Day: dezembro 7, 2015

FAP se reúne e define Plano de Trabalho para 2016

A Direção Executiva e o Conselho Curador da FAP (Fundação Astrojildo Pereira) se reuniram neste final de semana em Brasília para aprovar o Plano de Trabalho de 2016. Das atividades programadas para o próximo ano se destaca a Conferência das Cidades e da Governança Democrática, que será realizada em Vitória, no Espírito Santo, nos dias 19 e 20 de março.

Entre as prioridades da FAP também está a (re)criação das representações nos estados e a definição de uma nova dinâmica de trabalho, melhorando a comunicação entre dirigentes e conselheiros, e adotando procedimentos mais eficazes de apresentação e execução de projetos.

Foi criada uma comissão para definir a política editorial e os novos procedimentos de coleta, seleção e aprovação dos livros a serem publicados pela FAP, tendo como critério o princípio estatutário de "editar e veicular publicações que possam servir como referências teóricas, políticas e culturais para as lutas democráticas e progressistas da sociedade brasileira".

fap3Também será incentivado o contato e a articulação de eventos conjuntos com outras organizações da sociedade e fundações partidárias, preferencialmente de legendas como PV, PSB,
Solidariedade, Rede Sustentabilidade, PSDB e PMDB, nos moldes do que já ocorreu em 2015 com o "Diálogos Brasil" e que vem sendo realizado com o "Saídas para a Crise".

Diga-se, aliás, que há um novo encontro desta série "Saídas para a Crise" no Rio de Janeiro (ASA – Associação Scholem Aleichem, Rua São Clemente, 155), nesta quinta-feira, dia 10, reunindo o cientista social Luiz Werneck Viana, o cientista político Cesar Benjamin e o jornalista e ex-deputado Milton Temer, com mediação do deputado estadual Comte Bittencourt (PPS/RJ).

Além do Plano de Trabalho foram debatidos inúmeros outros temas, como a necessidade de se resgatar a história do PCB/PPS com os movimentos sociais, operários, camponeses, negros, indígenas etc., além da visão da FAP sobre tragédias ambientais como a de Mariana (MG) e a responsabilidade do poder público e das empresas envolvidas.

Também foi definido que cabe judicialmente um pedido de esclarecimento à Comissão Nacional da Verdade sobre a acusação unilateral contra três ex-integrantes do Partido Comunista Brasileiro, com base em depoimentos de agentes da repressão ao livro "A Casa da Vovó", do jornalista Marcelo Godoy, que foram anexados ao relatório final da comissão que investigou violações de direitos humanos cometidas entre os anos de 1946 e a promulgação da Constituição democrática de 1988.

fap1Atividades de formação política (com cursos presenciais e de ensino à distância) serão promovidas para militantes, pré-candidatos, dirigentes e simpatizantes, sobretudo valorizando a história do PCB/PPS e esclarecendo qual é o papel dos vereadores e dos prefeitos que serão eleitos em 2016, e como eles podem se inserir na prática da governança democrática.

Será incentivada e aprimorada a presença da FAP na internet e nas redes sociais, tanto através do seu Portal quanto de publicações como a Revista Política Democrática e páginas de apoio, como a Esquerda Democrática, para divulgação de ações, artigos, eventos e debates de ideias.

TVFAP.net, no ar há nove meses, terá continuidade com a sua programação jornalística de conteúdo abrangente e qualificado. Conceitualmente, o objetivo é entender o atual momento do país e manter o diálogo com personalidades e instituições do campo da política democrática e republicana (muito além dos limites partidários do PPS, que também possui a sua própria TV), além do meio acadêmico, científico, artístico e cultural.


José Claudio Berghella: Por uma nova esquerda?

