Day: outubro 11, 2019
Música é coisa de criança no #ProgramaDiferente
Neste especial do Dia da Criança, num período estranho que o Brasil e o mundo vivem, de obscurantismo e desestímulo às artes, à cultura e à educação, o #ProgramaDiferente mostra como a música transforma a vida de todas as pessoas, principalmente de crianças e adolescentes.
São exemplares e precisam ser replicadas, entre outras, ações como a Orquestra Sinfônica Heliópolis, do Instituto Baccarelli, que é reconhecida internacionalmente por sua qualidade artística e pelo extraordinário resultado social na formação pessoal e profissional de jovens de famílias humildes da periferia. Assista.
Cláudio de Oliveira: Sem reformar o sistema político-partidário, a Lava Jato continuará a enxugar gelo
O caso de uso de laranjas pelo PSL estourou não só em Minas Gerais, onde o partido é presidido pelo atual ministro do Turismo, Álvaro Antônio. Pelo que se sabe, houve também esquema semelhante em Pernambuco, terra do presidente nacional do partido, Luciano Bivar.
Os desvios do fundo eleitoral aconteceu na eleição de 2018, em pleno auge das investigações da Operação Lava Jato, depois da prisão de vários políticos e do repúdio da sociedade brasileira contra a corrupção.
Indignação que vem desde o julgamento do Mensalão em 2012, quando o ministro do STF Joaquim Barbosa condenou a cúpula de vários partidos à prisão.
Nas manifestações de junho de 2013, a frase mais ouvida era o “eles não nos representam”.
Entre o julgamento do Mensalão e o escândalo do Petrolão, em pleno período das manifestações que levaram ao impeachment de Dilma Rousseff, enquanto se desenrolava o processo do Tríplex que levou Lula à prisão e da entrada em vigor da Lei da Ficha Limpa para a eleição de 2016, eis que mais um esquema se realizava.
De janeiro de 2016 a janeiro de 2017, Fabrício José Carlos Queiroz, policial militar e então assessor parlamentar de Flávio Bolsonaro, filho do Presidente Jair Bolsonaro, realizava movimentações suspeitas no valor de R$1.236.838,00, conforme revelou o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf). (1)
E agora o presidente e seus filhos pretendem criar um novo partido, depois da disputa do grupo pelo controle dos fundos partidário e eleitoral do PSL, como muito bem lembrou o cientista político Marco Aurélio Nogueira. (2) É mais um partido para aumentar a fragmentação partidária e a desmoralização do sistema político-partidário.
Aumentar a cláusula de barreira e adotar o voto distrital misto
Seria bom que se aumentasse a cláusula de barreira dos atuais 1,5% neste eleição e de 2% a partir de 2022 para 5%, como na Alemanha. Somente partidos que atingirem 5% dos votos, ou seja, que elegerem 25 deputados no mínimo, terão direito a ser representados no Congresso e a acessar os fundos públicos.
Como também fosse adotado o voto distrital misto com o objetivo de baratear os custos das campanha e aumentar o controle dos eleitores sobre seus representantes, conforme a proposta enviada à Câmara pelo ministro do STF e do TSE Luis Roberto Barroso, em julho de 2019. (3)
Há políticos que se elegeram como paladinos do combate à corrupção. É preciso sair da retórica e do discurso eleitoral para medidas concretas. Os cidadãos devem se mobilizar e pressionar, como ocorreu com a aprovação da Lei da Ficha Limpa, um projeto de lei de iniciativa popular apresentado por entidades da sociedade civil, capitaneadas pela CNBB, e que recolheu milhões de assinaturas. (4)
* Cláudio de Oliveira é jornalista e chargista
Notas
(1) Caso Queiroz
https://pt.wikipedia.org/wiki/Caso_Queiroz
(2) Um partido para chamar de seu
https://tinyurl.com/y4uo6al6
(3) TSE envia documento ao Congresso propondo voto distrital misto já em 2020
https://tinyurl.com/yyou7d4m
(4) Lei da Ficha Limpa
https://pt.wikipedia.org/wiki/Lei_da_Ficha_Limpa
Eliane Cantanhêde: Brasil first?
Lula com Sarkozy, contra os EUA, e Bolsonaro com Trump, contra a França. E o Brasil?
Donald Trump está para Jair Bolsonaro assim como Nicolás Sarkozy esteve para Lula e essas duas situações comprovam a máxima da política externa: amigos, amigos, negócios à parte. Na hora de prometer mundos e fundos, é fácil. Na hora de cumprir o prometido, a história é bem outra. O que vale para Trump é “America first”, assim como o que valia para Sarkozy era “La France avant tout”.
Lula se encantou com Sarkozy, caiu na lábia dele e por pouco não atrelou todo o arsenal brasileiro a uma única fonte: a França. Depois de fechar com os franceses o ambicioso Prosub, programa de submarinos da Marinha, inclusive o submarino de propulsão nuclear, Lula atuou o tempo todo para renovar a frota da FAB com jatos supersônicos do país.
Havia três concorrentes, o Rafale da francesa Dassault, o F-18 da norte-americana Boeing e o Gripen NG da sueca Saab. Depois de se encontrar três vezes com Sarkozy num único ano, coisa rara em relações bilaterais, Lula chegou a criar uma saia-justa ao anunciar a vitória do Rafale antes do fim do relatório técnico da FAB. O então ministro da Defesa, Nelson Jobim, fez um malabarismo para desmentir o presidente.
Concluído o relatório, com milhares de páginas, o Rafale ficou no terceiro e último lugar, atrás do F-18 e do Gripen, que acabou sendo finalmente escolhido – mas só no governo seguinte, de Dilma Rousseff, quando o namoro de Lula com Sarkozy já tinha terminado melancolicamente.
