A Internacional: 150 anos da letra e melodia que lutam e encantam
Eduardo Rocha
Economista pela Universidade Mackenzie
Pós-Graduado em Economia do Trabalho e Sindicalismo pela Unicamp
Vós, que surgireis da maré
em que perecemos,
lembrai-vos também,
quando falardes das nossas fraquezas,
lembrai-vos dos tempos sombrios
de que pudestes escapar.
Bertolt Brecht
I
Uma unidade tardia, mas eterna!
O ano de 2021 marca o sesquicentenário da Comuna de Paris[1],“o governo do povo pelo povo”[2], e da composição da letra de A Internacional, o hino proletário[3] dedicado a todos os que lutam pela transformação do mundo rumo à emancipação humana global.
No dia 30 de junho de 1871, veio ao mundo exclusivamente o poema originalmente escrito em francês[4]. Os ponteiros do relógio da história ainda separavam letra e melodia. Ambas só foram unidas futuramente e se transformaram no apaixonante hino universal, cujo um simples assobio de suas primeiras notas é capaz de externar uma ideia-força revolucionária para todos os povos e identificar o assobiador político-musical como membro integrante de uma consciência histórico-universal pertencente a um incontível movimento internacionalista, que luta por reunir forças e paixões para por abaixo o velho mundo e construir uma nova totalidade do ser social que efetive objetivamente o fim da desgraçada escravidão humana ao reino da necessidade.
O espírito do reino da liberdade do futuro soprou e a composição poética veio à luz mais precisamente naquele dia pela pena subversiva do operário, poeta e militante revolucionário francês Eugène Edine Pottier (1816-1887), combatente nas barricadas parisienses em defesa do primeiro governo proletário da História, a Comuna de Paris, da qual foi eleito membro pelo Segundo Distrito, recebendo 3.352 votos dos 3.600[5].
Não há abismo na história quando ela é nutrida, nutre e reproduz a humanidade em sua identidade necessária universal – a liberdade humana é uma necessidade e sua conquista efetiva, real, será uma vitória contra o reino da necessidade, esta chaga da pré-história que tanto condena e humilha o gênero humano será superada, porque as gerações que nos sucederem farão um mundo de paz.
Para vivificar e eternizar a marcha das batalhas e aspirações geradas na Comuna de Paris expressas no famoso refrão[6] (Bem unidos façamos/Nesta luta final/Uma terra sem amos/A Internacional) e nas seis estrofes de oito versos que lutam contra o velho mundo e anunciam o novo, as notas musicais que encantam foram compostas em 18 de Junho de 1888 (sete meses e 12 dias ou exatos 225 dias após o falecimento de Pottier[7]) pelo operário belga Pierre Chrétien Degeyter (1848-1932) a pedido do sapateiro, vendedor de jornais e depois gerente de taberna, um dos primeiros prefeitos socialistas franceses e líder do Partido Operário Francês Gustavo Delory (1857-1925), que lhe solicitara, no dia 15 de junho de 1888, musicar os versos de Pottier, descobertos por ele em 1887.
Pottier nem pensou nem chegou a apreciar a inaugural musicalização de seu poema. No dia 23 de julho de 1888 (feita oito meses e 17 dias ou 260 dias após seu falecimento), o Coral Lyre des Travailleurs interpretou na França, pela primeira vez, A Internacional, na taberna La Liberté, na Rue de la Vignette em Lille, no popular bairro de Saint-Sauveur, onde se realizava uma festa socialista[8].
Portanto, um longo tempo as separava até seu derradeiro e eterno encontro. É como se antes Pottier depositasse no mar da história uma garrafa, cujo ventre levava a letra, síntese do coração do espírito revolucionário, que, tempos depois, fosse encontrada pela música suavemente potente e poderosamente rebelde de Degeyter após o fluxo incessante das ondas agitadas e atormentadas do imenso oceano das turbulências humanas.
Como que por obra da “astúcia da razão” da história escapassem da terrível maldição de viverem eternamente separadas, como prisioneiras de um “Feitiço de Áquila”, a distância entre elas chegava ao fim após 16 anos e 354 dias – quando se dá o casamento eterno entre a letra (Pottier) e a melodia (Degeyter) – e 17 anos e 23 dias quando os primeiros círculos proletários ouvem pela primeira vez o poema musicado – posteriormente universalizado.
Aquela execução inaugural marcou a aurora que cravou na aventura da história humana a indissolúvel identidade entre a letra, composta no calor dos ecos mortíferos dos canhões, das baionetas e das metralhadoras que executavam os communards já derrotados militarmente, e a melodia evocativa de um novo mundo, gestada na consciência artístico-revolucionária que recolhia as bandeiras ensanguentadas caídas no solo parisiense e nelas escrevessem os versos que embalam o canto humano universal.
Um espaço-tempo de dezessete anos separa e une a letra (Pottier) e a música (Degeyter). Divide-os e os une como num “buraco de minhoca” (este atalho-túnel matemático-hipotético entre dois pontos distantes do cosmo-universal) via uma força atrativa de linhas de força do campo gravitacional, esta mesma que atraem corpos mutuamente em razão de sua massa – aqui, no caso, letra e melodia unidas numa composição poético-musical tecida pelos fios dramático-heroicos da história humana escrita pela Comuna de Paris.
Com a unidade entre a calorosa combatividade do poema e a contagiante sonoridade da canção, chegava ao fim o isolamento mútuo. Morria ali o “feitiço aquilano” e as duas criações estavam enfim interpenetradas e conectadas num eterno movimento político-artístico sísmico que, concentrando passado-presente-futuro, ainda abalam as placas tectônicas que sustentam a ordem social vigente.
Desde então, a força da composição poético-musical brotou do espírito apaixonado pela Revolução Humana e soldou substancialmente letra e melodia numa unidade-identidade mútua construída a partir duma totalidade do ser social ontologicamente determinado, isto é, uma unidade estética unida a uma quadra sócio-histórica francesa que reacendia as chamas da Era das Revoluções, para usar de empréstimo aqui a expressão definidora de Eric Hobsbawn[9].
O poema proletário que, como vimos, só será musicado tempos depois, foi salvo do tal esquecimento ou do seu puro e simples desaparecimento físico graças ao poeta e compositor francês Gustav Nadaud (1820-1893), conhecido de Pottier desde as jornadas revolucionárias de 1848. Ambos reencontraram-se em 1883 durante uma apresentação musical do nosso poeta-communard numa goguette, que é uma antiga prática social festiva na França e na Bélgica e consiste em reunir pequenos grupos de amigos para se divertir e cantar músicas com dimensão social e política.
Deste reencontro, realizado na famosa goguette La Lice Chansonnière (que existiu entre 1831 e 1967), Nadaud reuniu e publicou, em 1884, um livro contendo cerca de cento e cinquenta poemas de Pottier. Não bastasse isso, Nadaud e outros amigos publicaram, pela editora parisiense Dentu, o segundo livro de Pottier: Chants Révolutionnaires, com prefácio do socialista Victor Henri de Rochefort-Luçay (1831-1913), jornalista, dramaturgo e apoiador da Comuna de Paris.
Sabe-se que a intenção inicial de Pottier era a de que seu poema fosse cantado ao ritmo da Marselhesa[10]. Quem pode saber se no dia em que compôs aquele poema (depois de ter participado dos acontecimentos dramáticos e heroicos da Comuna de Paris e processado todas as doloridas reflexões brotadas da implacável realidade) Pottier chegou a pensar, por um segundo sequer, que aquela letra, depois de receber o manto musical de Degeyter, tornar-se-ia referência estético-política de uma luzente cultura revolucionário-humanista universal?
II
A inspiração
A viagem exploratória ao futuro é uma aventura instigante, desejável e perigosa (por não se saber quais são seus infindáveis e múltiplos labirintos a confundir e a surpreender). A viagem ao passado também não é fácil – requer uma seriedade impecável do espírito do presente para ser fiel à investigação, análise, síntese e exposição ao que ontologicamente ocorreu. A Comuna de Paris não pertence apenas ao passado dos que lutaram pela emancipação. Por suas aspirações genuinamente humanas, ela pertence também ao presente e ao futuro de uma República Universal, como sonharam, lutaram, morreram e inscreveram seus nomes os communards nas páginas da dignidade humana.
Ontologicamente, A Internacional expressa um ser social específico e historicamente determinado e, portanto, é impossível dissociar este canto crítico, exortativo, reivindicatório e proclamatório, do impiedoso massacre das classes dominantes francesas (com inequívoco apoio de seus pares prussianos) ao “assalto aos céus”, como definiu Marx aquela ação revolucionária original, cujas vozes e ações práticas emancipatórias trovejavam “Viva a Comuna!”, “Viva a República do Trabalho”, “Viva a República Social”, “Viva a República Universal”.
Dedicado a seu camarada Gustave Lefrançais[11] e composto em plena clandestinidade e imediatamente após os massacres que se sucederam à derrota militar proletária, o poema é o concreto das penosas reflexões sobre os acontecimentos da Comuna de Paris – bárbara e sangrentamente reprimida pelo governo reacionário francês sediado então em Versalhes. Pottier guardou este e outros poemas mesmo quando partiu ao exílio, primeiro em terras belgas, depois inglesas e estadunidenses – só voltaria ao solo francês em 1880.