O colapso do socialismo real prenunciava o fim da bipolaridade e sem essa a esperança de um mundo novo de paz, prosperidade e liberdade. Direita e esquerda foram, cada qual a seu modo e em razão de suas particularidades, promovendo seus aggiornamenti. A esquerda desde o XX Congresso do PCUS em 1956 enfrentava seus demônios e os PCs ocidentais sentiam o peso da defesa do socialismo tendo o Bloco Soviético como parâmetro. As questões políticas decorrentes da invasão da Hungria, queda de Kruschev, gestão Breznev, primavera de Praga foram fatos complexos e de difícil gestão em países onde a democracia, mesmo com grandes debilidades, garantia as liberdades essenciais. Para a direita com o “Grande Irmão” , comunista e ateu, subjugado o céu era o limite. O anticomunismo não mais se justificava como fundamento exclusivo da luta ideológica. Vivia-se uma época que parecia inaugurar o fim de todos os radicalismos. Os olhares, à esquerda e à direita, voltavam-se para a questão da gestão do estado democrático. Direita e esquerda, livres dos pesos do passado, rumam em direção ao centro. A esquerda abandona as vestes do radicalismo e a direita parece converter-se em civilizada. O movimento em direção ao centro promove um novo reformismo. A esquerda se coloca em um modelo reformista defensivo enquanto que, de modo paradoxal, a direita abraça a causa reformista.

As crises, contudo, cumprem historicamente seu papel. A expectativa de que os ex-países socialistas do Bloco Soviético se convertessem em novos mercados e em especial zonas para investimentos industriais, comerciais e financeiro para os grandes conglomerados capitalistas ocidentais não aconteceu no modo almejado. O desmantelamento da economia de estado socialista gerou uma crise social cujos reflexos na Europa se fará, em especial, com grandes movimentos migratórios rumo a oeste. As novas classes dirigentes nestes países não foram tão filo-europeias como os mais otimistas sonhavam. Em 1998 a crise russa arrasta a Europa e muitos outros países à beira do abismo. Portugal, Espanha, Itália, Grécia são os mais atingidos sendo que os efeitos catastróficos abalam Alemanha, França e Reino Unido. Desemprego, falências, redução da atividade econômica, inflação elevam o tom da política e da agitação social.

A resposta à crise foi quase unânime: política de austeridade. A questão central: o welfare state. Em graus diversos todos os países europeus são levados à contenção de gastos públicos por cortes no orçamento social. A Comunidade Europeia, que hoje temos, se construiu e se fez como tal nestes quase 20 anos do débâcle russo sob o manto das crises e da austeridade. Direita e esquerda revezaram-se nos governos em torno da pauta única: austeridade. Queda dos laboristas na Inglaterra, vitória dos socialistas em França, assunção de Merkel na Alemanha, queda do breve governo Prodi na Itália, derrota do PSOE em Espanha, vitória da direita portuguesa revela o zig-zag na política. Contudo, os indicadores negativos não se superam. A austeridade com cortes de gastos no welfare state atinge o sistema educacional, as políticas de saúde pública, o custo dos transportes, o crescente desemprego entre os jovens e a crise no sistema de pensões e aposentadorias. Ao mesmo tempo o peso das corporações sindicais, patronais, da máquina pública, dos modos de gestão fazem com que diante do grande público a austeridade não resulte eficiente. Assiste-se o aumento das discrepâncias sociais enquanto que o sistema financeiro alcança recordes de crescimento. Diante da crise o sistema financeiro decreta uma política de escassez de recursos travando a economia e elevando o custo do dinheiro. Em muitos países europeus os governos procuraram sair do sistema de crise crônica estimulando uma economia de consumo com o crescente endividamento dos consumidores.