A obsessão de Lula teve dupla motivação: a empatia pessoal com Sarkozy e a crença de que uma tal “aliança estratégica” do Brasil com a França seria decisiva para combater o “mundo unipolar” – algo como “colocar os EUA no seu devido lugar”. A fantasia ruiu quando o Brasil e a Turquia operaram juntos o acordo do Irã, contra o armamento nuclear do país. Um dos pilares da estratégia era o voto da França no Conselho de Segurança, mas, na última hora, Sarkozy tirou o corpo fora, votou com Washington e deixou Brasil e Turquia a ver navios.
Há que se aprender com a história, principalmente quando se trata de dois lados da mesma moeda: a ideologia empurrava Lula para a França contra os EUA; a ideologia trocada de Bolsonaro joga o Brasil no colo dos EUA, contra a França. E onde fica o interesse do Brasil nesses dois casos?
Diplomatas de diferentes gerações estão perplexos com o excesso de reverência, até de encantamento, de Bolsonaro com Donald Trump, que já foi até comparado a Deus num agora famoso artigo do chanceler Ernesto Araújo. Trump passa, mais cedo ou mais tarde, mas os EUA ficam, o mundo fica e nunca se inventou nada melhor em política externa do que o velho e bom pragmatismo. Adotado, aliás, pelos excelentes diplomatas dos governos Geisel e Figueiredo, no fim da ditadura.
Ao receber Bolsonaro no Salão Oval da Casa Branca, em março, Trump disse vagamente que apoia a entrada do Brasil para a OCDE, mas não disse como nem quando. Saltitante, feliz da vida, o presidente brasileiro se precipitou e já saiu pagando a dívida antes de contraí-la. Aceitou, inclusive, abdicar da classificação de país em desenvolvimento da Organização Mundial do Comércio (OMC), mesmo perdendo condições camaradas de tarifas. Foi temerário, como se vê agora.
Trump apoiou a Argentina (além da Romênia) para a OCDE, mantendo o apoio ao Brasil, mas só depois. Alegou que a Argentina pediu primeiro, sem considerar a grave situação social e econômica e a volta do peronismo.
Após Lula cair como um patinho na tal “aliança estratégica com a França”, Bolsonaro não pode cair no conto da “aliança estratégica com Trump”. Está na hora de parar, pensar e assumir o “Brasil first”.
Bruno Boghossian: Brasil precisa provar que não comprou pastel de vento de Trump
Apesar de declarar apoio, EUA não apresentam data e etapas para entrada na OCDE
A diplomacia brasileira vai ter trabalho para provar que não anda comprando pastéis de vento na banca de Donald Trump. O governo americano faz declarações públicas e inequívocas de apoio à entrada do Brasil na OCDE, mas agora dá sinais claros de que o país precisa esperar para conseguir o que quer.
Em março, Jair Bolsonaro deixou a Casa Branca com uma iguaria crocante e dourada nas mãos. O endosso público de Trump à candidatura brasileira à organização foi comemorado pela equipe econômica e pelo Itamaraty. O recheio ficou por lá.
O governo se apressou em recompensar os EUA. No ato, os brasileiros abriram mão do tratamento especial que é dado a países emergentes na Organização Mundial do Comércio, uma demanda de Trump. Lançaram, também, cotas generosas de importação de trigo e etanol, beneficiando os produtores americanos.
O Brasil ainda espera gestos mais concretos. Em agosto, os EUA enviaram à OCDE a indicação oficial da Argentina e da Romênia ao clube, segundo a agência Bloomberg. Nesta quinta (10), a chancelaria americana declarou apoio aos brasileiros, mas falou em "ritmo controlado" de adesão. Depois, emitiu nota para dizer que faria um "forte empenho" pela entrada do país na organização.
A candidatura brasileira continua de pé, e tudo indica que Trump permanece disposto a patrocinar o país. O que abala negociadores do Itamaraty e outros integrantes do governo é o silêncio americano em relação a prazos e etapas objetivas para o processo de adesão.
Bolsonaro aprende que esse é um jogo de interesses. Os americanos têm uma estratégia própria para a OCDE, que independe de seus compromissos com o Brasil: querem evitar o inchaço da organização e, por isso, reduzem a velocidade das novas entradas no grupo.
Os caminhos da diplomacia costumam ser longos. O governo brasileiro pagou um preço ao seguir a rota dos americanos, mas precisa estar ciente de que Trump não levará o país a atalhos ou passagens secretas.
Claudia Safatle: Autonomia do BC será votada em breve
Na quarta-feira relator vai definir data com Campos e Maia
Nunca o Congresso esteve tão perto de aprovar o projeto de autonomia do Banco Central. O momento não poderia ser mais favorável. Os juros básicos (Selic) estão no patamar mais baixo da história e a inflação em setembro foi negativa. Houve uma ligeira deflação, de 0,04%, e o risco, agora, é de o IPCA, índice oficial do regime de metas, ficar bem abaixo da meta de 4,25% neste ano. O nível de atividade continua em banho-maria e amplia-se o espaço para uma redução adicional da taxa de juros, para a casa dos 4,5% ao ano.
O ex-presidente do BC Ilan Goldfajn deixou bem pavimentado o caminho para a votação do projeto de lei complementar (PLP) que confere autonomia ao BC junto às lideranças dos partidos. Foram inúmeras as conversas com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), em um processo de negociação que continuou com o novo presidente, Roberto Campos Neto. Na semana passada, por pouco a proposta de autonomia técnica, operacional, administrativa e financeira do Banco Central não foi colocada em votação na Câmara.
O deputado Celso Maldaner (MDB-SC), relator do PLP, informou que entre terça e quarta-feira da próxima semana terá uma reunião com Maia e Campos para definir a data que o assunto será levado ao plenário da Câmara.