O poema vem à luz quando ainda ressoavam os ecos mortíferos das bocas-de-fogo dos canhões, fuzis e metralhadoras – estas bestas-demoníacas de ferro, pólvora, ódio e vingança; estas pavorosas máquinas que obedecem, miram, atiram, ferem, arrebentam, destroem, estraçalham, mutilam, despedaçam, exterminam, matam, silenciam. Canhões e fuzis são as objetivações monstruosas da consciência opressora que se corporifica em matéria morta que vive para matar o que vive. É a matéria do velho mundo que bombardeia o berço do novo mundo dos communards. É o artefato do terror produtor de rios de sangue que serpeavam o solo que em 1789 proclamara Liberté, Egalité, Fraternité – ideais que os communards proclamaram que os dignificariam.
As mulheres defenderam a bandeira da Comuna
Versalhes foi a alma e o corpo da reação mundial que promoveu a tempestade reacionário-assassina que transformou mulheres, homens, crianças, jovens, idosos – seres vivos construtores de uma nova sociabilidade humana – num ossário, que até hoje desperta ódio dos que mantém vínculos históricos com a hiena reacionária da velha ordem de 1871 – que eliminou fisicamente os communards (cujo vermelho sangue escorreu e penetrou na história), mas não destruiu os princípios e valores mais gloriosos da humanidade defendidos pela Comuna de Paris. Apesar da ferocidade desta tempestade de matança, a Comuna não capitula e fica sempre em pé, parafraseando aqui a expressão de Lissagaray[12].
Soldados communards mortos durante a Comuna de Paris
Atalli registra que no “dia 27 [de maio, ER] está concluída a reconquista de Paris. Deixou 877 mortos e 6.500 feridos entre os versalheses; mais de 4 mil mortos em combate do lado federado, aos quais se somam 17 mil parisienses mortos sem julgamento (…); 43.422 detenções levam a 13.450 condenações, 270 das quais à morte, 410 a trabalhos forçados e 7.497 à deportação”[13].
“Com a ajuda de Bismarck (que pôs em liberdade 100 mil soldados franceses, prisioneiros dos alemães, para esmagar a Paris revolucionária)”[14], às “13 horas de 28 de maio caiu a última barricada dos revolucionários. Quatro mil communards morreram na batalha; mais 20 mil seriam executados sumariamente nos dias que se seguiram; 10 mil conseguiram fugir para o exílio; mais de 40 mil foram presos, destes, 91 condenados à morte, 4.000 à deportação e 5.000 a penas diversas: a batalha de Paris produziu 20.000 vitimas; 26.000 communards foram capturados entre 21 e 28 de maio; mais de 3.500 nas lutas contra Versalhes, em abril; 5.000 foram presos em junho-julho. Um total, entre presos e fugitivos e mortos, de cerca de 100 mil habitantes parisienses, mais de 5% da população da cidade. Entre os 38.578 presos julgados em janeiro de 1875, 36.909 eram homens, 1.054 mulheres, e 615 crianças com menos de 16 anos. Só 1.090 foram liberados depois dos interrogatórios (Cf. Rougerie, 1972)”.[15]
Os açoites morais, as calúnias, as injurias, as tolices, os ódios, as mentiras, os suplícios, os covardes lodaçais da ignomínia[16] e a matança não terminaram com o fim da Semana Sangrenta. Continuaram estendidas aos seus sobreviventes inocentes, que – não necessariamente nesta ordem – foram submetidos barbaramente a conselhos de guerra, a falsos julgamentos, a trabalhos forçados, a prisões, a torturas, a exílio, a deportações e assassinatos com requintes de crueldade.
Ao promover o “assalto aos céus”, o proletariado comunnard de 1871, o Prometeu moderno, produziu relâmpagos que revelaram a inexistência dos deuses, dos mitos e a pequenez dos senhores do capital e, ao mesmo tempo, deu vida a um poderoso raio que ao tocar o solo possibilitou a criação de um sólido fulgurito artístico: A Internacional, cuja beleza estética, dimensão social, crítica política e essência humanista é uma obra de arte virtuosamente pluridimensional – que é, a um só tempo, a unidade de sua singularidade inconfundível com seu alcance histórico-universal, representativo de uma síntese moderna estético-musical, literária, poética, cultural, política, psíquica, social, moral, artística, ideológica e histórica, que até hoje e por muito tempo produzirá o prazer artístico e o engajamento político global. É, assim, a “unidade complexa”, para usar aqui a precisa expressão de Edgar Morin, que recupera a universalidade latina do termo “complexus”, que quer dizer “aquilo que é tecido em conjunto”.
As classes sociais dominantes do velho mundo, com seus canhões, fuzis e metralhadoras, acreditaram terem dominado e vencido o raio que desceu dos céus e, rasgando a atmosfera social, iluminou a humanidade por 72 dias. Engano. Esse raio brilha, apesar de tudo. Os que massacraram a Paris revolucionária sabem muito bem até hoje o que fizeram há 150 anos contra a Comuna, que entrava para a história ao negar não apenas o modo contemplativo de ver o mundo, mas, através de sua ação concreta, negava também e de modo prático-transformador a velha ordem desumano-opressora.
Mulheres na Comuna de Paris. Fonte: http://twixar.me/GsPn
A Comuna da Paris gerou a base poético-musical para Pottier e Degeyter, mas também revelou – e isso é extremamente importante do ponto de vista histórico emancipatório da humanidade – o protagonismo resoluto, a luta consciente e o heroísmo épico das mulheres que externaram força, ousadia, inteligência, genialidade e independência não só durante aqueles famosos 72 dias – na construção e na defesa consciente da nova ordem social-, mas também a espetacular grandeza com que elas enfrentaram destemida e corajosamente todas as barbaridades da selvageria infinita perpetrada barbaramente a partir do hálito assassino da rapsódia reacionária.
Gravura de Frédréric Lix (1830-1897) que retrata
uma reunião do Clube das Mulheres durante
a Comuna de Paris
Elas lutaram e sofreram, e como lutaram e como sofreram!! Desde o primeiro dia, 18 de março, as mulheres participaram ativamente dos debates edificantes da nova ordem e lançaram-se brava e corajosamente na proteção da Comuna, opondo-se à captura dos canhões que as forças militares de Versalhes queriam confiscar!!
Judy Cox relata que, em 11 de abril de 1871, apareceu um pôster nos muros da capital da França que afirmava:
“Cidadãs, sabemos que a ordem social atual traz em si as sementes da pobreza e da morte de toda a liberdade e justiça… Neste momento, quando o perigo é iminente e o inimigo está às portas de Paris, toda a população deve se unir para proteger a Comuna, que defende a aniquilação de todos os privilégios e de todas as desigualdades”[17].
Cox informa que “todas as mulheres que estavam preparadas para morrer em nome da Comuna foram convocadas a comparecer a uma reunião às 20h na Salle Larched, Grand Café des Nations, Rue de Temple, 74. Lavadeiras, costureiras, encadernadoras e modistas compareceram e ali estabeleceram uma nova organização, a União das Mulheres. (…). Em poucos dias, a União tornou-se uma das organizações mais importantes da Comuna de Paris. As mulheres socialistas desempenharam um papel indispensável na organização das trabalhadoras de Paris para se tornarem communards”[18].
As mulheres tiveram compromisso real em defesa da Comuna
O compromisso real das mulheres foi total até nas barricadas. Arriscaram a vida na luta. Muitas tombaram, milhares foram condenadas e outras deportadas para Nova Caledônia (uma ilha francesa no Oceano Pacífico), à custa de terríveis sofrimentos. O engajamento total das mulheres mereceu a seguinte observação de Lenin, que resgatou um assombrado comentário sobre a brava e heroica participação feminina na Comuna:
“Um observador burguês da Comuna escrevia em maio de 1871 num jornal inglês: ‘Se a nação
francesa fosse constituída somente por mulheres, que terrível nação seria!’”.[19]
Mulheres da Comuna de Paris na barricada da Praça Blache
E muito antes dessa heroica luta das mulheres naqueles 72 dias, o socialista francês Charles Fourier (1772-1837), um destacado defensor da emancipação feminina, acentuava a profunda relação existente entre a mulher e o progresso social da humanidade. Na parte intitulada “Degradação das mulheres na civilização” de sua obra Teoria dos Quatro Movimentos…, lê-se:
“Em tese geral, o progresso social e as
mudanças de período acontecem em razão do
progresso das mulheres em direção à liberdade; e
as decadências da ordem social acontecem em razão
da diminuição da liberdade das mulheres (…). Em
resumo, a ampliação dos privilégios das mulheres é
o princípio geral de todos os progressos sociais”[20].
Ou, mais explicitamente ainda, Fourier assim se expressa:
“o grau de emancipação das mulheres em uma sociedade é
o termômetro geral através do qual se mede a emancipação
geral” (Charles FOURIER, 1808, p. 97)[21].
Que saibam os nascidos e os que nascerão: A Internacional é feminina assim como feminina é a humanidade, a luta, a vitória, a emancipação, a dignidade, a fraternidade, a paz, a democracia, a liberdade, a felicidade, a unidade, a harmonia, a solidariedade, a igualdade, a música, a Terra e a vida! Sem as necessárias, imprescindíveis e decisivas consciências, vozes e ações das mulheres não há vitória possível para a emancipação da humanidade!