A nova geração europeia cresceu sob as crises continuadas e sob as férreas políticas de austeridade. Não conheceu e nem vivenciou os polos opostos da bipolaridade. O comunismo era um fantasma do passado onde não se podia ouvir rock ou ter calças jeans e o fascismo era tão somente um capítulo a mais nas lições escolares. Europa do leste e do oeste passam a ter nessa nova geração pós muro um segmento social unido pelas mesmas adversidades: elevada instrução sem oportunidades de emprego diante de uma sociedade de falimento do welfare state. É uma geração europeia sem compromissos com as forças do passado que se soma aos novos desvalidos que vieram do passado. Esquerda e direita do novo reformismo não são capazes de representar os diferentes segmentos sociais marginalizados pelas crises e políticas de austeridade. O sistema de partidos não consegue mais representar os interesses de segmentos e grupos sociais específicos. Os trabalhadores que antes eram mais fiéis aos partidos de esquerda agora, em defesa dos empregos e benesses sociais, se sentem livres de votar com a direita. A crise, por sua vez, atinge o sistema de partidos. Incapazes de representar os amplos interesses da sociedade e suas frações os partidos tradicionais, ou tradicionalmente organizados, vêm escapar parcelas do eleitorado ao mesmo tempo em que não são capazes de manter uma unidade ideológica ou programática, promovendo, por consequência, cisões internas. As modificações nos últimos 25 anos nas organizações partidárias europeias foram de tal monta que talvez superem as havidas nos quase dois séculos anteriores desde o início da formação dos partidos políticos modernos na Europa continental.

Sem representatividade muitos destes segmentos sociais refutam o modelo de desenvolvimento e crescimento imposto pela política de austeridade do Banco Central Europeu e não encontram na forma partido vigente organizações que possam lhes representar. Muitas das frações políticas nos partidos surgem a partir de uma leitura crítica da política econômica e suas consequências no agravamento do quadro social, como também na percepção da própria crise da forma partido. Este contexto promove um efeito tipo Big Bang, qual seja fuga do centro para a periferia, para o extremo. É a gestação de uma nova radicalidade.

Seria muito ingênuo associar o movimento anticentro como extremista. Os partidos rumo ao centro tentam caracterizar essas novas organizações políticas divergentes como extremistas ou radicais, procurando associa-las de algum modo aos velhos extremismos de direita (neofascistas, neonazistas, etc.) ou esquerda (Baader-Meinhof, Brigadas Vermelhas, etc.). O espectro que se cria é o de reputar aos movimentos anticentro o caráter de agremiações resistentes às regras do regime democrático em curso. Aos partidos que são atraídos pela força gravitacional do centro o ideal democrático é a conformação de relações políticas que garanta a governabilidade. E esta, governabilidade, se torna a mágica palavra-de-ordem dos novos tempos, que, por fim, legitima todos os tipos de alianças em governos de coalização. As alianças conjunturais e temporais em vista o processo eleitoral e à formação da maioria relega o fator ideológico a plano inferior, fragilizando, por consequência, a forma partido.

O fracionamento dos partidos de esquerda no novo milênio ocorre em toda Europa. Ressalvadas suas particularidades poder-se-ia sintetizar que o elemento comum a todas as frações é o welfare state. A questão central é o modelo de gestão da União Europeia sintetizada na crítica à política de austeridade.

O Partido da Rifondazione Comunista, fundado na Itália em 1991, pouco tempo depois do fim do PCI, decorrente da fusão do Partido Comunista d´Italia, a Democrazia Proletaria e os dissidentes do PCI foi a primeira grande experiência de cisão europeia à esquerda logo em seguida ao início dos movimentos de aggiornamenti dos PCs. Em seus primeiros anos apesar da crítica ao aggiornamento do PCI, o PRC apoiou os governos Prodi em 1996 e depois em 2006. Contudo eleitoralmente o PRC foi perdendo terreno no campo da esquerda. Entre as razões de sua fragilização, como em tantos outros casos, se dá principalmente em virtude de que sua derivação à esquerda representava a volta ao “velho comunismo”, ao dogmatismo e ao sectarismo, projetando-se fora do movimento da história.

O movimento de aggiornamenti dos PCs não foi igual em todos os países. Alguns permaneceram na velha concepção como o Partido Comunista Português e o Partido Comunista Grego, apesar de que no caso do partido grego surgiu internamente um forte grupo modernizante que se mantém como fração. O PCI foi o que mais radicalmente mudou, sendo que o alemão, o espanhol e o francês o fizeram de modo mais lento. Nos países do ex bloco socialista os PCs, muito enfraquecidos, mantiveram-se nas velhas tradições. Contudo vale salientar que ainda neste período a evasão de militantes, principalmente entre intelectuais, dirigentes e líderes sindicais, homens do campo da cultura, foi bastante significativa. E, em muitos casos, formaram-se grupos de debate, revistas, círculo de estudos, agrupamentos políticos setoriais, etc., evitando uma diáspora sem retorno.