Quando votado e aprovado, encerra-se um longo período de três décadas para esse assunto amadurecer. As primeiras iniciativas de atribuir autonomia legal para o BC datam de 1989 e precederam a própria estabilização da economia, a partir do Plano Real, de 1994. O objetivo dos projetos era, então, de garantir à autoridade monetária autonomia para controlar a quantidade de moeda na economia.
Agora, o objetivo fundamental do BC será o de assegurar a estabilidade de preços e zelar pela estabilidade financeira. O projeto de lei complementar que o Executivo enviou ao Congresso em abril deste ano foi apensado ao projeto 200/1989.
Ao estabelecer mandato fixo e alternado para o presidente e para os oito diretores do Banco Central, a lei estará retirando-os do alcance de eventuais pressões políticas. A possibilidade de exoneração da diretoria do Banco Central, pelo presidente da República e com a chancela do Senado, ficará restrita a casos de doença que impeça o exercício do mandato, à condenação mediante decisão transitada em julgado ou por insuficiência de desempenho para o alcance dos objetivos citados acima.
A autonomia e o mandato fixo dificultam, mas não eliminam totalmente a possibilidade de demissão da diretoria do BC. Foi o que aconteceu na Argentina quando a então presidente Cristina Kirchner exonerou o então presidente do BC independente, Martín Redrado, em 2010, por divergências políticas. Em geral, as pressões são por mais crescimento no curto prazo, em detrimento do controle da inflação.
A inflação e o desemprego observados no mundo nas décadas de 1970 e 1980 levaram os bancos centrais a ajustar o foco na proteção do valor da moeda e, para isso, tiveram que ser isolados de pressões políticas contrárias ao cumprimento desse mandato.
Delegar o controle da política monetária a bancos centrais independentes foi um processo bem-sucedido pois a inflação, no mundo ocidental, saiu de pouco mais de 20% nos anos de 1980 para quase nada hoje.
No Brasil, após 1994, a estabilidade da moeda tornou-se um patrimônio nacional. Mas faltou o marco legal da autonomia do BC para dar, inclusive, segurança jurídica à instituição no desempenho dessa função.
Desde então, o BC obteve autonomia delegada pelo presidente da República, mas não está escrito em nenhum lugar que o objetivo institucional do Banco Central é manter a estabilidade de preços e que o seu objetivo complementar é zelar pela estabilidade financeira.
Também não há lei que atribua ao BC a condição de autarquia de natureza especial, caracterizada pela ausência de vínculos de subordinação à ministérios.
Associados aos mandatos fixos e escalonados da diretoria do BC, esses são elementos necessários para dissociar a administração da taxa básica de juros dos ciclos políticos eleitorais.
Haverá um mecanismo de coordenação com o ministério da Economia para o caso de alguma operação da autoridade monetária gerar custo fiscal. O BC terá que informar o Conselho Monetário Nacional (CMN) quando for fazer, por exemplo, empréstimos com instituições financeiras públicas ou privadas que representem algum impacto fiscal.
Guedes e o BC
O ministro da Economia, Paulo Guedes, declarou que a deflação registrada em setembro abre espaço para queda da taxa de juros.
Como o Comitê de Política Monetária (Copom) já indicou que deverá cortar a Selic em mais 0,5 ponto percentual na próxima reunião, marcada para os dias 29 e 30 de outubro, é de se supor que Guedes esteja sinalizando cortes adicionais, que levem a taxa básica para o terreno dos 4,5% ao ano. O ministro já demonstrou que não se importa de tratar de assuntos relativos ao BC. Em junho ele anunciou que o Banco Central iria liberar R$ 100 bilhões de depósitos compulsórios. E referiu-se, também, à redução das reservas cambiais, ao dizer que, se o dólar chegar a R$ 4,50 ou R$ 5,00, poderá vender US$ 100 bilhões das reservas e usar esse dinheiro para abater a dívida pública.
Sem reforma
Um ministro do círculo mais próximo do presidente da República garantiu que não se cogita, no governo, fazer uma reforma ministerial. Esse mesmo ministro disse, ainda, que nunca ouviu qualquer menção a uma eventual saída de Paulo Guedes do governo, seja por vontade própria, seja por desejo de Jair Bolsonaro.
Bernardo Mello Franco: O que FH escreveu sobre Ciro, Serra, Temer, Dilma...
Em diários inéditos, FH define Ciro como “descabeçado” e “destrambelhado”. Garotinho aparece como um “moleque” mal-educado, que entrava no palácio assobiando
Desbocado, destrambelhado, descabeçado. Fernando Henrique Cardoso usou esses e outros adjetivos para se referir a Ciro Gomes nas eleições de 2002. No último volume dos “Diários da Presidência”, o tucano deixa claro que detestaria passar a faixa ao ex-aliado.
“O Ciro é nada, é um oportunista que vive da imprensa”, criticou, em março de 2001. “Eu não confio no Ciro. Me chamou de ameba, isso é inaceitável. Ele não tem responsabilidade”, reclamou, em agosto de 2002. “O Ciro é um desastre”, resumiu, dias depois.
O presidente comparava o desafeto a Fernando Collor. “É um oportunista, um rapaz perigoso”, criticou, a cinco meses da eleição. Quando Ciro subiu nas pesquisas, ele apelou aos céus: “Meu Deus, livre-nos dele!”.
O diário também registra o desapreço de FH por Anthony Garotinho. “Deixou o Estado do Rio em petição de miséria”, criticou, em setembro de 2002. Em outra passagem, ele chama o ex-governador de “moleque”.
Para o tucano, Garotinho teve o pior comportamento entre os quatro presidenciáveis que o visitaram no Alvorada. “Quase agressivo, entrou assobiando, com pouca educação. (...) Não tem noção das coisas”, anotou.
