Day: fevereiro 26, 2016

OMS: Surto de zika e microcefalia é ‘mais difícil e ameaçador’ que ebola e gripe H1N1

Em visita à Fiocruz, no Rio de Janeiro, diretora-geral da OMS, Margaret Chan, destacou que o Aedes aegypti, mosquito transmissor da zika, da dengue e da chikungunya, está presente em 113 países, podendo afetar muito mais pessoas do que epidemias dos últimos anos. Para o especialista da OMS Bruce Aylward, a zika terá consequências imprevisíveis e coloca em risco o futuro das crianças brasileiras e do Brasil.

Vacinas contra a zika devem chegar à população em três anos, segundo o ministro da Saúde, Marcelo Castro. Governo e Fiocruz já desenvolveram método de diagnóstico que permite identificar infecção pela doença, pela dengue e pela chikungunya. Técnica, no entanto, só funciona em pacientes que apresentam sintomas.

A diretora-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), Margaret Chan, visitou nesta quarta-feira (24) a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), centro de pesquisa no Rio de Janeiro que está à frente do desenvolvimento de tecnologias para combater o vírus zika e o mosquito Aedes aegypti. A dirigente expressou seu apoio e gratidão pelos esforços do Brasil na luta contra a doença e seu principal vetor. Na véspera (23), Chan já havia se encontrado com diversos ministros e a presidenta Dilma Rousseff.

A chefe da agência da ONU destacou que o atual surto da doença, associada a números crescentes de casos de microcefalia no Brasil, é “uma ameaça muito, muito maior” do que outras epidemias dos últimos anos, como as de ebola e da gripe H1N1, devido ao número de países onde o principal transmissor da infecção, o Aedes, está presente. Atualmente, 113 países possuem populações do mosquito em seus territórios.

“A zika é culpada (pelo aumento dos casos da malformação) até que sua inocência seja provada”, afirmou Chan durante uma coletiva de imprensa na Fiocruz. A dirigente explicou que diversos fatores podem causar a microcefalia, mas que, no Brasil, os dados indicam que o surto de zika está ligado ao da síndrome neurológica. Entre novembro de 2015 e fevereiro de 2016, 5.280 casos suspeitos de microcefalia foram relatados no país. A média anual, entre 2001 e 2014, era de 163 ocorrências.

Questionada quanto à vulnerabilidade das pessoas ao mosquito e à zika, a diretora-geral disse que, “em todas os países, há desigualdades, há populações muito pobres”. Segundo Chan, a falta de acesso a saneamento básico e a exposição a danos ambientais tornam parcelas da população mais suscetíveis a doenças.

“O desequilíbrio do ecossistema vai nos dar mais desafios, mais doenças novas”, disse a dirigente. Uma pesquisa recente da OMS revelou que 23% das mortes prematuras são causadas por circunstâncias do ambiente onde as pessoas residem. Estima-se que 70% das novas infecções identificadas no mundo tenham origem animal, segundo Chan.

Participaram também da coletiva o presidente da Fiocruz, Paulo Gadelha, e o representante da OPAS/OMS no Brasil, Joaquín Molina. Confira clicando aqui o áudio na íntegra da coletiva de imprensa.

Para governo, relação causal entre zika e microcefalia já é certeza

Também presente na coletiva, o ministro da Saúde brasileiro, Marcelo Castro, disse que, para os cientistas brasileiros, não há dúvida de que a zika causa microcefalia. Além da correlação regional e temporal, uma vez que os casos recentes da malformação congênita foram identificados em áreas atingidas pela epidemia de zika do verão de 2015, cerca de seis a sete meses após o surto, há fortes evidências epidemiológicas.

“O que nós podemos dizer com segurança? Que esse padrão do cérebro de microcefalia das crianças é um padrão infeccioso”, afirmou. O ministro explicou que, entre as infecções tradicionalmente associadas à malformação congênita – sífilis, toxoplasmose, HIV e outros, rubéola, citomegalovírus e herpes –, nenhuma registrou aumento de incidência recentemente. Com o zika, foi o contrário.

O que ainda está sendo investigado é se “o vírus é uma causa necessária e suficiente para desencadear a microcefalia ou precisa, para ele se manifestar, algum fator predisponente ou algum fator contribuinte”, explicou o ministro.

Governo aposta na mobilização e na pesquisa para combater o vírus

Segundo Castro, cientistas brasileiros e estrangeiros estão otimistas quanto à possibilidade de desenvolver uma vacina contra o zika em menos de um ano. Isso não significa, porém, que o tratamento será disponibilizado para a população nesse prazo. O ministro da Saúde estima que serão necessários três anos para concluir ensaios clínicos e, enfim, oferecer as vacinas ao público.

Uma vacina para a dengue, concebida pelo Instituto Butantã, já está na fase final de testes e deverá chegar aos brasileiros em dois anos, de acordo com Castro.

O chefe da pasta também informou que a Fiocruz já conseguiu desenvolver um método diagnóstico para o zika, que emite resultados entre duas a três horas após o exame e consegue identificar infecções pela doença e também por dengue e chikungunya. A técnica, no entanto, só funciona para pessoas que apresentam sintomas como febre e dor de cabeça. O diagnóstico deverá ser disponibilizado pelo governo em parceria com a Fiocruz.

Para Castro, os esforços de prevenção e combate ao Aedes aegypti estão maiores do que nunca. “Há uma percepção da sociedade, dada a mensagem e o trabalho que o governo vem fazendo, de que o mosquito, agora, precisa ser tratado de maneira diferente, porque ele se tornou muito mais perigoso”, comentou. O ministro ressaltou que, por trás das estatísticas, existem vidas e dramas humanos e que os brasileiros têm se sensibilizado e abraçado a luta contra o mosquito.