O fenômeno do Partido da Rifondazione estabelece um certo marco no final do século passado dos partidos, frações e grupos dissidentes que acabaram convertendo-se em propugnadores de uma perspectiva conservadora na defesa da velha forma partido.
O novo milênio vê surgir um movimento de outro tipo, qual seja da crítica à gravitação rumo ao centro e a recuperação dos valores básicos dos movimentos comunistas, socialistas e sociais democráticos, não tendo, porém, como parâmetro o socialismo real anterior. É o socialismo do século XXI, como afirmam muitos em seus Manifestos, sendo esta nova etapa aquela do capitalismo financeiro em escala mundial. Os inúmeros partidos ou movimentos nesta Nova Esquerda não são ideológica e programaticamente unânimes e cada qual responde aos seus antecedentes históricos. Contudo, como já dito, o traço comum que a liga é o welfare state e crítica ao modo de gestão do Estado e da política unitária europeia. Existem aqueles que pregam um novo neokeynesianismo até aqueles que vêm no Tsipras grego um novo berlinguerismo. Uns mais ortodoxos como o Bloco de Esquerda português e outros mais heterodoxos e modernos como Die Linke na Alemanha.

Sumaria e reduzidamente ei-la. Novi Levi Perspettivi – Bulgária (2012). “Todos os valores do liberalismo e da democracia cinicamente serviu como adereços para a destruição do Estado de bem-estar, e com ele – o da própria sociedade. Então, hoje a análise dos problemas da sociedade capitalista foi substituída pela proposta de medidas orçamentárias rigorosas supostamente extraordinárias para se tornar parte da nossa constituição.” (Manifesto) Die Linke – Alemanha (2007), fundado por Oskar Lafontaine, ex presidente do SPD, que em 2009 obteve 12% dos votos. “O Die Linke luta por uma ordem econômica diferente, democrática, que sujeita o mercado a regulamento de produção e distribuição através do enquadramento e controle democrático, social e ecológico. Tem que ser baseado na propriedade pública e democraticamente controlada nos serviços de interesse geral, da infraestrutura social, no poder industrial e no setor financeiro. Queremos que a socialização democrática das áreas mais estruturalmente relevantes seja com base no estado, municípios, cooperativa ou propriedade da força de trabalho.” (Manifesto) A fração de Jeremy Corbyn junto ao Labour Party inglês. Tsipras – Grécia que venceu as ultimas duas eleições gregas superando a Nea Democratia e o Partido Comunista Grego. Podemos – Espanha – em 2014 obteve 7,98% dos votos para o Parlamento Europeu. Parti de Gauche – França (2009). Rede dos Estudantes – Hungria. CriticAtac – Romênia. Crítica Política – Polônia. Inciativa para o Socialismo Democrático – Eslovênia. Partido Comunista da Boêmia e Morávia (KSCM) – República Checa. Bloco de Esquerda – Portugal, no 2º semestre de 2015 em aliança com o PS e o PCP derrubou o governo direitista português. Em 2010 compunham o Partido de Esquerda Europeu 32 partidos em 22 países, todos ou de origem socialista ou de origem comunista, entre eles os velhos partidos e a nova esquerda.