O presidente só pisava em ovos ao falar do candidato do PSDB, José Serra. A dois dias do primeiro turno, ele deixou escapar um desabafo. “O Ciro diz que nós tivemos o pior desempenho dos últimos 50 anos, e o Serra se cala. O Lula diz que não houve investimento de energia elétrica, ele se cala. O Garotinho diz que eu falei que todo aposentado é vagabundo, ele se cala...”, queixou-se.
Os últimos dois presidentes não ficam bem no livro. FH descreve Michel Temer como “um homem educado, agradável”, mas o responsabiliza por uma traição do PMDB ao governo. No último capítulo, Dilma Rousseff aparece como “a moça que representa o PT na comissão de transição”. Numa passagem premonitória, o tucano diz que ela “tem uma visão favorável a subsídio, não sei o que, subsídio para isso, subsídio para aquilo, enfim, como se o Tesouro fosse o Papai Noel”.
Jair Bolsonaro não é citado nas 1.024 páginas do diário, que cobre os últimos dois anos da Era FH. Deputado do baixo clero, não conseguiu atrair a atenção presidencial.
Míriam Leitão: Um dia com altos e baixos
Rodada de petróleo foi um sucesso, falta de propostas em Abrolhos foi um alerta, e não indicação para OCDE foi uma decepção
O governo brasileiro teve ontem uma vitória, um aviso e uma decepção. A 16ª Rodada de Licitação de petróleo arrecadou um volume alto de recursos, R$ 8,9 bilhões, e constatou mais uma vez o interesse das empresas estrangeiras na exploração de petróleo no Brasil. Isso é importante porque há dois outros leilões marcados para este ano. O aviso foi o fato de não aparecerem propostas para os blocos perto de Abrolhos, que o governo teimou em colocar na rodada, apesar dos alertas dos técnicos do Ibama. A decepção foi que os Estados Unidos indicaram a Argentina — e não o Brasil — para ser membro da OCDE.
O recado que ficou do leilão de petróleo confirma duas informações: primeiro, que o Brasil é visto como uma frente promissora de investimento na produção de óleo e gás, segundo, que as empresas não querem correr riscos desmedidos na área ambiental. Se quiser passar por cima do que dizem os cientistas ou os órgãos de controle, como o Ibama, o Brasil vai ficar falando sozinho, porque as empresas hoje têm satisfação a dar aos stakeholders, aos acionistas, consumidores e todos os que estão vinculados aos negócios da empresa.
No caso da OCDE, os governos brasileiro e americano tentaram dourar a pílula ao dizer que é apenas uma questão de “timing”, porque a Argentina está mais adiantada no processo de adesão ao chamado clube dos ricos. O Brasil ficaria para uma segunda oportunidade. O problema é que a Argentina está em pior situação econômica. A crise fiscal deles é maior, a inflação voltou aos inaceitáveis níveis de 50%, têm desequilíbrio no balanço de pagamentos e estão às vésperas de uma transição política de enorme incerteza. Se a entrada na OCDE é, como disse a nota do governo dos Estados Unidos, uma espécie de aval às reformas econômicas, a Argentina está muito mais longe dos parâmetros desejados do que o Brasil. Segundo a nota, fica mantida a declaração em que os EUA deram apoio ao desejo do Brasil de entrar na OCDE. Nela, foram saudados “os esforços contínuos do Brasil em relação às reformas econômicas, melhores práticas e conformidade com as normas” da organização. É óbvio que em relação à economia o Brasil está mais perto dessas normas do que a Argentina. E é evidente também que o apoio político não é apenas pela ordem de chegada, mas sim pela “conformidade” com as políticas defendidas pela OCDE.
Entrar na OCDE não nos faz um país desenvolvido. Essa foi a ficção vendida pelo governo Bolsonaro ao comemorar essa suposta vitória. As vantagens de estar na organização não são concretas. Estar lá é apenas fazer parte de discussão de políticas públicas e de definição de critérios de avaliação. Não tem o mesmo valor da contrapartida brasileira, que abriu mão das vantagens, do tratamento especial e diferenciado, como país em desenvolvimento na Organização Mundial do Comércio (OMC). Em consequência desse movimento, ele passou a ser olhado com desconfiança por outros países em desenvolvimento.
Na boa notícia do dia, o leilão de petróleo arrecadou mais do que o previsto, bateu o recorde de R$ 8 bi da 15ª Rodada, no ano passado, e teve um ágio médio de 322%, apesar de a atuação da Petrobras ser comedida. Já houve rodadas em que a estatal brasileira disputava várias áreas ao mesmo tempo, e isso acabava resultando num número bom, mas não ampliava a quantidade de investidores no setor.
O problema é que o governo não entendeu a parte em que o mercado avisou que ele deve evitar. Nenhuma empresa deu lances na exploração dos blocos perto do Parque Marinho de Abrolhos. Isso porque quando se fala hoje em “conformidade” está se falando também de respeito a padrões ambientais. E o risco em Abrolhos é imenso, já que o parque é um santuário de espécies marinhas. Um desastre ambiental em um lugar assim produz perdas enormes. O dano à imagem de uma empresa associada a qualquer problema em uma área ambientalmente sensível, como Abrolhos, é grande demais.
O governo poderia ver nesse evento uma oportunidade de retirar essas áreas da disputa e respeitar a orientação dos técnicos do Ibama. Mas as autoridades preferiram manter os blocos em leilão permanente. Se uma empresa aventureira, sem o padrão técnico necessário, der um lance, leva. O que o mercado disse ao governo brasileiro é que o risco em Abrolhos não compensa. O alerta foi dado, mas o governo não quis ouvir.
