, organizar um esquema partidário que dê sustentação à sua reeleição.

A disputa no baixo clero pelo butim dos fundos Partidário e Eleitoral no ano das eleições municipais tem alcance mais longo, até a eleição presidencial de 2022. Não é à toa que o presidente Bolsonaro abriu uma guerra contra a direção do PSL. Um partido nanico até a eleição passada, o PSL elegeu a segunda maior bancada em 2018, o que garantiu um fundo partidário de R$ 110 milhões este ano.

E mais R$ 359 milhões em 2020, somando os fundos Partidário e Eleitoral. Essa vitória estrondosa, no entanto, não se converteu em ativo eleitoral para o clã Bolsonaro, pois o partido tem dono: o deputado federal Luciano Bivar.

Assim como Bolsonaro ano passado, Bivar também foi candidato à presidência da República em 2006, mas terminou em penúltimo lugar, recebendo 0,06% dos votos. O último colocado, como de costume, foi o candidato do Partido da Classe Operária (PCO), o mesmo ao qual os advogados de Bolsonaro comparam o PSL em termos de transparência de prestação de constas. Os dois estão empatados no último lugar num ranking de transparência.

Pedindo uma análise independente das contas do seu nono partido politico (já esteve no PDC, PP, PPR, PPB, PTB, PFL, PP, PSC,), Bolsonaro pretende criar uma situação tal que lhe permita, ou assumir o controle do partido, ou liderar uma debandada de deputados sem que se arrisquem a perder o mandato.

A primeira possibilidade é remota, a outra é uma improbabilidade que não está na lei, mas que o Tribunal Superior Eleitoral poderá encontrar uma interpretação alargada para permitir.

Os Bolsonaro querem mesmo é controlar os fundos do partido, que só existem por causa deles. Sair do PSL seria uma atitude megalômana daqueles líderes que chamam seus seguidores para o suicídio, neste caso eleitoral.

Disputar eleições sem tempo de televisão e dinheiro pode ter dado certo para Bolsonaro, embora o apoio de grandes empresários hoje esteja comprovado, e a facada trágica tenha criado um efeito inverso na sua campanha, que o criminoso queria inviabilizar.

Mas, achar que novamente esse fenômeno se repetirá, não é razoável. A briga pelo butim traz ainda uma contradição interna: Bolsonaro sem o PSL perde o apoio financeiro, mas o PSL sem Bolsonaro será um partido rico sem uma bandeira, que o presidente representa cada vez mais para um núcleo eleitoral nada desprezível.

Vê-se a cada dia o esforço do presidente de acelerar sua campanha pela reeleição. Ontem, esteve lado a lado com dois potenciais concorrentes: João Doria, governador de São Paulo, e Wilson Witzel, governador do Rio de Janeiro.

Para Doria, tucano que esteve circunstancialmente do seu lado na eleição presidencial, reservou vaias de seus seguidores, que o receberam aos gritos de “Mito”. Bolsonaro estava em seu habitat, na formatura de uma turma da Polícia Militar de São Paulo, tanto que carregou no colo uma criança fantasiada de PM com uma arma de brinquedo na mão.

Já com Witzel, aproveitou solenidade de lançamento de um submarino no Rio para adverti-lo frontalmente. Encarando-o, exigiu de seus possíveis concorrentes “ética, moral e sem covardia”. Se com João Doria a disputa é entre campos distintos, com Witzel é no mesmo campo.


Adriana Fernandes: BNDES na PEC emergencial

PEC trará uma lista de medidas duras para serem adotadas

A suspensão do repasse obrigatório ao BNDES dos recursos do Fundo do Amparo ao Trabalhador (FAT) voltou ao debate, agora, dentro da equipe econômica.

A coluna apurou que a ideia em análise é incluir uma interrupção temporária do repasse ao banco de desenvolvimento, por um prazo de dois anos, dentro de uma proposta do guarda-chuva do pacto federativo, que foi batizada no Ministério da Economia de “PEC emergencial”.