O Manifesto de 2015 assinado por Oskar Lafontaine, ex ministro das finanças, fundador do partido Die Linke (Alemanha), Stefano Fassina, parlamentar, ex vice-ministro da economia e finanças (Itália), Jean-Luc Mélenchon, parlamentar europeu, co-fundador do Parti de Gauche (França) e Yanis Varoufakis, parlamentar, ex ministro das Finanças (Grécia) resume o novo fantasma que ronda a Europa: “O euro tornou-se um instrumento de dominação econômica e política por parte de uma oligarquia europeia que se projeta no governo alemão, muito contente em deixar o trabalho sujo para a chanceler Merkel e o que os outros governos não são capazes de realizar. Esta Europa gera apenas violência nos países e entre eles: o desemprego em massa, insultos brutais, dumping social e contra a periferia europeia, tudo atribuído à liderança alemã, mas em verdade repetida como um papagaio por todas as elites europeias, incluindo as dos mesmos países da periferia. Desta forma, a União Europeia tornou-se portadora de um ethos de extrema-direita e os meios para tornar impossível na Europa o controle democrático sobre produção e distribuição”.

O tema é relevante e não e esgota aqui.

José Claudio Berghella (1945). Ítalo-brasileiro. Sociólogo. PhD em Sociologia (USP/1972). Professor aposentado na UFSCar. Autor de livros e artigos.

Fonte: Assessoria do PPS


Marco Aurélio Nogueira: Impeachment é um risco, mas pode trazer ganhos para o debate democrático

Ao menos uma frase merece ser destacada da entrevista concedida ontem à noite pelo presidente nacional do PT, Rui Falcão. Ao se referir aos efeitos que se pode imaginar como derivando da aceitação da abertura do processo de impeachment contra a presidente Dilma, ele disse: “Abrimos um novo caminho para estabelecer uma nova governabilidade no país.”

Foi uma frase precisa, acertada. A partir de agora, Dilma, o PT e o País podem respirar aliviados, livres da chantagem a que foram submetidos pelo deputado Eduardo Cunha. Agora é guerra aberta, de posição, não mais somente de guerrilha e movimento. Chegou o momento de mostrar quem tem razão e quem pode mais. Que vença o melhor, o mais forte, o que está ao lado da justiça e da democracia. Que o governo volte a governar.

Com a abertura do processo de impeachment, acabou o braço de ferro entre Dilma e Cunha, que entre outras coisas paralisava o sistema e constrangia a militância petista.

Ganha com isso o PT, que poderá buscar sua unidade em torno da defesa do mandato presidencial. Ganham também as oposições, que serão obrigadas a demonstrar que sua narrativa de estelionato eleitoral e corrupção tem um fundo de verdade tão forte e evidente a ponto de sensibilizar a população e a maioria absoluta da Câmara dos Deputados.

É um ganho para o debate democrático. Saberemos todos aproveitá-lo? Teremos condições de requalificar o modo como vem sendo debatidos os grande temas nacionais? Conseguiremos escapar da polarização estúpida que faz a nação sangrar?

Importa não menosprezar a distribuição dos votos na Câmara. As oposições não têm a maioria. Terão de se desdobrar e gastar saliva e tutano, já que não têm canetas para distribuir prêmios e incentivos. Precisarão ser persuasivas e convencer deputados, senadores e formadores de opinião que o impeachment faz sentido, não é uma peça sem embasamento jurídico. Não será fácil. Terão de converter uma vontade e um desejo em argumento jurídico-político, mostrando que possuem mais do que uma acusação genérica de desgoverno e provando que Dilma cometeu atos que a comprometem em termos de irresponsabilidade e corrupção.

Se forem competentes, íntegros e souberem pautar o debate, os oposicionistas poderão nocautear Dilma. Se não forem, terão de enfiar a viola no saco e mudar a partitura.
Os governistas, de seu lado, precisarão provar que está em marcha um “golpe branco”, uma ameaça à democracia, uma manobra das oposições para tumultuar o ambiente e conseguir uma revanche que alivia a dor da derrota de 2014. Terão de explicar que o “processo espúrio” desencadeado pelo desejo de vingança e retaliação de Eduardo Cunha pode sim ter “lastro jurídico”, endossado que está por figuras como Hélio Bicudo e Miguel Reale Jr. Não será suficiente espernear contra a “mídia golpista”. Nem converter Eduardo Cunha no algoz amoral e pérfido da presidente. Há muito mais coisas a serem consideradas. Uma delas: o impeachment tem base legal? Bater em Cunha agora é gastar vela com o defunto errado.