Merval Pereira: Amizade interessada
Amizade entre Trump e os Bolsonaro, base da política externa atrelada aos EUA, começa a ser desmistificada
Não há países amigos, mas interesses comuns, a frase atribuída a John Foster Dulles, Secretário de Estado dos EUA, resume bem a situação atual, em que os Estados Unidos frustraram as expectativas brasileiras de entrar na OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), mais um dos muitos objetivos de política externa brasileira emperrados pelos compromissos internacionais que não nos contemplam.
A propalada amizade entre Trump e a família Bolsonaro, base para a defesa de uma política externa atrelada aos Estados Unidos, começa a ser desmistificada pelos próprios americanos, que ontem aceitaram Argentina e Romênia no chamado “clube dos ricos”, sem abrir brecha para o Brasil, o que fora anunciado como a grande vitória alcançada na visita do presidente Bolsonaro aos Estados Unidos.
O Brasil tem tido frustradas suas ambições internacionais historicamente pelos Estados Unidos. Na Conferência Internacional de Haia, de 1899, e assim também na Segunda, de 1907, onde as potências européias organizavam os países por influência no processo decisório, fomos obrigados a sair do jogo devido às propostas endossadas pelos EUA, consideradas “humilhantes” quando se discutiu a composição do Tribunal de Presas e a do Tribunal Arbitral.
O mesmo aconteceu em 1945, como consequência da Segunda Guerra Mundial, na criação da Organização das Nações Unidas (ONU), quando o Brasil quase fez parte do seu Conselho de Segurança, meta que tentamos alcançar até hoje.
Criou-se o Conselho de Segurança da ONU a cargo dos “Quatro Policiais”: Estados Unidos, Grã-Bretanha, União Soviética e China, aos quais depois se somou a França. O Brasil, que participara da Guerra através da FEB, tinha o apoio de Roosevelt, mas a Conferência de Yalta aconteceu quando a conjuntura já havia em parte mudado, inclusive, com a morte dele, substituído por Truman.
A importância estratégica que o Brasil teve na luta contra o Eixo, com as bases aéreas no Nordeste, ou na contenção da Argentina “antiamericana”, havia sido reduzida pelos acontecimentos internacionais.
Muito se falou sobre as proximidades entre a vitória de Barack Obama nos Estados Unidos, em 2008, e a de Lula em 2002, e o próprio ex-presidente brasileiro via semelhanças na trajetória de vida dos dois. Eleger um operário no Brasil teve quase o mesmo significado para nós que eleger o primeiro presidente negro nos Estados Unidos.
Além de ter chamado Lula de “o cara”, nada mais aconteceu na relação pessoal entre os dois. O governo Lula na ocasião preferia um futuro presidente republicano, porque seria "menos protecionista" e menos "próximo dos tucanos".
Se a relação dos tucanos com o Partido Democrata foi fortalecida pela amizade entre o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e o ex-presidente Bill Clinton, uma relação, se não de amizade, também especial, nasceu entre Lula e Bush, que teve uma convivência mais amistosa com ele do que com Fernando Henrique, que já declarou que sentia "asco físico" por Bush.
Provavelmente Bush pressentia em Fernando Henrique uma rejeição intelectual que não aconteceu com Lula, cujo temperamento cordial é mais parecido com o dele.
Além da frustração dessa meta, em que pese a reiteração retórica dos Estados Unidos de que apoiarão a entrada do Brasil na OCDE, há vários efeitos colaterais que enfraquecem o governo Bolsonaro.
A Argentina provavelmente será governada novamente pelo grupo dos Kirchner, a quem Bolsonaro já endereçou diversas críticas. A aceitação pelo Senado de Eduardo Bolsonaro como embaixador em Washington, que já estava difícil, ficou mais agora, pois seu grande trunfo era dizer-se próximo da família Trump.
Por fim, no governo de Lula, em 2009, o país foi convidado a fazer parte da OCDE e não aceitou, pois perderia o status de país em desenvolvimento que lhe dá vantagens competitivas no comércio internacional.
Ricardo Noblat: Tortura com as digitais do Estado
E o silêncio conivente de Moro
De Jair Bolsonaro não se espere nenhuma manifestação de horror quanto a torturas de presos. Mais de uma vez ele defendeu e justificou a tortura adotada como política de Estado à época da ditadura militar de 64 que se estendeu por 21 tenebrosos anos.
Mas do ministro Sérgio Moro, da Justiça, seria natural que se esperasse uma manifestação de inconformismo e de horror. Uma condenação sem reticências à prática que contraria os tratados internacionais sobre Direitos Humanos assinados pelo Brasil.
Quando nada porque Moro não é ministro de uma pasta qualquer – mas da que carrega em seu nome a palavra Justiça, agora acrescida das palavras Segurança Pública. E porque até um dia desses, Moro foi juiz respeitado e defensor do Estado de Direito.
Moro, no entanto, preferiu calar-se ou duvidar do relatório do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, órgão vinculado ao Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, sobre o que aconteceu em março último no Ceará.
Como se calou mais recentemente sobre uma ação movida pelo Ministério Público Federal no Pará. Em questão, nos dois casos, o modo reprovável, cruel e desumano de operar de agentes de forças-tarefa de intervenção federal em presídios no país a fora.
No Ceará, para escapar de eventuais agressões, os agentes quebravam os dedos de presos considerados perigosos. No Pará, o variado cardápio de torturas foi usado à farta contra detentos – seja para que admitissem crimes, seja para aterrorizá-los.
A intervenção federal em presídios foi autorizada por Moro no rastro de rebeliões ou de ameaças de futuras rebeliões. Era para restabelecer a ordem e coibir crimes. De fato, serviu para a explosão de novos crimes, dessa vez com as digitais do Estado.