A transferência do dinheiro do FAT está prevista na Constituição e é hoje a principal fonte de novos recursos ao BNDES.

Na reforma da Previdência, o fim dos repasses foi incluído no substitutivo do relator, deputado Samuel Moreira (PDSB-SP), mas acabou sendo retirado depois de forte pressão de um grupo de parlamentares e mobilização dos funcionários do banco contrários ao corte do dinheiro.

O tema já tinha sido tratado, mesmo que indiretamente, na MP que libera o saque do FGTS e que contém artigo dando ao ministro da Economia poderes para disciplinar os critérios e as condições de devolução ao FAT dos recursos especiais repassados ao BNDES para cobrir falta de dinheiro para pagamento de seguro-desemprego e abono salarial.

Não há consenso entre os técnicos da eficácia dessa medida para o ajuste, mas a reação já se sabe deverá ser forte como foi na reforma da Previdência. Por isso, nenhuma decisão foi tomada ainda.

A PEC emergencial trará uma lista de medidas duras para serem adotadas por um prazo de dois anos e outras permanentes. Ela é mais enxuta do que a PEC do deputado Pedro Paulo (DEM- RJ) da Câmara, que prevê o acionamento de uma série de gatilhos (medidas duras) para garantir a redução das despesas obrigatórias e abrir espaço no teto de gastos.

Com pouco tempo até fim do ano, o governo optou em fazer uma PEC emergencial para garantir a viabilidade da sua adoção já em 2020. Faz parte do acordo firmado, há três semanas, entre o ministro Paulo Guedes e os presidentes Davi Alcolumbre (Senado) e Rodrigo Maia (Câmara), e que levou depois ao acerto para a divisão dos recursos do megaleilão.

A PEC emergencial entrará pelo Senado e será apresentada por um senador aliado. Não deve mexer no teto de gastos (que trava as despesas à inflação) e vai fazer um pequeno ajuste na chamada regra de ouro, mecanismo que impede que o governo faça dívidas para pagar despesas correntes, como salários.

Hoje, o governo manda o Orçamento desequilibrado em relação à regra de ouro e no ano seguinte busca aprovar no Congresso um crédito extra para não descumpri-la. A proposta da PEC emergencial é reverter a lógica. Mandar o Orçamento já com o crédito adicional para serem aprovados juntos e o governo não depender de duas votações.

No segundo momento, provavelmente em 2020, o governo vai tratar de uma proposta maior, bem mais ambiciosa, que vai cuidar de desvincular (retirar os “carimbos”), desindexar (remover a necessidade de conceder automaticamente reajustes) e desobrigar o pagamento de despesas. Essa nova proposta tem recebido o apelido de “PEC DDD”.

Tensão
Um ponto delicado será mexer no BNDES. A direção do banco já está em pé de guerra por conta da antecipação de dividendos, cobrada pelo Ministério da Economia, e a venda de ações do banco para aumentar o seu lucro.

Uma crise maior está por um fio no BNDES e a saída do diretor de Participações, Mercado de Capitais e Crédito Indireto, André Laloni, é mais um sinal.

O clima azedou de vez nesta semana depois que a Associação dos Funcionários do BNDES divulgou uma nota duríssima se dizendo perplexa com a forma como tem sido conduzido o BNDESPar, braço de participação acionária do banco. Os funcionários colocam luz sobre a decisão de afastar uma das mais respeitadas advogadas do banco. Eles alertam que a governança do banco está sob sério risco.

A maior crítica é à preferência em fazer a venda de ações por oferta pública em vez da venda pela sua mesa de operações. A oferta pública implica custos com comissões a outros bancos.

100% Guedes
Depois do fogo amigo de ala do governo contra Guedes, a calmaria. O ministro está bem mais próximo do presidente Bolsonaro. Ele brinca que o presidente lhe deu sobrevida ao dizer que é 100% Guedes em entrevista exclusiva ao Estado, publicada no domingo passado. Bolsonaro respondeu que eles estarão juntos até 2026. O ministro querendo ou não.