O diretor executivo interino da OMS para Surtos e Emergências de Saúde, Bruce Aylward, disse estar impressionado com a resposta do Brasil à epidemia de zika. Segundo o especialista, trata-se de uma crise mais difícil que a do ebola.

“Aqui, você está lidando com uma doença terrível, com consequências terríveis e incertezas terríveis. O vírus não é um problema de saúde. Vocês estão lidando com uma ameaça às crianças do país, ao futuro (do Brasil) potencialmente, à economia”, explicou. Para Aylward, graças aos esforços brasileiros de pesquisa e de combate à infecção, países têm sido alertados e informados com antecedência sobre o vírus, antes de verificarem surtos maiores da zika. “O mundo tem uma dívida tremenda para com o Brasil”, afirmou.

Mulheres devem receber informações sobre saúde reprodutiva

A diretora da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), Carissa F. Etienne, também presente na coletiva, chamou atenção para a situação das mulheres que pensam em ter filhos ou que tiveram bebês com microcefalia.

“Eu só quero usar essa plataforma também para apelar a todos os governos que estão, atualmente, tendo transmissão do vírus zika para que melhorem o acesso a serviços de saúde reprodutiva para as mulheres em idade fértil, particularmente: acesso à informação adequada para que as mulheres sejam capazes de tomar uma decisão quanto a querer engravidar ou não; cuidado pré-natal adequado; cuidado pós-natal adequado e o apoio e informação de que elas precisarão”, disse.

Recentemente, o alto comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Zeid Ra’ad Al Hussein, convocou todos os Estados a garantir os direitos reprodutivos das mulheres, incluindo o direito à interrupção da gravidez, e a adequarem suas legislações em meio ao surto de zika e microcefalia. O ministro Marcelo Castro reiterou, durante a coletiva, que a lei brasileira não permite o aborto em caso de microcefalia.

Zika não ameaça Olimpíadas, segundo governo e OMS

Tanto a diretora-geral da OMS quanto o ministro Marcelo Castro enfatizaram que, durante os meses de agosto e setembro, quando serão realizados os Jogos Olímpicos e Paralímpicos no Rio de Janeiro, são registradas as menores densidades populacionais do Aedes aegypti.

A época das competições é também a mais fria e seca da capital fluminense, o que dificulta a proliferação do mosquito transmissor do zika. Os dirigentes acreditam que a doença não será uma ameaça aos que vierem participar e assistir aos Jogos.

https://www.youtube.com/watch?v=hCfcJYbymDQ

Fonte: Nações Unidas


Cristovam Buarque: Desconstrução da esquerda

Os constantes noticiários sobre a Lava-Jato têm levado militantes dos partidos do governo a dizerem que está em marcha uma campanha de desconstrução do PT e da imagem do ex-presidente Lula, cujo objetivo seria a desconstrução da esquerda. É até possível que as oposições estejam usando as notícias com esta intenção; mas a desconstrução foi feita pela própria esquerda, contando com a colaboração do Lula, do PT e demais partidos de apoio ao governo.

A desconstrução da esquerda ocorreu por causa da aceitação da corrupção, sob o argumento de que todos a praticam; pela perda do vigor transformador e o consequente acomodamento; a falta de imaginação para formular nossas alternativas para avanço social; a incapacidade para perceber e entender a vertiginosa transformação tecnológica e política no mundo e o desprezo por compromissos programáticos e ideológicos.

A esquerda não foi capaz de entender o pleno significado da queda do Muro de Berlim, do fim do socialismo pela distribuição da produção e o consumo industrial depredador; a consolidação do poder sindical da aristocratização do proletariado em contraposição aos interesses das grandes massas; não entendeu a dimensão da crise que vai além da luta de classes e contesta a própria base da civilização industrial; não tem proposta para a ampliação do bem-estar, combinado com o equilíbrio ecológico; não percebe a força da globalização implantando o livre comércio, quebrando as fronteiras nacionais; nem a realidade da economia atual, onde o principal fator de produção é o conhecimento, não o capital financeiro, nem os recursos naturais.

A esquerda desconstruiu-se ao adotar a voracidade pelo poder e seus cargos e privilégios, envenenando os músculos de sua militância por estupidez e imoralidade. Faz parte também deste esforço da autodestruição, a anulação, pela cooptação, dos movimentos sociais como UNE, CUT, MST. Somado à irresponsabilidade fiscal que provoca a maldade da inflação; o aparelhamento e a má utilização do Estado; a degradação de estatais símbolos da nação, como a Petrobras e os Correios; o desmantelamento do funcionamento do Estado e a desnacionalização do parque produtivo por causa da desvalorização cambial.

No lugar de criar novas utopias, formular novas propostas, a esquerda preferiu cair nos braços do sistema tradicional, reduzindo seus programas a meras transferências de renda já implantadas por governos anteriores; colocou o poder como meta suficiente, não como etapa necessária; aceitou qualquer aliança, desconstruindo a própria imagem.

A foto de Lula no jardim de um palacete para eleger seu candidato poderá ser um dia mostrada como marco da desconstrução da esquerda no Brasil, tanto quanto as fotos de jovens derrubando as pedras do Muro de Berlim significou a desconstrução do socialismo real na Europa. A esquerda se auto desconstruiu sobretudo ao não perceber seus erros e jogar a culpa da desconstrução nos adversários.

(O Globo – 20/02/2016)