Louise Michel, uma das mais destacadas mulheres
da Comuna, vestiu o uniforme dos communards
Mulheres e homens lutaram, sofreram e morreram. “O cadáver está enterrado e a ideia de pé”[22], recupera Lissagaray esta marcante sentença do escritor francês Victor Hugo, sempre equivocada e supostamente referenciada à Comuna. Embora expresse bem o significado universal e transhistórico de todos os combatentes de causas nobres abatidos em todos os tempos – e que cai como uma luva aos communards naqueles 72 dias -, na verdade, o autor de Os Miseráveis a escrevera em 1867 para deplorar a derrota de Garibaldi em Mentana (cidade próxima a Roma, Itália) pelas forças pontificais e francesas em 3 de novembro de 1867[23].
“O que fazemos na vida ecoa pela eternidade”, disse o general Maximus, numa das belas frases do filme O Gladiador[24]. Se, por um só momento, Pottier pensou que seu poema se perderia para sempre pelos secretos escaninhos da história, equivocou-se: ecoa pela eternidade. É, por conseguinte, a expressão da plenitude vital (Hegel) do realismo que reproduz em versos a realidade historicamente determinada e que toma partido em prol da humanidade. A Internacional, este hino contra a barbárie e a favor da civilização, expressa o realismo estético que consagra a universalidade de uma práxis libertária genuinamente humana na história contra a desumanidade da ordem social do capital e a busca suprema da felicidade humana.
Rejeita, assim, a restritiva unilateralidade individualista empobrecedora e conclama a mobilização multilateral dos povos, dos sujeitos coletivos históricos, isto é, conclama a humanidade a fazer a sua própria história, até então relegadas aos caprichos dos deuses, dos mitos, dos reis, dos senhores da ordem. Se, para Hegel, cada indivíduo é, singularmente, ele mesmo e, ao mesmo tempo, universalmente, a própria humanidade, A Internacional, em sua radical singularidade potencialmente expansiva, é a estética universal da letra e melodia que cantam, ensinam, lutam e encantam.
A Internacional é uma bússola estética que destrói o mundo desumano e sobre ela, sobre si própria, ergue um mundo humano. Até hoje a letra – expressão de um ser sócio-histórico concreto – tem ideias da maior importância para dizer aos desafios presentes e futuros. É a síntese poético-musical que denuncia e supera a escuridão profunda e aparentemente eterna, fixa, imutável do reino da necessidade; é a arte que põe abaixo às ilusões; que se rebela contra o “reino dos céus”, privilégio dos grandes senhores, e a afirma a casa comum humana: o reino social terrestre, real, objetivo, concreto, material – base sem a qual não se ergue o reino da liberdade – e conclama os povos a marcharem rumo à emancipação humana pondo fim ao tirano reino da necessidade e realizar materialmente a vivência humana no reino da liberdade, onde o sol brilhará para sempre, como proclamaram os communards!!
Crianças de até treze anos lutaram ao lado de homens e mulheres em defesa da Comuna da Paris
Expressão dos grandes espíritos que dão à luz o cântico supremo da humanidade que enfrenta o velho mundo, que informa e alimenta as pequenas e grandes consciências para as impelirem ao reino da liberdade, pondo fim à pré-história da humanidade, que se ergue contra o sombrio, funesto e embrutecedor misticismo-obscurantismo escravizador do espírito, que combate o criminoso necrochauvinismo, é justo reconhecer que A Internacional, embora sua letra seja histórica, em sua aspiração é transepocal[25], isto é, os fortes sentimentos e as sublimes aspirações de sua mensagem libertário[26]-humana não se limitam a nenhum período histórico específico – os Spartacus do passado, do presente e do futuro a cantariam.
“Estamos aqui pela humanidade!”, bradavam os communards. A derrota gerou os elementos do hino da conclamação à vitória. Da fria e silenciosa escuridão imposta pelos canhões nasceu o calor da luz e do harmonioso cântico de A Internacional, que depois iluminou a razão e aqueceu os corações para as ações práticas das futuras gerações que não travam uma luta sem esperança, mas conduzem a esperança que luta, anula, supera e transforma o estado atual de coisas!
As crianças não escaparam aos assassinatos feitos pela reação
Literária e musicalmente, A Internacional é uma obra de arte: uma unidade sensível entre a essência e a aparência, isto é, a interconexão dinâmico-social da luta por anular e superar o estado de coisas vigentes rumo à emancipação humana e a bela exteriorização poético-musical que conscientiza e nos faz sonhar; uma correlação entre o conteúdo e a forma, ou, se quiser, entre a singularidade sócio-histórica da estrutura e ordenamento dos dramáticos acontecimentos da Comuna e a plenitude da verdade real-histórica que aparece e se manifesta no exterior como arte do espírito potencialmente universal.
E, por fim, registre-se que ao longo do desenvolvimento histórico a forma literária e a ação estético-política desenvolvida posteriormente sofreram modificações, inclusive com as mudanças qualitativas da letra do poema verificadas em não poucas ocasiões e derivadas de múltiplas motivações políticas.
Vítimas da repressão contra a Comuna, Cemitério do Père-Lachaise, 1871
III
Versões e adoções
Nestes cento e cinquenta anos de A Internacional não há como, salvo melhor juízo, precisar exatamente o número de traduções feitas em diversos idiomas[27], línguas e dialetos falados por cerca de 8 bilhões de pessoas (dezembro/2020) dentre os 193 ou 206 países existentes – dependendo dos critérios utilizados ou de que instituição usar como fonte da informação. O levantamento dessas traduções merece uma pesquisa séria e indicará, com certeza, o grau de internacionalização de A Internacional.
Embora o número total de línguas vivas no mundo não possa também ser ainda conhecido com precisão (esta quantificação sofre mudanças à medida que avançam as pesquisas), a 24ª edição do Ethnologue (2021) lista um total de 7.139 línguas vivas em todo o mundo[28]. Diante dessa “Torre de Babel”, pode-se afirmar com segurança: A Internacional está traduzida para os mais falados idiomas dos cinco continentes do planeta – fazendo, aí também, jus a seu título.
E quais são os sujeitos que fizeram essas traduções e, diga-se, variadas versões? Partidos, sindicatos e movimentos políticos das mais variadas tendências – comunistas, socialistas, social-democratas, anarquistas e revolucionários em todo o mundo – que adotaram A Internacional como hino, que chegou até mesmo a ser o Hino da Segunda, Terceira e Quarta Internacional e o hino oficial até mesmo da União Soviética entre 1919[29] e 1944[30]. Chegou-se a contabilizar 105 versões nas mais diversas línguas[31].
Vale destacar que em muitas de dessas traduções/versões há adaptações nacionais ou terminológicas e até mutilações oportunistas da letra, objetivando “suavizar” o ímpeto revolucionário da chama poética original! Algo que, com certeza, Pottier jamais concordaria com as versões feitas para atender conveniências, ideologias, políticas e estranhas à letra original, sui generis por natureza. Ao final deste texto, o leitor encontrará a letra original e a versão brasileira.
É fato concreto que da letra original francesa – originada pela pena de Engène Pottier – sucederam inúmeras versões nacionais ou de agrupamentos políticos. Comum a todas elas, porém, está a inalterada famosa melodia – composta pelo marxista Pierre Degeyter.
As notas musicais mantiveram-se inalteradas ao longo do tempo. Variaram apenas as ondulações, ritmos, entonações etc. Destino igual não teve, portanto, a letra original, que é, vale repetir, reflexo do real impacto das balas, dos gritos, das dores, das lágrimas, dos gemidos, dos últimos suspiros, das derradeiras batidas do coração e do sangue quente escorrendo dos corpos fuzilados que regaram o solo francês e, porque não dizer, o da humanidade.
A reação burguesa: crianças, mulheres e homens foram fuzilados ou mortos
cruelmente diante dos olhares de aprovação dos “homens das altas classes”
Para quem incomodar-se, espantar-se ou mesmo horrorizar-se com trechos originais de A Internacional, basta voltar os olhos e deixar sua consciência processar a realidade expressa nos relatos das calúnias, infâmias, mentiras, covardias indescritíveis aqui dos massacres, selvagerias, barbáries, torturas, fuzilamentos e assassinatos da hiena reacionária que foram minuciosa e seriamente elencados, por exemplo, por Lissagaray, um jornalista socialista revolucionário francês, em sua História da Comuna de 1871, já referida aqui. Os olhos da história (não só os do XXI, mas os da eternidade) contemplam horrorizados aí os contrastes de duas dimensões: a das luzes, dos sublimes ideais da humanidade, expressos pela Comuna, e a das Trevas, dos mais ignóbeis privilégios da burguesia francesa em aliança com os prussianos – que a derrotou.