A falsa natureza cordial do brasileiro, somada à insegurança pública que faz do país um dos campeões mundiais em número de homicídios, acaba por avalizar o comportamento de forças policiais que empregam a violência para além do limite fixado em leis.
Nos tristes anos 70 do século passado, o advogado Sobral Pinto, que uma vez já invocara a lei de proteção aos animais para proteger presos políticos torturados, investiu contra autoridades e políticos que falavam cinicamente em “democracia à brasileira”.
Para Sobral Pinto, à brasileira só existia peru durante o Natal. Democracia não comportava adjetivo. Ou era democracia ou democracia não era. Assim como virgindade. Meia virgindade era uma fraude. Estado de Direito com tortura é fraude pura.
A barbárie sente-se estimulada quando o presidente da República a chancela, o ministro da Justiça a ignora e a sociedade a tolera.
Trump engabelou Bolsonaro, que se deixou engabelar
Acuda seu pai, Eduardo!
No dia em que completou seis meses sem dispor de um embaixador em Washington, o governo do presidente Jair Bolsonaro foi surpreendido com a notícia de que os Estados Unidos preferiram deixar para depois a indicação do Brasil a um assento na Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Econômico (OCDE). Apoiarão primeiro a Argentina e a Romênia.
Não teria sido o caso de despachar às pressas para Washington o deputado Eduardo Bolsonaro? Entre seus atributos para ocupar o posto vago não está sua fluência em inglês, o seu gosto por fritar hambúrguer e o seu acesso sem restrições ao presidente Donald Trump, aos filhos dele e aos seus principais auxiliares na Casa Branca? Quem sabe Trump não revogaria a decisão?
Nenhum dos ministros de Bolsonaro ousou lhe dar tal conselho. Poderia soar como deboche. Ultimamente, Bolsonaro anda se queixando de que poucos ministros o defendem nas redes sociais e na imprensa. O deboche poderia custar a degola de mais algum. De mais a mais, Bolsonaro decepcionou-se com Trump. Esperava melhor tratamento depois de tê-lo endeusado tanto.
Bolsonaro é sincero na sua admiração por Trump. E esperto também. Perfilar-se ao seu herói é um prazer para ele. Bajulá-lo e fazer-lhe as vontades, uma maneira de cativá-lo para que o ajude a governar. Trump simpatiza com Bolsonaro porque a imprensa americana o chama de “Trump dos trópicos”. Acha graça de algumas atitudes dele. Mas é só, e não é muita coisa.
A importância do Brasil para os Estados Unidos é pequena. Teve alguma na Segunda Guerra Mundial quando os americanos montaram uma Base Militar em Natal para controlar o Atlântico. E durante a Guerra Fria para barrar a instalação de governos comunistas na América do Sul. Os Estados Unidos esperam que o Brasil os ajude na Venezuela e contenha o avanço chinês por aqui.
Trump engabelou Bolsonaro com a promessa feita em março último de que apoiaria a entrada do Brasil na OCDE. E Bolsonaro, aflito por esgrimar com algum trunfo obtido, deixou-se engabelar. Trump não disse que sua promessa era para breve. Bolsonaro fez um escarcéu para dar a impressão de que a promessa seria cumprida rapidamente. Enganou os brasileiros. Deu-se mal.
Antes dera-se mal ao celebrar com grande alarde a conclusão do acordo entre o Mercosul e a Comunidade Econômica Europeia que se arrastava há mais de 20 anos. Para que entre em vigor, o acordo carece de confirmação pelo parlamento europeu. E com a crise ambiental que ameaça a Amazônia, a França já anunciou que não aprovará o acordo tão cedo. A Alemanha vai pelo mesmo caminho.
A pouca consideração de Trump pelo Brasil não fará Bolsonaro desistir da aprovação pelo Senado do nome de Eduardo para embaixador. A aprovação não é fatura liquidada, como os devotos do capitão insistem em dizer que é. Mas não deixou de ser possível. Tudo dependerá da generosidade de Bolsonaro no atendimento às reinvindicações$ dos $enhores $enadores.
‘Etanol é uma das maiores realizações do Brasil’, afirma Carlos Henrique Brito Cruz à Política Democrática online
Diretor científico da Fapesp é o entrevistado especial da nova edição da revista produzida pela FAP
“Somos um país praticamente autossuficiente em energia para o transporte, gasolina e etanol, porque investiu-se muito em ciência, tecnologia e engenharia para achar petróleo no alto-mar e criar um substituto para o petróleo, o etanol, que vai nos automóveis. Essa história do etanol é uma das maiores realizações que o Brasil logrou no campo da ciência, tecnologia e engenharia”. A afirmação é de Carlos Henrique Brito Cruz, engenheiro eletrônico e físico, diretor científico da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo). Ele é o entrevistado especial da 11ª edição da Revista Política Democrática Online.
» Acesse aqui à 11ª edição da revista Política Democrática online
A revista é produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), vinculada ao partido político Cidadania 23. Ex-reitor da Unicamp, Carlos Henrique Brito Cruz está há 13 anos à frente da Diretoria Científica da Fapesp, instituição de fomento que, em geral, sofre menos com as intempéries de Brasília. Seu orçamento anual corresponde a 1% da receita tributária de São Paulo.
Brito Cruz destaca que, em todos os países onde se consegue criar desenvolvimento econômico e social usando ciência e tecnologia, há parte expressiva de recursos investidos na pesquisa, tanto pela universidade quanto por institutos de pesquisa governamentais e por empresas.
