Day: fevereiro 5, 2016

A democracia e a 'cidade futura'

Apesar das circunstâncias que atormentam a vida da maioria dos brasileiros em razão da crise que assola o País, as eleições municipais de outubro próximo, como sempre foi no passado, não deixarão de demarcar a sua importância. Se as instituições da República suportarem a carga das crises que se avolumam a cada dia, provocada pelo desgoverno de turno, estaremos todos convocados a eleger ou reeleger os dirigentes das nossas cidades, desde as menores até as grandes metrópoles.

Apesar de tudo, os brasileiros, com a sua costumeira “desesperança esperançosa”, ainda creem no poder da sua participação por meio do voto. Pela via da política, estas eleições têm o poder de definir, mesmo que parcialmente, se o futuro imediato será ou não melhor do que os desencantos, as desilusões e as carências do presente.

O Brasil segue a tendência mundial de se afirmar como parte de um planeta cada vez mais urbano. É cada vez mais evidente que as cidades brasileiras devem ser pensadas de acordo com um tempo de mudanças aceleradas, mas de crise profunda e extensiva. Por isso elas necessitam de uma política que, além de enfrentar seus problemas setoriais com a eficiência requerida – como saúde, educação, segurança, mobilidade urbana, habitação e infraestrutura de saneamento básico –, se estruture a partir de uma orientação consonante com o tempo de grandes transformações que vivemos, especialmente na esfera da comunicação entre pessoas, corporações e instituições públicas e privadas.

Mas há alguns obstáculos que se antepõem a essa estratégia. O primeiro deles, e que faz parte do senso comum do brasileiro, é a visão de que as pessoas vivem nos municípios, e não nos Estados ou na Federação. Trata-se de uma meia-verdade. Os problemas das cidades brasileiras não se restringem apenas ao que ocorre cotidianamente nelas. É preciso entender que os municípios são entes federativos.

O vice-presidente Michel Temer, em artigo recente neste espaço, afirmou acertadamente que a nossa Federação é composta de Estados e municípios. As cidades brasileiras vivem sob o influxo de determinações políticas e financeiras dos três entes federativos (municipal, estadual e federal) que compõem o Estado brasileiro. E, como se sabe, uma das principais repercussões da crise hodierna do Estado brasileiro se manifesta pela crescente concentração de recursos no plano federal. Hoje, as finanças públicas dos municípios estão esgarçadas, provocando um desequilíbrio crescente que ameaça sua capacidade administrativa. É urgente repensar, portanto, um novo federalismo, que estabeleça uma nova divisão dos recursos públicos amealhado dos brasileiros.

As cidades brasileiras engendram historicamente exclusões e desigualdades, bolsões de segregação social e graves problemas ambientais. Essa realidade é conhecida dos especialistas e governantes, mas deve-se registrar que não há monopólio de nenhuma corrente intelectual ou força política a respeito das possíveis soluções para esses graves problemas. Por essa razão, é justo e imprescindível que se faça uma avaliação crítica do chamado “orçamento participativo”, uma política que, além de lidar com um porcentual irrisório de recursos do município, provocou ilusões e muitas distorções. Ela não foi efetivamente uma política democrática de participação e acabou cedendo espaço ao paternalismo, ao clientelismo e ao assistencialismo, impulsionando mais ainda elementos extremamente negativos na prática da política municipal.

A gestão democrática da cidade mostrou-se como uma questão de muito maior complexidade do que pensavam os arautos do “orçamento participativo”. Em artigo recente, a socióloga Maria Alice Rezende de Carvalho nos chama a atenção para o fato de que, no processo de modernização do Brasil das últimas décadas, passou-se da “cidade da ditadura”, com seus desastres habitacionais, de mobilidade e ecológicos, para a “cidade financista”, que elevou o mercado como a referência para o redesenho das necessidades urbanas e sociais básicas. O que nos leva a concluir que, no Brasil, a “cidade da democracia”, uma “polis contemporânea verdadeira”, não se tornou entre nós uma construção efetiva nestes últimos anos.

Recentemente, diversas mobilizações, tais como a Occupy Wall Street, os “indignados” ou as jornadas de junho de 2013 no Brasil, alimentaram a expectativa de que essa conquista emergiria das “cidades rebeldes”, numa difusa antevisão da “cidade futura”. No mundo intelectual, há tempos se fala em “cidades tecnológicas”, “inteligentes” ou “sustentáveis”, mas em todas as formulações a perspectiva de uma “cidade democrática” permanece distante e frágil como nexo fundante da acalentada “cidade futura”.

Alguns urbanistas qualificam as cidades brasileiras como “cidades cindidas, desiguais e insustentáveis”. Mas isso não é um destino. E a melhor maneira de enfrentar essa realidade talvez seja conectar democracia representativa e ativismo cidadão. O urbanista espanhol Josep Pascual chama essa estratégia de “governança democrática”, um modo de governar a “crescente complexidade e diversidade das sociedades contemporâneas, que se caracterizam pela interação de uma pluralidade de atores, pelas relações horizontais, pela participação da sociedade no governo e sua responsabilidade de fazer frente aos desafios socialmente colocados”.

Trata-se de uma proposta que pressupõe uma cidadania ativa, envolvida com a solução dos desafios sociais e que compartilha valores cívicos e públicos, a revalorização da política democrática e do governo representativo, além do fortalecimento do interesse geral, entendido como “construção coletiva”. O entendimento é que a “cidade futura” é sempre um arranjo inconcluso no qual não deve haver nem ganhadores nem perdedores definitivos.