Mas a Prússia atrasada-burguesa vencedora sobre a França burguesa derrotada (e a Comuna foi o braço proletário revolucionário em defesa do povo da França, da humanidade e o alicerce de todos os humanos que aspiram e tem do direito mais humanos da Humanidade: a felicidade de todos os povos – colocou toda sua logística e arsenal humano-material, atendendo aos pedidos vergonhosos da burguesia francesa, a favor da repressão mais cruel aos federados revolucionários que, com sua medidas governamentais inéditas, corroíam os fundamentos do regime capitalista.
Execução dos Communards desarmados no cemitério Père-Lachaise, em 28 de maio de 1871
A felicidade da burguesia francesa diante da burguesia prussiana-alemã (vamos dar os nomes aos bois) foi ensanguentar o solo francês e da humanidade com o sangue do proletariado francês, que desejava apenas a felicidade do gênero humano. Essa mesma burguesia caluniosa francesa – com seus intelectuais bem remunerados – e global (todas as burguesias mundiais torciam pela derrota dos proletários),dos nobres ideais da Comuna aliançou-se com seus derrotados (mas seus aliados franceses contra o proletariado francês, da Alemanha e de todo o país que ele tenha alcançado um grau de desenvolvimento ameaçador à ordem dos “donos do mundo”) burgueses franceses porque a vitória da Comuna seria também a continuidade da jornada para pôr fim ao poder da minoria sobre a maioria também na Alemanha, em toda a Europa e, por conseguinte, em toda a humanidade.
O Muro dos Federados, onde 147 defensores da Comuna de Paris foram assassinados em 1871 e
seus corpos jogados, pelo exército da reação, sem identificação numa vala ao pé do muro
Ao turbilhão revolucionário correspondeu um tsunami contrarrevolucionário unindo as classes dominantes francesas e prussianas contra o proletariado francês e seus aliados internacionalistas. Tal aliança franco-prussiana mostra a hipocrisia da burguesia francesa que atacava sem piedade a Comuna de Paris, acusando-a e caluniando-a em todos os quadrantes, inclusive por contar com “estrangeiros” em suas fileiras. Essa mesma burguesia francesa não vacilou um só instante sequer de poder contar com os prussianos com os quais guerreavam antes de surpreender-se com o “assalto aos céus” pelo feito heroico do proletariado francês.
Pode-se debater a justeza ou não das versões, mas talvez o modo mais correto de tratamento seja dar à letra original o mesmo dispensado por Engels, por exemplo, ao Manifesto Comunista, e exposto no Prefácio escrito por ele mesmo em Londres, e datado de 24 de junho de 1872[32]:
“Embora as condições muito se tenham alterado nos últimos vinte e cinco anos, os princípios gerais desenvolvidos neste Manifesto conservam ainda hoje, no seu todo, a sua plena correção. Alguns pontos deveriam ser retocados (…). Entretanto, o Manifesto é um documento histórico, e talvez não nos arrogamos o direito de lhe introduzir alterações (…)”.[33]
A Internacional não é só a trincheira estética a imortalizar a resistência da Comuna de Paris; não é só a encantadora resposta à bárbarie reacionária vocalizada nas bocas-de-fogo mortíferas dos fuzis, canhões e metralhadoras da minoria privilegiada, reacionária e desumana que estraçalhavam e devoraram corpos e silenciavam – mas nunca calaram – os embriões dos espíritos de um novo mundo futuro.
Não!
Ali, ao término da Comuna, marcavam-se na história não só a real experiência prática dos sonhos dos communards e a esperança de uma terra sem amos, sem deuses, sem privilegiados, sem exploradores, sem opressores, sem obscurantistas, sem inimigos da ciência, como produziram a matéria-prima que gerou um deslumbrante efeito de luz do mais potente, imponente e inabalável caráter: A Internacional, expressividade estético-politica dos que humanamente lutam, sonham e transformam; a melodia social dos povos; a fonte musical a embalar o sonho para o desenvolvimento de uma futura Comuna Global, uma República Global – uma sociedade humana, feita por humanos, composta por humanos, trabalhada por humanos em benefício dos humanos e de todo ser orgânico vivente neste planeta.
Sua execução por um simples assobio, uma flauta, uma gaita, uma caixinha de música, um violão, um violino, um piano, enfim, pelos mais diversos instrumentos e pelas mais diversas orquestras, pelos mais diversos conjuntos musicais ou mesmo solos – nos mais diversos idiomas e em qualquer lugar deste planeta – é um espetáculo provocante de sensações que, de um lado, encanta aos que tudo querem revolucionar e, de outro, aterroriza os espíritos reacionários que querem manter tudo como está para continuarem a gozarem seus prazeres egoísticos em detrimento da felicidade humana.
Contra o criminoso necrochauvinismo e oponentes ao sombrio, funesto e embrutecedor misticismo-obscurantismo escravizador do espírito humano, os autores da letra e da melodia colocaram em cada verso poético e em cada nota musical todo o seu coração em brasa, toda a sua inteligência criativa seja para eternizar a verdade histórica da selvagem reação que culminou com o esmagamento brutal (que ficou conhecida como a “Semana Sangrenta”) àqueles 72 dias de democrática organização da vida social ancorados na associação e cooperação de seres humanos livres bem como esperançar as futuras gerações a levantar e triunfar a bandeira da paz, da democracia, da liberdade, da cooperação, do humanismo e da felicidade de todos os povos do mundo.
Do mesmo modo que Prometeu, desejando favorecer os humanos, roubara o fogo dos poderosíssimos deuses do Olimpo, Degeyter “rouba” o monopólio criativo da música de Apolo e o dos instrumentos musicais de Atenas e Hermes – divindades essas que, no panteão mitológico grego, eram os deuses regentes das artes; e Pottier, captando o espírito da história e externalizando a inflamada imaginação crítico-criativa, lega os versos que mostram como a humanidade revolucionou-se, levantou seus joelhos, pôs-se de pé, abriu os olhos, olhou o horizonte, caminhou rumo ao futuro, e, tremulando suas bandeiras, enfrentou a velha ordem e pôs-se a construir o novo mundo e, ao fazê-lo, lançou luz e revelou o enigma que presidia a consciência social, libertando-a dos deuses, mitos, clérigos e reis e do fetichismo desumanizante do capital e ao relevar tal enigma mostrou objetiva, concreta, material e socialmente que a história humana é feita pelos humanos e por ninguém mais!!!
Ao negar a cínica indiferença, ao alimentar a consciência crítica frente ao estado de coisas da bárbara e sublime modernidade, A Internacional não é um hino abstrato-surrealista que evoca um futuro desconhecido, mas tão somente põe a nu aquela necessidade histórico-revolucionária na qual o ser humano reconhece-se no outro numa República Universal, numa sociedade sem classes que supere o antagonismo entre o gênero humano e a natureza, entre liberdade e necessidade e entre indivíduo e a humanidade. A Internacional não é assim uma fantasia transfiguradora da realidade, mas a própria realidade, em sua tragédia e esperança, transfigurada num poema-cântico que viverá por séculos e nutrirá embates futuros.
A Internacional conduzida pelo aclamado e lendário maestro italiano Arturo Toscanini (1867 – 1957)
Embora existam diversos trabalhos[34] sobre os seus autores e as condições nas quais eles compuseram a letra e a melodia, é difícil expor com extrema exatidão a ordem na qual A Internacional foi pouco a pouco sendo traduzida, executada e adotada como hino oficial de partidos e organizações diversas em vários países. Ainda não há uma bibliografia sobre a história da trajetória histórico-universalizante em cada país e por cada uma das organizações e tendências políticas que a adotaram como Hino.
Seria um grande contributo a realização de uma séria pesquisa histórica sobre a universalização desta letra e melodia que lutam e encantam. Portanto, mesmo sabendo que a datação a seguir é ainda apenas um roteiro mínimo que poderá contribuir aos que desejarem realizar tal investigação e como assinalado no início deste texto, sabe-se que sua primeira interpretação pública deu-se no dia 23 de julho de 1888, na taberna La Liberté, na Rue de la Vignette em Lille, no popular bairro de Saint-Sauveur, onde se realizava uma festa socialista . Em 1892 a Segunda Internacional (1889-1916) a adota como Hino, e neste mesmo ano os anarquistas publicam sua versão e A Internacional o jornal L’Agitateur.
É fundamentalmente a partir de 1896, após a realização do 14º Congresso do Partido Operário Francês (POF), realizado de 19 a 23 de julho em Lille e durante o qual foi tocado e cantado, que o hino se espalhou por toda a França e pela Europa através dos delegados estrangeiros presentes. Neste congresso foi adotada A Internacional como Hino oficial dos revolucionários.
Em 8 de dezembro de 1899 todas as organizações socialistas francesas ao finalizar o Primeiro Congresso Geral das Organizações Socialistas em Paris, foram na mesma linha. Em 8 de dezembro de 1899 foi cantada no fechamento do Congresso Operário Unitário em Paris. Em setembro de 1900, durante o 5º Congresso da Internacional Socialista, A Internacional foi entoada por todos os delegados presentes.
A versão russa foi inicialmente traduzida por Arkady Kots em 1902 e impressa em Londres na Zhizn, uma revista de emigrantes russos[35]. Em 1904, cantaram-na no congresso de Amsterdã da Segunda Internacional. Em 1905, ela foi entoada no “congresso da unidade” das diversas tendências operárias francesas, e tornou-se o hino oficial da Seção Francesa da Internacional Operária[36], organização esta criada após o Congresso Socialista Internacional de Amsterdam de 1904.