É verdade que Dilma não cometeu crimes, nem tem um prontuário que a criminalize. Mas será preciso blindá-la com outros argumentos, para o quê um pouco de autocrítica ajudaria bastante. Ou será que o governo não errou, não fez escolhas erradas, e tudo não passa de artimanhas da oposição ressentida? A perda de prestígio de Dilma caminha junto com os fracassos de seu governo e não serve em nada para bloquear o impedimento, muito ao contrário. Há um clima de esgotamento no ar: do modelo de desenvolvimento, de um padrão de coalizão, de um sistema político, do próprio PT, que se entregou demais ao governo e agora precisa se esforçar para defendê-lo sem se deixar por ele comprometer. Se não ilícitos que a maculem hoje, não há porque descartar que eles apareçam amanhã. Impossível tratar uma questão política com recursos de fundo jurídico ou moral. A política é dinâmica e tende a se diferenciar daquilo que é certo ou errado.

A Câmara é hoje uma terra de ninguém: um universo em disputa, no qual oposição e situação são somente parte. Há um “centrão” flutuando por ali, derivado da problematização da base aliada. Ele é tido como mais fiel a Eduardo Cunha do que ao governo. Será alvo de intensa disputa e tenderá a funcionar como fator decisivo, o que pode fazer seu “preço” subir às alturas.

A crise econômica, o prosseguimento da Lava-Jato, com seus desdobramentos imprevisíveis, a crise dos partidos, a falência do sistema político e o barulho das ruas são intervenientes complicadores e difíceis de serem controlados. Como cada um deles se manifestará é algo em aberto. Se a crise passar a ser mais sentida pela população e se houver combustível suficiente nas oposições, por exemplo, uma mobilização social poderá acontecer, com força para alterar a qualidade e o ritmo do processo. O destino de Eduardo Cunha também poderá alterar a correlação de forças e a dinâmica política. Se for cassado, fará com que suas impressões digitais comprometam ainda mais a credibilidade à autorização do impeachment. Por outro lado, o “centrão” ficará sem ter quem o coordene.
O impeachment por enquanto é uma hipótese remota. Poderá ou não encorpar. No curto prazo, produzirá estragos num governo que já vai muito mal e turbulência no País. No médio e no longo, tudo vai depender do que fizerem os protagonistas, dos acertos e erros que cometerem.

Na hipótese de o impedimento progredir, o mundo não acabará. É frágil a ideia de que o processo redundará necessariamente na entrega do governo para a direita, pois há um bom espaço de manobra para que se forje uma solução negociada que preserve e valorize as regras do jogo democrático, os direitos e as conquistas sociais dos últimos anos. Uma “pauta conservadora” não está automaticamente vinculada ao impeachment, até porque os atores que construirão o que virá depois ainda não estão claros nem definidos. Ao contrário, estão em plena gestação.

Fonte: Assessoria do PPS


Morre o escritor e jornalista mineiro Marco Antonio Tavares Coelho

Uma lágrima para Marco Antonio Coelho, que morreu no sábado, 21 de novembro de 2015.  Mineiro por nascimento (em Belo Horizonte, em 1926), por amor, por temperamento. Um sensato pesquisador dos fatos concretos, sem excluir a poesia.  E voltado para o futuro. Não era de remoer o passado, não era de queixas, nem de grandes comemorações. Não foi ele que me relatou o quanto foi horrivelmente torturado, preso em 1975 pelo DOI-CODI, nem dos 4 anos de luta corajosa de Teresa, sua mulher, para tirá-lo da prisão, impedir que morresse e apoiá-lo para que recuperasse sua alegria de viver. Lágrimas? Só se fossem para encher os rios e riachos de Minas Gerais.

Nem sei se ele sabia da tragédia do rio Doce quando morreu, ou se estava pesquisando e escrevendo sobre suas águas e represas. Mas o rio Doce já aparece no seu livro sobre o Rio S. Francisco e sobre seu principal afluente. Teria sido o homem certo para cuidar do Rio Doce. Nas últimas décadas estava dedicado à restauração dos rios da sua infância, que tinham cada vez menos água, e água cada vez mais suja.