Política Democrática online repercute acordo frustrado de Itaipu

Parlamentares reclamam de demora para realização de audiência pública na Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos Deputados

A nova edição da revista Política Democrática online revela que deputados brasileiros tentam montar o nebuloso quebra-cabeça para esclarecer os termos e as implicações do acordo entre o Brasil e o Paraguai sobre a compra e venda de energia produzida pela usina hidrelétrica de Itaipu. O conteúdo está em reportagem especial da publicação, que é produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), vinculada ao partido político Cidadania 23.

» Acesse aqui a 11ª edição da revista Política Democrática online

Segundo a reportagem especial, a ata do documento foi assinada em maio, sob sigilo, e cancelado no mês passado, logo após o caso ser revelado pelo Jornal ABC, do país vizinho, e ter colocado em risco de impeachment o presidente Mario Abdo Benítez. A Política Democrática online informa que a ata bilateral assinada em maio definia os termos de compra de energia pelo Paraguai até 2022, estabelecendo, pela primeira, a operação comercial com antecedência.

Até então, de acordo com a reportagem da revista mensal, a contratação era feita a cada ano. Pela nova operação, o Paraguai passaria a pagar ao menos cerca de US$ 200 milhões a mais por ano pela mesma energia. Essa conta pesaria no bolso da população paraguaia, que não foi consultada sobre o acordo que virou um escândalo.

Há suspeitas de que o acordo beneficiaria a empresa brasileira Léros, supostamente ligada a aliados do presidente Jair Bolsonaro. Ela comercializa energia e teria feito negociações com o Paraguai, pela energia Itaipu, em nome do governo brasileiro. Executivos da Léros realizaram pelo menos duas viagens ao Paraguai em aviões privados, em abril e junho deste ano, com a presença do empresário Alexandre Luiz Giordano, suplente do senador Major Olímpio (PSL-SP), líder do governo na Casa.

O caso tem gerado uma guerra de forças na Câmara dos Deputados. A Comissão de Relações Exteriores aprovou, em 13 de agosto, requerimento do deputado federal Rubens Bueno (Cidadania-PR) para que os ministros Ernesto Araújo (Relações Exteriores) e Bento Costa Lima Leite de Albuquerque Junior (Minas e Energia), participem de audiência pública para prestarem informações. No entanto, ainda não há data definida para ser realizada, já que o principal obstáculo é o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), que ocupa a presidência da comissão.

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João Domingos: Um governo em dívida

Onde estão a reforma tributária e o plano de salvação da indústria?

Com a reforma da Previdência praticamente concluída, muitas perguntas relacionadas com temas fundamentais para a recuperação econômica e a retomada do emprego começam a ficar no ar, à espera de respostas. Cadê o projeto de reforma tributária do governo? Será possível que a qualificada equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes, só tinha como ideia para mudar o arcaico, burocrático e confuso sistema tributário brasileiro a criação de um imposto semelhante à CPMF?

E onde está o plano de salvação da indústria do País? O que o presidente Jair Bolsonaro e sua equipe econômica pensam a respeito do setor calçadista, da indústria de confecções, do chão de fábrica das autopeças, da cerâmica? Essas perguntas os congressistas já começam a fazer. Alguns chegam a duvidar de que o governo vá mesmo fazer um projeto de privatização radical das estatais, como Paulo Guedes anunciou. Afinal, parece que alguém já conseguiu tirar a EPL da lista das que serão vendidas ou liquidada

A EPL, só para lembrar, é a empresa criada no governo de Dilma Rousseff para tocar o projeto do trem de alta velocidade que ligaria o Rio de Janeiro a Campinas, passando por São Paulo. Tal linha deveria ter sido inaugurada meses antes do início da Copa da Fifa de 2014. Alguns bilhões foram gastos em estudos e o brasileiro continua sem ver sinal do trem-bala. Ou mesmo do trem-pangaré.