Já em 1º de Maio de 1906, A Internacional era cantada numa manifestação em São Paulo, Brasil, atitude que se repetiu no 1º de Maio de 1907, quando começou uma greve, que durou quase um mês, pelas 8 horas e por aumento de salário. Em 3 de dezembro de 1910 se converteu no hino de todos os trabalhadores do mundo, no Congresso Socialista Internacional de Copenhague – neste momento, foi tocada e cantada por uma orquestra e um coral de 500 pessoas[37].
A Internacional entoada em plena Revolução Russa de 1917, em cena do filme Reds (1981)
Em 1919, Lenin a oficializou na Terceira Internacional e converteu-a no hino da jovem república soviética, hino que vigorou até 1944[38]. Ainda em 1919, foi cantada por Spartakistas na Alemanha, durante a efémera República dos Conselhos na Hungria.
No dia 25 de março de 1922, em Niterói, Rio de Janeiro, os nove delegados participantes do congresso de fundação do Partido Comunista Brasileiro (PCB) cantaram A Internacional – momento este espelhado no belo poema de Ferreira Gullar[39]. Em 15 de junho de 1923 foi traduzido pela primeira vez ao mandarim por Qu Qiubai, membro do Partido Comunista da China no final dos anos 1920[40].
Entre 17 de julho e 1º de setembro de 1928, realizou-se em Moscou o VI Congresso da Internacional Comunista. Segundo Maurice Thorez, na solene sessão de abertura deste Congresso, o próprio Pierre Degeyter dirigiu pessoalmente, com lágrimas nos olhos, o coral que interpretou a canção, entoada por todos os congressistas[41]. Foi cantada pelas Brigadas Internacionais antifascistas que chegaram à Espanha entre 1936 e 1938 para combater o regime ditatorial de Franco[42].
Lançada ao espaço em 31 de março de 1966, a sonda soviética Luna 10, o primeiro satélite artificial da Lua, transmitiu ao vivo, na noite de 3 de abril daquele mesmo ano, algumas notas de A Internacional ao congressistas presentes ao XXIII Congresso do Partido Comunista da União Soviética. Em maio de 1968, ela foi cantada regularmente pelos estudantes durante as manifestações daquele histórico ano[43].
Enfim, é preciso uma pesquisa cronológica sobre como se processou a universalização desta canção ao longo da história. Independente desta pesquisa, narrou-se aqui, de forma muito embrionária e precária, alguns momentos que concretizaram e consagraram A Internacional como o Hino Internacional dos Trabalhadores de todos os povos do mundo.
IV
Eugène Pottier
Raríssimas vezes as tempestades histórico-trágicas fazem brotar do solo social personalidades singulares, valorosas, talentosas e marcantes como as de Eugène Edine Pottier (Paris, 4 de outubro de 1816 – Paris, 6 de novembro de 1887), nome inapagável nas heroicas páginas escritas pelas inúmeras lutas e aspirações humano-libertárias do movimento operário francês e europeu do século XIX – cujos ecos navegam e navegarão no infinito espaço e no eterno tempo. Como visto, o poeta-proletário é o autor da letra de A Internacional – o hino mundial do proletariado.
Eugène Pottier (1816-1887): o poeta de A Internacional
Pottier nasceu numa família pobre, viveu pobre, trabalhou muito, sofreu demasiadamente, foi acometido por doenças profissionais, sonhou, lutou e retratou a vida de sofrimento dos escravos modernos cansados de sofrimentos, injustiças e torturas sociais. Morreu na miséria – com a valorosa dignidade enaltecida, a elevada e sofisticada riqueza intelectual reconhecida e com o merecido respeito dos trabalhadores das mais diferenciadas tendências políticas que, de um modo ou de outro, lutam pela superação da ordem social que enclausura a humanidade ao reino da necessidade, da desigualdade, da miséria, da fome, do desamparo, da dor, da tristeza, da exclusão, da ignorância, do preconceito e das guerras.
Filho de um artesão, começou a trabalhar bem cedo e frequentou a escola primária até aos doze anos, idade em que seu pai o levou de volta a trabalhar como aprendiz em sua oficina. Poeta desde criança (seu primeiro poema “Vive la Liberté” é de 1830), o operário Pottier dedicou toda sua existência à luta dos trabalhadores e espelhou em versos a situação social do povo, as lutas de classes de sua época, as bandeiras libertárias não só de sua geração, mas de toda uma classe social que se agigantava no cenário econômico e político.
Sua origem de classe, seu estado de classe e sua perspectiva de classe eram proletárias e forjaram-no como revolucionário e levaram-no às barricadas operárias contra os senhores da ordem, em 1848, durante o qual o proletariado francês já apresentava e lutava por suas próprias reivindicações contra o capital. 1848 (aliás, ano de nascimento de Pierre Degeyter) foi marcado por revoluções operário-populares na França, Confederação Alemã, Estados Italianos, Império Austríaco, Hungria e até mesmo em Pernambuco (Brasil), às quais significaram não só a revolta dos povos frente à crise econômico-social como a luta direta contra a aliança entre a burguesia triunfante e a aristocracia europeia decadente que temiam e combatiam ao crescente e cada vez mais influente e ameaçador ator político na cena mundial: o proletariado.
Eugène Pottier: o poeta imortal de vários cantos revolucionários
Em 1867, fundou a Câmara Sindical dos Desenhistas e em 1870 filiou-se à Associação Internacional dos Trabalhadores, também conhecida como a Primeira Internacional ou simplesmente Internacional – fundada em 28 setembro de 1864, no St. Martin’s Hall, Long Acre, Londres -, que reunia trabalhadores da Europa e também dos Estados Unidos e abrigava em suas fileiras comunistas, marxistas, anarquistas, sindicalistas, reformistas, blanquistas, owenistas, lassalianos, republicanos e democratas radicais e cooperativistas.
Em abril de 1871, fundou juntamente com o pintor Gustave Courbet a Federação de Artistas de Paris, cujo avançado Manifesto de Fundação[44] foi lido por Pottier no anfiteatro da Escola de Medicina da Sorbonne, que terminava com a seguinte frase: “O comitê vai contribuir para a nossa regeneração, a inauguração do luxo comunal e os esplendores do futuro, e para a República Universal”[45].
Teve destacado papel dirigente na Comuna de Paris (foi membro no Conselho Comunal, representando o 2º Distrito e integrou a Comissão de Serviços Públicos), cuja sangrenta derrota em 28 de maio de 1871 o levou a entrar na mais profunda clandestinidade para escapar de todas as tentativas da reação em assassiná-lo. Ele escapou da repressão-perseguição dentro do território francês e, num sótão de Paris, teria composto o poema de A Internacional[46], antes mesmo de partir para o exílio.
Dirigiu-se primeiro para Bélgica, depois Inglaterra e, por fim, para os Estados Unidos, onde ganhou a vida como um designer industrial e professor enquanto continuava a escrever e juntou-se ao partido socialista americano fundado em 1876. Voltou à França em 1880, após a anistia[47]. Em seu regresso, mesmo com a saúde agravada e tendo a miséria como companhia inseparável, colaborou Paul Lafargue (1842-1911, genro de Marx) no jornal “O Socialista” e na criação do Partido Operário Francês.
Em 1883, ganhou o primeiro prêmio em um concurso organizado pela Lice chansonnière, um dos mais famosos Goguetes parisienses. Este prêmio encorajou Gustave Nadaud a publicar suas canções, o que ocorreu em 1884.
Tumba de Eugène Pottier: 15.000 pessoas acompanharam seu funeral
Em 6 de novembro de 1887, o colosso poeta revolucionário morreu no Hospital Lariboisière, perto de sua pobre casa no distrito de Goutte d’Or. Até seu funeral realizado em 8 de novembro de 1887 provocou o ódio e a repressão das classes dominantes, que mobilizaram a polícia para reprimir as cerca de quinze mil pessoas[48] que, ostentando e tremulando as bandeiras vermelhas, carregavam o corpo do poeta imortal, cujos restos mortais destinavam-se ao repouso eterno no histórico Muro dos Confederados do Cemitério Père-Lachaise, onde estão enterrados os restos mortais das heroínas e dos heróis da Comuna de Paris.
Aos gritos de “Viva Pottier!” e “Viva a Comuna!”, as massas populares conscientes revidaram a agressão (alguns foram presos) e, corajosa e dignamente, renderam a justa homenagem ao communard criador da letra, que embalará, após receber o manto melódico de Degeyter, o canto internacionalista dos oprimidos, dos explorados, dos pobres, dos miseráveis, enfim, do proletariado mundial em sua luta pela felicidade humana universal.
Tumba de Eugène Pottier
V
Pierre Degeyter
O imortal compositor da melodia da Internacional e filho de uma família operária francesa, Pierre Degeyter nasceu em Gand, Bélgica, em 8 de outubro de 1848 – o ano revolucionário da “Primavera dos Povos” que, como vimos, abalou e mudou a Europa.