Por: ALBERTO AGGIO*

* ALBERTO AGGIO É HISTORIADOR, PROFESSOR TITULAR DA UNESP

Fonte: Estadão


OMS declara vírus zika e microcefalia ‘emergência pública internacional’

Comitê de Emergência se reuniu pela primeira vez nesta segunda-feira (1) para responder ao aumento do número de casos de desordens neurológicas e malformações congênitas, sobretudo nas Américas. País mais atingido é o Brasil. Confira aqui todas as medidas anunciadas.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) realizou nesta segunda-feira (1) a primeira reunião do Comitê de Emergência que trata dos recentes casos de microcefalia e outros distúrbios neurológicos em áreas afetadas pelo vírus zika, sobretudo nas Américas. O país mais atingido é o Brasil.

O Secretariado da OMS informou ao Comitê sobre a situação dos casos de microcefalia e Síndrome de Guillain-Barré, circunstancialmente associados à transmissão do vírus zika. O Comitê foi recebeu informações sobre a história do vírus zika, sua extensão, apresentação clínica e epidemiologia.

As representações do Brasil, França, Estados Unidos e El Salvador apresentaram as primeira informações sobre uma potencial associação entre a microcefalia – bem como outros distúrbios neurológicos – e a doença provocada pelo vírus zika.

Segundo o comunicado da OMS, os especialistas reunidos em Genebra concordam que uma relação causal entre a infecção do zika durante a gravidez e microcefalia é “fortemente suspeita”, embora ainda não comprovada cientificamente.

A falta de vacinas e testes de um diagnóstico rápido e confiável, bem como a ausência de imunidade da população em países recém-afetados, foram citados como novos motivos de preocupação.

Para a Comissão da OMS, o recente conjunto de casos microcefalia e outros distúrbios neurológicos relatados no Brasil, logo após ocorrências semelhantes na Polinésia Francesa, em 2014, constituem uma “emergência de saúde pública de importância internacional”, condição conhecida também pela sua sigla em inglês (PHEIC).

Em uma decisão aceita pela diretora-geral da OMS, Margaret Chan, o Comitê da agência da ONU busca assim coordenar uma resposta global de modo a minimizar a ameaça nos países afetados e reduzir o risco de propagação internacional.

Recomendações à diretora-geral da OMS

O Comitê, em resposta às informações fornecidas, fez recomendações ao Secretariado da OMS sobre medidas a serem tomadas.

Em relação aos distúrbios neurológicos e microcefalia, o Comitê sugere que a vigilância de microcefalia e da Síndrome de Guillain-Barré deve ser padronizada e melhorada, particularmente em áreas conhecidas de transmissão do vírus zika, bem como em áreas de risco de transmissão.

O Comitê também recomendou que seja intensificada a investigação acerca da etiologia – a causa das doenças – nos novos focos onde ocorrem os casos de distúrbios neurológicos e de microcefalia, para determinar se existe uma relação causal entre o vírus zika e outros fatores desconhecidos.

Como estes grupos se situam em áreas recém-infectadas com o vírus zika, de acordo com as boas práticas de saúde pública e na ausência de outra explicação para esses agrupamentos, o Comitê destaca a importância de “medidas agressivas” para reduzir a infecção com o vírus zika, especialmente entre as mulheres grávidas e mulheres em idade fértil.

Como medida de precaução, o Comitê fez as seguintes recomendações adicionais:

Transmissão do vírus zika

  • A vigilância para infecção pelo vírus zika deve ser reforçada, com a divulgação de definições de casos padrão e diagnósticos para áreas de risco.
  • O desenvolvimento de novos diagnósticos de infecção pelo vírus zika devem ser priorizados para facilitar as medidas de vigilância e de controle.
  • A comunicação de risco deve ser reforçada em países com transmissão do vírus zika para responder às preocupações da população, reforçar o envolvimento da comunidade, melhorar a comunicação e assegurar a aplicação de controle de vetores e medidas de proteção individual.
  • Medidas de controle de vetores e medidas de proteção individual adequada devem ser agressivamente promovidas e implementadas para reduzir o risco de exposição ao vírus zika.
  • Atenção deve ser dada para assegurar que as mulheres em idade fértil e mulheres grávidas em especial tenham as informações e materiais necessários para reduzir o risco de exposição.
  • As mulheres grávidas que tenham sido expostas ao vírus zika devem ser aconselhadas e acompanhadas por resultados do nascimento com base na melhor informação disponível e práticas e políticas nacionais.

Medidas de longo prazo

  • Esforços de pesquisa e desenvolvimento apropriados devem ser intensificados para vacinas, terapias e diagnósticos do vírus zika.
  • Em áreas conhecidas de transmissão do vírus zika, os serviços de saúde devem estar preparados para o aumento potencial de síndromes neurológicas e/ou malformações congênitas.

Medidas de viagem

  • Não deve haver restrições a viagens ou ao comércio com países, regiões e/ou territórios onde esteja ocorrendo a transmissão do vírus zika.
  • Viajantes para áreas com transmissão do vírus zika devem receber informações atualizadas sobre os potenciais riscos e medidas adequadas para reduzir a possibilidade de exposição a picadas do mosquito.
  • Recomendações da OMS sobre padrões em matéria de desinfestação de aeronaves e aeroportos devem ser implementadas.

Compartilhamento de dados

  • As autoridades nacionais devem garantir a comunicação e o compartilhamento ágeis e em tempo de informações relevantes de importância para a saúde pública, para esta Emergência.
  • Dados clínicos, virológicos e epidemiológicos relacionados com o aumento das taxas de microcefalia e/ou Síndrome de Guillain-Barré, ou com a transmissão do vírus zika, devem ser rapidamente compartilhados com a OMS para facilitar a compreensão internacional destes eventos, para orientar o apoio internacional para os esforços de controle, priorizando a pesquisa e desenvolvimento de produtos.

Fonte: nacoesunidas.org