“No Brasil, há quem ache que o único lugar onde tem pesquisa é nas universidades; nem é assim nem é para ser assim. Nos Estados Unidos, o laboratório de pesquisa da Google tem mais cientistas de computação do que qualquer departamento de universidade americana. O mesmo ocorre com o laboratório da Microsoft. Na Boeing, Airbus, Embraer, a quantidade de engenheiros é impressionante. É desse jeito que funciona. A empresa está conectada com um mercado e com as demandas do consumidor”, diz
Segundo o entrevistado, a universidade precisa também treinar as novas gerações de pesquisadores que vão trabalhar na empresa, no governo, na própria universidade e em institutos de pesquisa orientados a problemas ou temas específicos. Estes últimos, no Brasil, seriam os casos da Embrapa, para elevar os índices de produtividade da agricultura; do Instituto Butantã, para melhorar a saúde dos brasileiros, ou do INPE, de observação da terra, da floresta, das atividades espaciais.
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Luiz Carlos Azedo: Doria ou Huck, eis a questão
“Uma coisa é certa: não há lugar para Doria e Huck na mesma disputa; se ambos forem candidatos, o centro democrático acabará derrotado nas eleições de 2022”
O melhor mesmo seria citar a frase célebre “Ser ou não ser, eis a questão” (em inglês, “To be or not to be, that is the question), de Hamlet, no monólogo do terceiro ato da peça homônima de William Shakespeare. A frase não exige nenhuma erudição. Trata-se simplesmente de viver ou morrer: “Será mais nobre em nosso espírito sofrer pedras e flechas com que a Fortuna, enfurecida, nos alveja, ou nos insurgir contra um mar de provocações e em luta pôr-lhes fim? Morrer.. dormir”, continua o monólogo.
O drama de Hamlet é a dúvida sobre o que fazer diante dos tormentos e sofrimentos, perante os quais o pensamento suicida surge como uma possível opção. Entretanto, a morte também traz indagações. A consciência inibe o suicida, com a interrogação sobre o que pode existir após a morte: inferno ou paraíso? O suicídio é condenado pela maioria das religiões. “Ser ou não ser” eternizou o clássico da dramaturgia universal, porque representa de forma ampla o como agir diante das circunstâncias.
“Ser ou não ser” sintetiza o drama dos dois principais nomes aventados para ocupar o espaço político do centro democrático nas eleições de 2022, o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), e o apresentador de tevê Luciano Huck, sem partido. O primeiro já demonstrou que não é de esquentar nenhuma cadeira por muito tempo, pois largou no meio o mandato de prefeito de São Paulo para disputar o governo do maior do estado do país. Está preparado para enfrentar o presidente Jair Bolsonaro e seu possível adversário à esquerda, o ex-prefeito Fernando Haddad, que é seu freguês de carteirinha, pois derrotou-o quando disputava a reeleição. Haddad também perdeu para Bolsonaro, e não seria capaz de atrair o centro democrático para derrotar o “mito”, se houver outra opção.
Entretanto, o Palácio dos Bandeirantes é a joia da coroa da Federação, sede do governo do estado mais poderoso do país. A proposta orçamentária de São Paulo para 2020 é de R$ 239 bilhões. Para chegar a esse valor, Doria terá que efetivar seu programa de privatizações de rodovias, aeroportos e outros ativos. São Paulo, porém, ganhou de presente a divisão dos recursos do megaleilão de petróleo do pré-sal, marcado para novembro. Saltou de R$ 94 milhões para R$ 632,6 milhões, um aumento de 573% na expectativa de arrecadação, com a lei aprovada na quarta-feira pelo Congresso.
Do ponto de vista econômico e financeiro, São Paulo se basta. É o estado que menos serviços recebe do governo federal e mais paga impostos. Historicamente, colhe os frutos de sua elite agrária ter apostado na industrialização, enquanto as demais permaneceram aferradas ao velho patrimonialismo. Sofre até hoje, porém, as consequências da Revolução Constitucionalista, combatida como um movimento separatista pelos revolucionários de 1930. Vem daí a facilidade com que o estado acaba isolado em certas disputas políticas. O Palácio dos Bandeirantes é o vértice de um poderoso sistema de poder, por isso seu ocupante é um candidato natural à Presidência, porém o último que conseguiu chegar lá foi Jânio Quadros, em 1960.
Largada
No PSDB, quem governa São Paulo tem a hegemonia na legenda, será candidato ao que quiser. O problema é que João Doria está no primeiro mandato, tem que decidir entre manter a fortaleza ou tentar tomar o castelo de Bolsonaro, que também está no primeiro mandato. No caso de alto risco, o tucano não será candidato. É preferível manter a posição atual e aguardar 2026, com calma.
Desde as eleições passadas, Huck anda costeando o alambrado, como diria o falecido Leonel Brizola. Não tem estrutura de poder nas mãos, mas goza da imagem consolidada de jovem comunicador criativo, generoso e preocupado com o bem comum. No seu caldeirão, desempenha o papel de bom samaritano — no Novo Testamento, a única pessoa que se dispôs a ajudar um judeu indefeso, numa estrada solitária e perigosa. Samaritanos eram homens maus para os judeus, na parábola bíblica, porém, o bom samaritano foi o único que ajudou o pobre necessitado, era aquele de quem menos se esperava.
Funcionário da TV Globo, Huck queimou a largada, começou a apanhar dos adversários por causa das intensas articulações que vem fazendo, ao lado do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e do economista Armínio Fraga. Conversa com lideranças do PSDB, do DEM e do Cidadania, o antigo PPS, que mudou de nome com objetivo de atraí-lo: um novo partido para um grande candidato, diria Roberto Freire, líder da legenda.