O modesto e genial operário revolucionário – que sofreu inomináveis privações – contra a ordem opressora que com fina sensibilidade musicou, como que ouvindo os reclamos do proletariado em busca da liberdade, em 18 de Junho de 1888 o poema de Eugène Pottier, começou desde criança a conhecer a exploração da força de trabalho, a pobreza e a injustiça social. Aos sete anos trabalhou como tintureiro numa fábrica têxtil, juntamente com seu pai Adrien, e estudava à noite numa escola para trabalhadores – onde dominava a leitura a escrita.
Depois de governar as letras, conheceu as notas musicais quando, aos 16 anos, estudou desenho na Academia de Lille, que o possibilitou arrumar um emprego como entalhador de madeira e deslumbrar-se com a música à noite, no Conservatório de Música de Rjsel.
Em 1886 juntou-se à La Lyre des Travailleurs, um coral do Partido Operário Francês (POF), fundada pelo líder socialista de Lille, Gustave Delory, onde participa musicando letras às greves e campanhas eleitorais.
O autor do hino universal dos trabalhadores foi, em 1870, enviado pelo exército francês ao front da guerra franco-prussiana, como músico militar[49].
Em julho de 1888, foi contratado por Gustave Delory para musicar o poema de Engène Pottier da coleção de poemas intitulada Canções Revolucionárias. Delory confiou-lhe um ritmo vivo e combativo, que poderia ser usado nas manifestações e atos do partido. O resultado deste pedido, sabemos todos: o conhecido hino A Internacional.
O sucesso de A Internacional despertou o ódio do capital, que condenou Degeyter a ser demitido e ver seu nome nas “listas negras” das empresas. Vale assinalar que ele solicitara que na identificação do nome do compositor da música que fosse destacado apenas o seu sobrenome, omitindo, portanto, Pierre, justamente para evitar retaliações, que ocorreram e foram traumáticas para ele e sua família.
Partitura sem o “Pierre” antes do Degeyter
Portanto, por mais que ele tenha insistido (e foi atendido) para que apenas seu sobrenome aparecesse ao lado de Eugène Pottier, esse cuidado mostrou-se inútil, pois o autor da melodia do hino foi identificado pelos serviços de espionagem do capital e todas as retaliações vieram impiedosamente sobre este operário universal. Diante de todas as portas fechadas para ganhar a vida, foi obrigado a fazer “bicos”, até mesmo como carpinteiro de caixões funerários.
Pierre Degeyter na entrada de sua casa em Saint-Denis
Em 1902, quando A Internacional já havia sido traduzida e cantada em cinco ou seis idiomas diferentes, Degeyter, reduzido à pobreza, deixou Lille e se estabeleceu no subúrbio da classe trabalhadora de Saint-Denis, perto de Paris.
Vale assinalar que ele não havia registrado sua música para receber direitos autorais. São milhares de partituras que aparecem à época como o autor da melodia apenas com “Degeyter”, sem o “Pierre”. À medida que a canção começou a se tornar mais difundida, popular e politicamente impactante, seu irmão Adolphe Degeyter, em 1901, reivindicou os direitos e começou a recolhê-los. E isso teve uma origem odiosa, que explicaremos, resumidamente, que provocou uma tragédia familiar com inevitáveis desdobramentos políticos.
Em 1904, Pierre Degeyter processou seu irmão Adolphe e abriu-se um longo e tortuoso processo político-judicial que só chegou ao fim em 23 de novembro de 1922, quando o Tribunal de Sena decidiu, enfim, a favor do verdadeiro autor desse colossal monumento musical expressivo da fina sensibilidade humana formadora da arte e da consciência social.
Até efetivar esse tardio reconhecimento jurídico, aconteceu algo trágico. Em 12 de fevereiro de 1916, Adolphe Degeyter enforcou-se, deixando uma carta para seu irmão, na qual confessava a fraude, afirmando que tinha sido levado a cometê-la por pressão de Gustave Delory, que guardava rancor contra Pierre Degeyter, que havia se vinculado à corrente marxista dentro do Partido Operário Francês.
Alguns anos antes da morte de Degeyter, um funcionário da Embaixada Soviética em Paris descobriu que o compositor da Internacional ainda estava vivo (naquele momento, ela já era o hino nacional da União Soviética). Em 1927, quando o compositor tinha 79 anos, Josef Stalin (1872-1953) o convidou para a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) na celebração do 10º Aniversário da Revolução de Outubro. Quando genial operário-compositor viu e ouviu o Exército Vermelho marchar na Praça Vermelha, e em frente ao Mausoléu de Lenin, ao som da Internacional, não conteve as lágrimas, que voltariam a cair, como já registramos, quando ele mesmo a executou na sessão solene de abertura do VI Congresso da Internacional Comunista, em 1928. Neste ano, ele também fora convidado pelo Kremlin para comemorar o quadragésimo aniversário de A International – na verdade, os 40 anos da melodia composta por ele e que vivificou musicalmente o poema composto em 1871 por Pottier.
Pierre Degeyter (à direita) e Pierre Fourcade (à esquerda), membro da Comuna de Paris
de 1871, são recebidos com grande pompa em Moscou, em 1928, no VI Congresso da Internacional Comunista
Em 20 de agosto de 1928, o Conselho de Comissários do Povo da URSS concedeu ao genial compositor proletário uma pensão vitalícia, que se tornou a principal fonte de renda nos seus últimos anos de vida. A União Soviética lhe pagou uma pensão em vez de royalties, quando A Internacional tornou-se o hino do país da Revolução de Outubro entre 1919 a 1944.
Funeral de Pierre Degeyter, o compositor da música da “Internacional”, em frente
à Catedral de Saint-Denis, França, em setembro de 1932.
(Foto de KEYSTONE-FRANCE/Gamma-Rapho via Getty Images)
O colossal Pierre Degeyter faleceu em 26 de setembro de 1932. Uma multidão de 50.000 pessoas veio a Saint-Denis para participar de seu funeral. Mais uma vez, como forte emoção, A Internacional foi cantada diante do autor, que agora repousa.
VI
Beleza que luta, encanta e transforma
Hegel disse que o belo artístico é superior ao belo natural, por ser um produto do espírito[50]. O único ser da natureza capaz de produzir a beleza artística é o ser humano e A Internacional – aqui já unidas letra e melodia – expressa uma beleza que extrapola o valor artístico e eleva-se a uma função social que opera a objetivação no mundo real-material-concreto da subjetividade humana que ultrapassou a fronteira que a aprisionava à órbita opressora-escravizadora e a possibilitou expressar-se como consciência libertário-revolucionária.
A beleza artística concentrada em A Internacional é o portal de expressão objetiva da subjetividade crítico-criativa e revolucionária que possibilita, não sem a repressão do velho mundo, que o gênero humano ao enfrentar-se com a velha ordem, confronte-se consigo mesmo e tome consciência de si próprio. “Reproduzindo a própria vida nas obras de arte os homens se educam para sua vida social e se adaptam a ela.”[51]. A Internacional sacode a cínica indiferença e alimenta o espírito crítico. É uma forma de expressão da consciência crítica do estado de coisas da bárbara e sublime modernidade.
Os geniais Pottier e Degeyter ergueram uma obra que se digladiando com os pesadelos de sua época histórica, tornou-se eterna, seja por nutrir a estética da luta de um passado torturante seja por tornar-se – aos olhos do futuro – uma luta estético-moral contra o passado de exploração.
A Internacional expressa em suas letras, seus versos, suas estrofes e notas musicais um estado microscópico a imensidão do universo social existente e desejado, tal como uma gota de água marinha expressa a vastidão oceânica.
As bárbaras classes dominantes franco-prussianas, com seus canhões, baionetas e metralhadoras, com sua sangrenta represália estatal contra operários e seus familiares, acreditaram ter imposto um silêncio singular à Comuna. Tolice! Deram a letra para o coral universal da humanidade.
A Internacional é o cântico que derruba as muralhas da ignorância que aprisiona o gênero humano ao reino da necessidade, e, ao mesmo tempo, o conclama à luta objetiva, concreta, para construir o reino da liberdade.
Quando inexistirem as bases materiais que geraram os levantes populares ao longo da pré-história humana, A Internacional será lembrada mesmo assim, como um retrato fiel de como mulheres e homens lutaram e ainda lutam para construir o novo mundo, onde viverão as futuras gerações.
Uma esperança. Esperança de que os que se mantém no campo da luta mantenham o compromisso com a sabedoria e com a maioria dos que sofrem com a atual ordem social e mantenham também viva a aspiração de um futuro melhor ao gênero humano, um futuro em que “garanta a cada ser vivente neste planeta uma existência verdadeiramente humana que, fruto do trabalho – este intercâmbio eterno e necessário entre o ser humano e a natureza) proporcione: comida, água, teto, saúde, educação, arte, cultura, ciência, paz, democracia, progresso”[52] – de modo a que “o sorriso sobrepuje as lágrimas; a fraternidade destrua o egoísmo; o prazer reine sobre a dor; a paz vença a guerra; a abundância relegue a escassez aos livros da pré-história da humanidade; a liberdade aniquile a necessidade; a ciência impere sobre o obscurantismo e o ser humano, enfim, possa ver no outro não um inimigo, mas um amigo leal, fraterno e solidário”[53] em harmonia com a natureza e com o nosso futuro no universo.