Queria ter de volta as águas caudalosas do passado. Estava em contato com os movimentos, projetos e propostas de restauração dos rios de Minas Gerais.  Neste momento, mais que nunca, é urgente ler os dois últimos livros de Marco Antônio Tavares Coelho, ver suas fotos históricas, e as lindas ilustrações de Maria Helena Andrés: “Rio das Velhas: Memória e Desafios” (S.Paulo, Editora Paz e Terra, 2002) e “Os Descaminhos do São Francisco” (S.Paulo, Editora Paz e Terra, 2005).

Marco Antônio sempre foi militante: a partir de certo momento e durante certo tempo, militante comunista, e é válido resumir tal militância nas próprias palavras dele, quando dedica outro livro, bem diferente daquele sobre os seus rios queridos: “À Teresa, minha mulher, símbolo dos que perseveram nas adversidades, nunca desanimam, na luta por uma sociedade mais justa.” O livro é: “Herança de um Sonho: As Memórias de um Comunista” (Rio de Janeiro, Editora Record , 2000). Descreve uma trajetória política pessoal, tem o perfil de muitos dos que o acompanharam nessa trajetória, mas é, mais que isso, sobre 40 anos de história do Brasil. Segundo o próprio Marco Antonio, “foi um catarse escrever este depoimento” (p.17). Segundo Armênio Guedes, outro dirigente comunista da linha mais democrática, “é a história mais concisa e bem escrita que conheço sobre a militância comunista no Brasil.”

Nessa trajetória tive participação durante um ano, no Rio de Janeiro, já não lembro se 1961 e 1962, quando fui trabalhar na Assessoria Parlamentar que havia sido montada por Marco Antonio Coelho. Estou lá, no livro dele, ainda que não lembre muito do que ele conta da Assessoria. Lembro que funcionava em um pequeno escritório no centro do Rio, e o objetivo era fornecer dados e análises técnicas que ajudassem os deputados em seus discursos e propostas. Nunca participei dos detalhes nem percebi que fosse tão ampla a influência da Assessoria Parlamentar quanto o que foi descrito por Marco Antonio (“Herança de um Sonho”, pp.203-208). Uma pena, porque ali, no que dependia de Marco Antonio, se trabalhava com seriedade, sem demagogia. Lembro que fui enviada a Minas Gerais, estudar a economia dos fornos de ferro gusa, por conta disso visitei algumas áreas de mineração de ferro, com a ajuda dos contatos mineiros de Marco Antonio. Este foi eleito deputado federal em 1962, e a assessoria perdeu seu chefe mais realista. Tudo se acabou com o Golpe de 1964.

Marco Antonio manteve sempre sua esperança na batalha pelo socialismo. Mas era democrático do fundo da sua alma mineira, tolerante, agregador, não tinha rancor para com os que não conseguiram ignorar que os fatos bem concretos de um experimento social que durou 70 anos (1917-1989) haviam condenado suas utopias permanentes.

Seu espírito aberto, e agregador, se evidenciou sempre nos vários anos em que foi o Editor Executivo da revista “Estudos Avançados”, do IEA/USP. Um dia, conversando com ele sobre as minhas fracassadas utopias da juventude, observei: “É… você foi tão torturado para mudar de opinião, que não dá mesmo para você mudar de opinião.” O sorriso dele veio entre zombeteiro e triste: “É… é uma maneira de enxergar a questão.” Mas, chegado o século XXI, ele estava mesmo mais preocupado com a correnteza dos rios, riachos e córregos mais queridos, mais Minas que Gerais, e com as populações ribeirinhas no mais amplo sentido, mesmo as mais afastadas das margens. Conforme a dedicação do seu livro sobre o rio das Velhas, em 2002: “A todos engajados na causa dos rios – o sangue da Terra.”

Por: Helga Hoffmann

*Marco Antônio Coelho era editor da revista Politica Democrática, da Fundação Astrojildo Pereira, do Partido Popular Socialista.