Plano industrial, venda de estatais, reforma da Previdência, tudo faz parte de um conjunto de medidas necessárias à salvação do País depois do desastre econômico que foi o governo de Dilma. A reforma previdenciária andou bem. Qual foi o Congresso de qualquer nação democrática do mundo que votou e aprovou mudanças profundas no sistema de Previdência em oito meses, a contar da entrega do projeto pelo Executivo?

Se na Previdência tudo andou até melhor do que o imaginado, no restante as coisas ameaçam empacar. Vejamos a reforma tributária.

Para muitos, principalmente para o setor produtivo, ela é até mais importante do que a reforma da Previdência. Mas corre sério risco de não avançar. Ou, se avançar, fazê-lo lentamente. Câmara e Senado até que tentaram tocar sua parte.

Cada um abraçou um projeto já pronto. O Senado, a proposta trabalhada há anos pelo ex-deputado Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR); a Câmara, uma liderada pelo economista Bernard Appy. Mas sem a proposta do governo não dá para fazer quase nada. Afinal, a União, assim como os Estados, os municípios e o setor produtivo, é parte interessada na reforma.

O atraso do envio do projeto de reforma tributária pela equipe econômica não é o único problema no momento. Há um outro complicador. Se, por um lado, os cerca de R$ 24 bilhões (R$ 10,9 bilhões para Estados, igual quantia para os municípios e mais R$ 2,18 bilhões para os Estados confrontantes com as plataformas marinhas onde há exploração de petróleo) do futuro leilão do pré-sal devem dar um fôlego ao caixa de entes da Federação que se encontram na maior quebradeira, de outro tal alívio pode atrasar a reforma tributária. Deve-se levar em consideração que a União também receberá seu quinhão, R$ 48,84 bilhões.

 

Em 1996, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, foi aprovada a Lei Kandir quando havia pressão por uma reforma tributária. A lei obriga a União a compensar os Estados que concedem isenção de ICMS para produtos de exportação. Contentes com o dinheiro, os Estados pararam de falar na reforma. O mesmo ocorreu com a Emenda Constitucional 84, aprovada em 2014, com efeitos a partir de 2015, que aumentou em 1% a alíquota do Fundo de Participação dos Municípios (FPM). Prefeitos que faziam pressão por uma reforma tributária deram-se por satisfeitos.


Carlos Melo: Doria e Bolsonaro na mesma pista estreita e limitada

Com os olhos nos mesmos cargo e eleitores, não há como evitar colisões entre presidente e governador

Doria e Bolsonaro estão na mesma pista estreita e limitada, mas não desistirão de alçar voo. Enquanto simultaneamente não miravam a presidência, o “bolsodoria” fez sentido — foi até uma forma de retirar Geraldo Alckmin do caminho. Agora, com os olhos nos mesmos cargo e eleitores, não há como evitar colisões.

Fenômeno de 2018, Bolsonaro se entende hoje como uma máquina eleitoral. A despeito de seu governo definhar, a razão obsessiva de sua ação é sempre eleitoreira: consolidar os 30% que ainda lhe apoiam, fechando as portas às pretensões de adversários no seu campo. Se conseguir, estará no 2.º turno, torcendo por novo confronto com o PT.

Para Doria, é mais difícil: precisa arrancar considerável naco de eleitores do presidente, confinando-o ao gueto da direita extremada e cruza os dedos para que também nenhuma candidatura viável se imponha do centro-direita ao centro-esquerda, esmagando-o no mesmo espaço que o rival.

Logo, para além do fato, não se deve dar maior relevo à vaia ou à ovação recebidas por Doria e Bolsonaro, respectivamente, na cerimônia dos sargentos da PM, em São Paulo. Primeiro lugar, porque ainda faltam peças no tabuleiro. Depois, naquele espaço de soldados armados, quem vaiava e ovacionava era desde sempre o eleitor cativo do capitão. Mesmo em casa, ali Doria já não entra — e talvez prefira não entrar. A questão é se ocupará outros cômodos.