Huck tem menos a perder em termos políticos, mas sua decisão estratégica será abandonar a carreira de bem-sucedido e milionário apresentador de tevê e se lançar de peito aberto no jogo bruto da política, com adversários que chutam do pescoço pra cima. Vai apanhar muito, precisa de casca grossa e pode ficar muito tempo no sereno se antecipar a saída da Globo. Uma coisa, porém, é certa: não há lugar para Doria e Huck na mesma disputa; se ambos forem candidatos, o centro democrático acabará derrotado.
http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-doria-ou-huck-eis-a-questao/
Simon Schwartzman: A âncora da educação
O foco devem ser as competências, e não os diplomas que possam aparecer nos currículos
No México, o novo governo de López Obrador cancelou a reforma da educação do governo anterior, acusado de ter instituído um sistema punitivo de avaliação de mérito dos professores, e decidiu universalizar a educação superior, prometendo a criação de mais cem universidades. Ao mesmo tempo, corta os recursos e cria dificuldades para o funcionamento dos centros de pesquisa mais avançados. A educação pública mexicana é tão ruim quanto a brasileira e o poder dos sindicatos era tal que os professores das escolas públicas eram donos de seus cargos, podendo passá-los para os filhos. A Universidad Nacional Autónoma de México, com mais de 300 mil estudantes, sempre teve uma política de acesso livre e gratuito, gerando graves ineficiências, que os governos anteriores tentaram mitigar.
É um exemplo extremo de políticas populistas que dão prioridade absoluta às demandas da população por credenciais ou títulos universitários e aos interesses corporativos dos professores, deixando de lado as preocupações com qualidade e relevância. A consequência é a inflação dos diplomas, tornando necessários títulos cada vez mais altos para fazer as mesmas coisas, a um custo crescente para a sociedade.
O Brasil nunca chegou a esse extremo, mas o que aconteceu com a educação teve muito dessa filosofia. E não é muito diferente do ocorrido em áreas como saúde e previdência: um grande esforço para recuperar séculos de atraso e compensar as desigualdades expandindo de qualquer maneira a educação, resultando num sistema inchado, custoso, de má qualidade e extremamente difícil de reformar. Hoje, 50 milhões de brasileiros estão matriculados em algum tipo de escola, 60% da população até 30 anos, atendidos por um exército de mais de 6 milhões de pessoas, entre professores, dirigentes escolares, funcionários e outros profissionais. A estimativa mais recente de é que o Brasil gasta perto de 8% do PIB em educação, incluindo os gastos privados, proporcionalmente mais do que todos os demais países da América Latina e muitos países desenvolvidos.
Uma justificativa para esse grande esforço é que a educação seria a principal alavanca para sair da armadilha da renda média, em que estamos atolados. De fato, as pessoas mais educadas ganham mais, supostamente porque têm competências que o mercado de trabalho valoriza, e países em que a população é mais educada são mais desenvolvidos. No entanto, no Brasil a produtividade manteve-se estagnada ao longo das últimas décadas. Uma das razões é que a educação cresceu dando prioridade às demandas por credenciais – diplomas – e às reivindicações corporativas do setor, em detrimento da ênfase no mérito e nas competências. Como vários estudos recentes têm demonstrado, não basta aumentar a escolaridade para que a produtividade aumente. É preciso que a educação seja de qualidade, o que não tem ocorrido de forma satisfatória.
A outra justificativa é que a educação aumenta a mobilidade e reduz a desigualdade social. Mas nem sempre mais educação leva a esses resultados. Em quase todo o mundo, ao longo do século 20, houve um grande crescimento das cidades, da economia e do setor público. A expansão da educação, que acompanhou esses processos, fez com que as elites tradicionais se modernizassem e pessoas mais pobres, imigrantes e de minorias, se beneficiassem das novas oportunidades que foram sendo criadas. A insistência no mérito como critério para acesso às novas oportunidades de estudo e avanço nas carreiras foi fundamental para garantir que as melhores posições não fossem monopolizadas pelas elites tradicionais.
Mas não foi uma vitória absoluta. Existe uma forte relação, difícil de ser superada, entre desempenho escolar e origem social; e, além disto, a educação é um bem “posicional”, ou seja, os benefícios de cada um dependem em grande parte da posição relativa que ele tenha em relação aos demais. Como no futebol, só há lugar para poucos na primeira divisão.
Quando o processo de urbanização se esgota, os custos do sistema de bem-estar social chegam a seu limite e a economia para de crescer, como no Brasil de hoje, a expansão da educação deixa de ser um jogo em que todos ganham, ainda que desigualmente, e se aproxima de um jogo de soma zero, em que os que ganham o fazem à custa dos ficam para trás.
Isso leva a conflitos intensos pelas credenciais acadêmicas, numa combinação perversa de reservas de mercado profissional para os mais educados e políticas populistas de estímulo ao acesso livre ou facilitado ao ensino superior. Por um lado, o acesso ao ensino superior passa a ser visto como direito de todos, os requisitos mais tradicionais de desempenho no acesso e nos estudos passam a ser substituídos por critérios sociais, e a conquista dos diplomas passa a ter precedência sobre o desenvolvimento de competências. Por outro, cada vez mais é preciso uma pós-graduação ou passar num concurso público extenuante para conseguir um bom emprego, e milhares de formados em Direito nunca passarão o exame da OAB. Milhões se inscrevem no Enem tentando chegar ao ensino superior e não conseguem, muitos dos que entram abandonam antes de terminar e grande parte dos formados acaba trabalhando em atividades de nível médio.
A solução não é voltar o relógio do tempo, restringindo o acesso ao ensino superior e controlando mais rigidamente o exercício das profissões universitárias, mas, ao contrário, é criar mais alternativas de formação de nível médio e superior para atender a pessoas de diferentes perfis, reduzindo a pressão sobre os títulos acadêmicos, e quebrar os monopólios profissionais que excluem arbitrariamente pessoas com níveis de formação diferenciados do mercado de trabalho.
A âncora da educação devem ser as competências, e não os diplomas que possam aparecer nos currículos.
*Sociólogo, é membro da Academia Brasileira de Ciências