Por fim, um carinhoso agradecimento muito especial a esses dois humildes, modestos seres humanos, geniais operários revolucionários e gigantescos artistas, que lutaram toda a vida pela vitória e conquista de uma humanidade emancipada, justa, desenvolvida, fraterna, pacífica e livre.
Viva Eugènne Pottier!
Viva Pierre Degeyter!
Viva A Internacional!
NOTAS
[1] A Comuna de Paris foi historicamente o primeiro governo do proletariado em toda a história. Foi instaurado após um levante popular feito em 18 de março de 1871 e logo ganhou ampla simpatia popular entre os oprimidos de toda França e dos demais países europeus. A maioria dos membros eleitos do governo da Comuna era formada por operários e artesãos que, pela primeira vez, chegavam à administração do Estado. Esse novo governo proletário introduziu várias medidas democráticas, humanistas, revolucionárias e com ampla participação das massas populares. Para dirigir as políticas públicas foram criadas comissões eleitas que substituíram os antigos ministérios. Seus trabalhos eram coordenados pela Comissão Executiva, que posteriormente incluiu os presidentes de todas as comissões eleitas. A distinção entre o poder legislativo e o poder executivo foi abolida. Em 1º de Maio, a Comissão Executiva foi substituída pelo Comitê de Salvação Pública, órgão superior da Comuna de Paris, que “introduziu reformas sociais e políticas radicais: 1. O trabalho noturno foi extinto; 2. Oficinas que estavam fechadas foram reabertas para que cooperativas fossem instaladas; 3. Residências vazias foram desapropriadas e reocupadas; 4. Em cada residência oficial foi instalado um comitê para organizar a ocupação de moradias; 5. Todos os descontos nos salários foram abolidos; 6. A jornada de trabalho foi reduzida, e chegou-se a propor a jornada de oito horas; 7. Os sindicatos foram legalizados; 8. Instituiu-se a igualdade entre os sexos; 9. Projetou-se a gestão operária das fábricas (sem, no entanto, implantá-la por completo); 10. O monopólio da lei pelos advogados, o juramento judicial e os honorários foram abolidos; 11. Testamentos, adoções e a contratação de advogados se tornaram gratuitos; 12. O casamento se tornou gratuito e simplificado; 13. A pena de morte foi abolida; 14. O cargo de juiz se tornou eletivo; 15. O calendário revolucionário de 1793 foi novamente adotado; 16. O Estado e a Igreja foram separados; a Igreja deixou de ser subvencionada pelo Estado; os espólios sem herdeiros passaram a ser confiscados pelo Estado; 17. A educação se tornou gratuita, secular e compulsória. Escolas noturnas foram criadas e todas as escolas passaram a ser de sexo misto; 18. Imagens santas foram derretidas e sociedades de discussão foram criadas nas igrejas; 19. A Igreja de Brea, erguida em memória dos homens envolvidos na repressão da Revolução de 1848 foi demolida, o confessionário de Luís XVI e a coluna Vendôme também; a bandeira vermelha foi adotada como símbolo da “unidade federal da humanidade”. Ver: Coggiola, Osvaldo.
150 anos da Comuna de Paris. 15/03/2021. Disponível em: https://aterraeredonda.com.br/150-anos-da-comuna-de-paris/ . Embora essas medidas ostentassem um caráter socialista, sua real e duradoura efetivação foi freada por ainda faltarem as condições econômico-sociais necessárias para a revolução socialista, pela imaturidade da classe operária, por ainda faltar à Comuna de Paris um programa claro dessas transformações, pelas profundas divergências em seu interior e por não ter tido o tempo suficiente para armar-se e defender-se. Já em 2 de abril a reação das forças do velho mundo, representados pelos versalheses, começaram as duras e cruéis ações militares contra os homens, mulheres, crianças e idosos da Comuna da Paris. Às 13 horas do dia 28 de maio caía, na rua Oberkampf, a última barricada dos heroicos defensores da Comuna, que resistiam firmemente aos ataques da reação burguesa. Ao analisar profundamente o significado essencial-histórico-universal da Comuna de Paris e destacar a heroica luta dos federados, Lenin observou: “Para que uma revolução social triunfe são necessárias, pelo menos, duas condições: um alto desenvolvimento das forças produtivas e um proletariado preparado para ela. Contudo, em 1871, não se deu nenhuma dessas condições. O capitalismo francês encontrava-se ainda pouco desenvolvido, a França era, então, fundamentalmente um país de pequena burguesia (artesãos, camponeses, lojistas, etc.). Por outra parte, não existia um partido operário, a classe operária não tinha preparação nem havia passado por um largo treinamento e, em sua massa, sequer havia noção totalmente clara de quais eram seus objetivos nem como se poderia alcançá-los. Não havia uma organização política séria do proletariado nem grandes sindicatos e cooperativas… Entretanto, o que faltou principalmente à Comuna foi tempo, desafogo para perceber bem como iam as coisas e empreender a realização de seu programa. Apenas ela pôs mão à obra, o governo, entrincheirado em Versalhes e apoiado por toda a burguesia, desencadeou as hostilidades contra Paris. A Comuna teve de pensar, antes de tudo, em sua própria defesa. E até o final mesmo, que ocorreu na semana de 21 a 28 de maio, não houve tempo para pensar seriamente em outra coisa”. Lenin. V.I. “A la memória de la Comuna”. Obras Completas. Tomo 20. Moscu: Editorial Progreso, 1983. pp. 231-232. Os 72 dias de existência da Comuna de Paris marcaram profundamente o movimento operário e libertário mundial e Marx, no calor dos acontecimentos, escreve o Terceiro Manifesto para a Associação Internacional dos Trabalhadores e dá o significado histórico desse “assalto aos céus” feito pelo proletariado: “Paris dos operários, com sua Comuna, será eternamente exaltada como o porta-bandeira glorioso de uma nova sociedade. Seus mártires têm seu santuário no grande coração da classe operária. Quanto a seus exterminadores, a história já os cravou para sempre num pelourinho, do qual todas as preces de seus clérigos não conseguirão redimi-los. Londres, 30 de maio de 1871.”. Ver: “Manifesto do Conselho Geral da Associação Internacional dos Trabalhadores sobre a guerra civil na França em 1871”. In: Marx, Karl & Engels, Friedrich. Obras Escolhidas. Vol. 2. Editora Alfa-Omega. São Paulo. s/d. p. 100.
[2] Aveling, Eleanor Marx. “Introdução” à primeira edição inglesa, em 1886. In: Lissagaray, Hippolyte Prosper-Olivier. A história da Comuna de 1871. Coleção Assim Lutam os Povos. Editora Expressão Popular, Feira UFPR 2021. s/p. Disponível em: https://teoriadoespacourbano.files.wordpress.com/2013/04/lissagaray-a-comuna-de-pais-1877.pdf
[3] “Por burguesia entende-se a classe dos capitalistas modernos, proprietários dos meios de produção social e empregadores de trabalho assalariado. Por proletariado, a classe dos trabalhadores assalariados modernos, os quais não tendo meios próprios de produção, estão reduzidos a vender a sua força de trabalho para poderem viver. (Nota de Engels à edição inglesa de 1888)”. Ver: Marx, Karl & Engels, Friedrich. Manifesto do Partido Comunista. São Paulo: Edições Novos Rumos, 1986. p. 81.
[4] Bourgin, George & Gabriel Henriot, 1945, Procès-Verbaux de la Commune de 1871 . Volume 2, (Paris). p. 202. Nota bibliográfica citada por: Gluckstein, Donny. “Decyphering The Internationale: the Eugène Pottier code”. Disponível em: https://www.marxists.org/history/etol/writers/gluckstein/2008/xx/internationale.html
[5] Lenin, V.I. “Eugenio Pottier en 25 Aniversario de su Muerte”. Obras Completas. Vol. 22. Moscú: Editorial Progreso, 1984. p. 287. Publicado pela primeira vez no Pravda, número 2, em 3 de janeiro de 1913.
[6] Na versão em português..
[7] Eugène Edine Pottier (Paris, 4 de outubro de 1816 – Paris, 6 de novembro de 1887).
[8] Ver: Canzone contro la guerra: “La preistoria dell’Internazionale”, s/a. Disponível em: https://www.antiwarsongs.org/canzone.php?id=2003&lang=it
[9] Hobsbawm, Eric J., A Era das Revoluções: Europa 1789-1848. Tradução de Maria Tereza Lopes Teixeira e Marcos Penchel. Rio de janeiro: Paz e Terra, 8ª edição, 1991. 366 p.
[10] No dia 25 de abril de 1792, o oficial Claude Joseph Rouget de Lisle (1760-1836), um soldado, engenheiro e violinista amador de 31 anos e pertencente à divisão de Strasbourg, compôs uma canção revolucionária com o nome inicial de “Chant de guerre pour l’armée du Rhin” (Canto de Guerra para o Exército do Reno), que, posteriormente, receberia o nome de A Marselhesa. Esta beleza artístico-político tem como fonte a iminência da invasão austríaca à França para reprimir a Revolução e restaurar o rei Luís 16 ao poder. Diante dessa ameaça, o prefeito de Estrasburgo, o Barão Philippe-Frédéric de Dietrich (1748-1793), desesperado por algo que inspirasse a cidade a resistir, pediu a Rouget de Lisle para compor uma canção. Meio embriagado, o soldado voltou a seus aposentos e, em poucas horas, escreveu A Marselhesa. Só em 13 de fevereiro de 1879, ela é aprovada como o hino oficial da França.