*Cientista político e professor do INSPER


Monica de Bolle: Por uma macroeconomia verde

Remover subsídios aos combustíveis e taxar carbono são medidas com potencial político explosivo

Em artigo recente, o economista e professor da London School of Economics Nicholas Stern advertiu que os economistas não estão dando a devida atenção ao maior desafio para o desenho das políticas públicas hoje: o meio ambiente e o impacto econômico das mudanças climáticas. Stern destacou que entre as principais revistas acadêmicas de economia há pouquíssimos artigos que abordam o tema, apesar de sua importância crescente no debate internacional e na mídia. Os desafios, entretanto, são reais e visíveis. Basta acompanhar o que está acontecendo no Equador após a decisão do governo de remover os subsídios aos combustíveis. Basta ver quão empenhada está a União Europeia (UE) em reduzir as emissões de carbono a zero até 2050. Basta ler o projeto de lei do Congresso americano a respeito da criação de um imposto sobre o carbono (House Resolution 763, de janeiro de 2019).

Remover subsídios aos combustíveis e taxar carbono são medidas com potencial político explosivo. Exemplos não faltam: a greve dos caminhoneiros no Brasil em 2018, os protestos dos coletes amarelos que sacudiram a França, a turbulência social que forçou o governo do Equador a se deslocar de Quito para Guayaquil.

Contudo, isso não quer dizer que essas medidas, cujos benefícios na forma de redução de emissões dos gases responsáveis pelo efeito estufa são evidentes, não devam ser adotadas. É certo que a remoção de um subsídio sobre combustíveis fósseis ou a introdução de um imposto sobre o carbono têm efeito imediato maior sobre as faixas de renda mais baixas da população. Essa regressividade está na raiz dos protestos e da turbulência política associados a essas medidas.

Contudo, há formas de evitar ou conter tais efeitos, desde que se tenha a compreensão adequada dos desafios políticos e econômicos. Entre os economistas falta essa discussão, como bem ilustra o caso do Equador. Os subsídios foram removidos para ajustar as contas públicas do país, hoje em dificuldades financeiras e com um programa recém-negociado com o Fundo Monetário Internacional (FMI). Entretanto, dado o impacto redistributivo dessa medida, ela não pode ser usada simplesmente para melhorar as contas públicas. Para evitar o efeito negativo sobre a desigualdade, a remoção do subsídio teria de vir acompanhada de um mecanismo compensatório que elevaria o gasto público.

A discussão se assemelha às questões relativas à introdução de um imposto sobre as emissões de carbono. O projeto de lei do Congresso americano prevê a criação de um fundo constituído das receitas obtidas do tributo para compensar os mais afetados por ele, isto é, um mecanismo para devolver à população o ônus do imposto mediante dividendos de carbono. Na UE, onde vários países já adotaram o imposto, mecanismos semelhantes já estão em uso. Ou seja, a introdução de um imposto sobre o carbono não pode ter por objetivo aumentar as receitas do governo — tem de ser neutra do ponto de vista orçamentário, dada a necessidade de compensar os mais pobres pela regressividade do tributo.

Poucos são os macroeconomistas que discutem esses temas. Assim como poucos são os macroeconomistas que discutem o papel da política fiscal, isto é, do gasto e do investimento público, na redução das emissões de carbono. É igualmente raro encontrar artigos escritos por economistas sobre como desenhar políticas para o investimento em infraestrutura que sejam compatíveis com a redução das emissões de carbono.

Muito surpreende essa ausência dos macroeconomistas em debate demasiado importante. Afinal, as causas das mudanças climáticas estão diretamente associadas à atividade econômica, como apontam os estudos científicos há décadas. Redesenhar as políticas públicas para reduzir emissões traz não apenas o benefício de atenuar os danos ao meio ambiente, mas também a oportunidade de reestruturar economias. O Brasil goza de posição privilegiada para ser pioneiro nesse debate. Infelizmente, temos um governo profundamente desinteressado pelos temas levantados — para não falar do desprezo descarado.

*Monica de Bolle é diretora de estudos latino-americanos e mercados emergentes da Johns Hopkins University e pesquisadora sênior do Peterson Institute for International Economics