[11] Ross, Kristin. Luxo Comunal: O imaginário político da Comuna de Paris. Traduzido por Gustavo Racy. – São Paulo – SP: Autonomia Literária, 2021. p. 75
[12] Trata-se de Prosper-Olivier Lissagaray (1838-1901), autor de História da Comuna de Paris. Tradução: Sieni Maria Campos. São Paulo: Editora Ensaio, 1991.401 p.
[13] Attali, Jacques. Karl Marx ou o espírito do mundo. Tradução de Clóvis Marques; revisão técnica de Marcelo Backes. – Rio de Janeiro: Record, 2007. p 286
[14] Lenin, V.I. “Em memória da Comuna”. Primeira Edição: Revista Rabochaya Gazeta, No. 4–5, April 15 (28), 1911. Fonte da Presente Tradução: “A la memória de la Comuna”, em Obras Escogidas, tomo III (3a edição. Moscou: Progreso, 1985), pp. 423-428. Tradução de: Pedro Castro. Transcrição de: Alexandre Linares. Disponível em https://www.marxists.org/portugues/lenin/1911/04/28.htm
[15] Coggiola, Osvaldo. ”130 Anos da Comuna de Paris: a Comuna de Paris na história”. p. 102. Disponivel em https://www.ufsj.edu.br/paginas/temposgeraisantigo/n4/artigos/comuna.pdf
[16] “Afloraram os mais covardes instintos, e Paris descobriu os lodaçais de ignomínia (…). Os homens de bem, senhores da situação, mandavam prender como comunardos seus rivais e credores, formavam comitês de depuração em seus distritos. A Comuna repelira as delações; a polícia da ordem recebeu-as indiscriminadamente. Elevaram-se à fabulosa cifra de 399.823, contagem oficial, das quais no máximo um vigésimo era assinado”. Ver: Lissagaray, Prosper-Olivier. História da Comuna de Paris. Tradução: Sieni Maria Campos. São Paulo: Editora Ensaio, 1991. p. 295
[17] Extraído de: Judy Cox, Judy. Terremoto de gênero: as mulheres socialistas e a comuna de paris (I). Texto originalmente publicado na revista International Socialism. Tradução de Giovanna Marcelino. Disponível em: https://marxismofeminista.com/2021/03/19/terremoto-de-genero-as-mulheres-socialistas-e-a-comuna-de-paris/#_ftn1
[18] Idem
[19] Lenin, V.I. “O programa militar da revolução proletária”. In: Lenin, V.I. Obras Escolhidas.. Vol. 1. São Paulo: Editora Alfa-Omega. 2º ed.. 1982. p. 683
[20] “En thèse générale : Les progrès sociaux et changements de période s’opèrent en raison du progrès des femmes vers la liberté; et les décadences d’ordre social s’opèrent en raison du décroissement de la liberté des femmes. (…) En résumé, l’extension des privilèges des femmes est le principe général de tous progrès sociaux.”. Ver: Fourier, Charles. Théorie des quatre mouvements et des destinées générales suivi du Nouveau monde amoureux. Parties 2, 3, annexe…(1808). pp. 35-36. Disponível em: https://inventin.lautre.net/livres/Fourier-Theorie-des-4-mouvements.pdf
[21] Fourier, Charles. Théorie des quatre mouvements et des destinées générales: prospectus et annonce de la découverte. France: Leipzig, 1808. Disponible en <Disponible en http://catalogue.bnf.fr/ark:/12148/cb30454501s>.Accès:10/02/2016.http://catalogue.bnf.fr/ark:/12148/cb304. Citado por: Alves, José Eustáquio Diniz. Desafios da equidade de gênero no século XXI. Disponível em: https://www.scielo.br/j/ref/a/rkcC3bGTRQv5Lz59HJy6HRG/?lang=pt
[22] Lissagaray, Hippolyte Prosper Olivier (1831-1901). História da Comuna de Paris. Tradução Sieni Maria Campos. São Paulo: Ensaio. 1991. p. 336
[23] Hugo, Victor. “Mentana: a Garibaldi”. Atos e Palavras. Obras Completas. Volume XXIX. Tradução Hilário Correia. São Paulo: Editora Casa das Américas. 1959. p. 290
[24] Título: Gladiator (Original). Diretor: Ridley Scott. Duração:155 minutos. Ano de produção:2000. Estúdio: Imagine Entertainment.
[25] Essa expressão “transepocal” encontra-se, salvo melhor fonte, numa caracterização feita ao Iluminismo, que “seria uma tendência transepocal, não limitada a nenhum período específico, que se caracteriza por uma atitude racional e crítica. Ela combate o mito e o poder, usando a razão como instrumento de dissolução do existente e de construção de uma nova realidade”. Ver: Rouanet, Sergio Paulo. “O olhar iluminista”. IN: O olhar. Adauto Novaes, et al. 1a reimpressão. São Paulo: Companhia das Letras, 2003, p. 125.
[26] O termo “Libertário” foi criado pelo escritor anarquista francês Joseph Dejácque, numa carta enviada por ele, em 1857, a Joseph Proudhom. Quem me alertou sobre o autor intelectual deste termo “Libertário” foi Ivan Alves Filho, destacado historiador, cujas obras desnudam os segredos das grandes e heroicas lutas dos que, mesmo estando sob as colunas opressoras sufocantes da reação, lutaram e aspiraram apenas um mundo melhor a todos. Seu mais recente trabalho intitula-se Os Nove de 22. Brasília-DF: Fundação Astrojildo Pereira, 2021. 283 p.. Este livro descreve a trajetória da organização partidária que se convencionou chamar de “O Partidão”, numa clara referência à organização comunista fundada em 25 de março de 1922, na cidade de Niterói, Rio de Janeiro, Brasil, sob a denominação de Partido Comunista – Seção Brasileira da Internacional Comunista, depois chamado de Partido Comunista Brasileiro (PCB).
[27] Só o Brasil tem 188 idiomas em uso – o português (claro!), mais 187 variedades indígenas. Até o presente momento só se conhece a versão em português.
[28] Disponível em: https://www.ethnologue.com/ethnoblog/gary-simons/welcome-24th-edition.
[29] Vale lembrar que a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) foi fundada em 30 de dezembro de 1922 e até 1991, ano de sua dissolução, foi composta por 15 repúblicas – Armênia, Azerbaijão, Bielorússia, Estônia, Geórgia, Cazaquistão, Quirguízia, Letônia, Lituânia, Moldávia, Rússia, Tadjiquistão, Turcomênia, Ucrânia e Uzbequistão.
[30] No quadragésimo aniversário de A Internacional, em 1928, Pierre Degeyter dirigiu a orquestra de Moscou e executou o hino na sessão solene de abertura do VI Congresso da Internacional Comunista, cujos congressistas o seguiram cantando em coro. Disponível em https://multimedia-ext.bnf.fr/pdf/Revol7_Internationale.pdf
[31] Ver: Canzone contro la guerra: “La preistoria dell’Internazionale”, s/a. Disponível em: https://www.antiwarsongs.org/canzone.php?id=2003&lang=it
[32] Praticamente um ano depois da composição da letra de A Internacional, até então um poema desconhecido.
[33] Marx, Karl & Engels, Friedrich. Manifesto do Partido Comunista. São Paulo: Edições Novos Rumos. 1986. pp. 51-52
[34] FERRO Marc (1996). L’Internationale. Histoire d’un chant de Pottier et Degeyter. Paris : Noêsis. 108 p
[35] The Internationale. Disponível em: https://stringfixer.com/pt/The_Internationale_in_Chinese
[36] “L’Internationale, Genèse et destin d’une chanson mythique”. Disponível em: https://multimedia-ext.bnf.fr/pdf/Revol7_Internationale.pdf
[37] Giannotti, Vito. “A origem do hino A Internacional”. abril de 2001. Disponível em: http://nucleopiratininga.org.br/a-origem-do-hino-a-internacional/
[38] O Hino da União Soviética substituiu A Internacional como hino nacional em 15 de Março de 1944. Sua letra fora escrita por Sergey Mikhalkov (1913-2009) em conjunto com Gabriel El-Registan (1899–1945), e a melodia fora obra de Alexander Alexandrov (1883-1946). Essa versão do hino soviético vigorou até 1991. O hino soviético também foi o da República Socialista Federativa Soviética da Rússia (RSFS) até 23 de novembro de 1990, quando ele se tornou apenas da URSS inteira e aquela república adotou a Canção Patriótica. Em 26 de dezembro de 1991, também foi executado pela última vez como hino da União Soviética, a qual tinha sido dissolvida no dia anterior, com a renúncia de Mikhail Gorbachov. A melodia foi enfim recuperada em 2000, pra integrar o novo Hino Nacional da Federação Russa, com letra quase toda modificada mais uma vez por Sergey Mikhalkov.
[39] “PCB – Eles eram poucos/E nem puderam cantar muito alto a Internacional,/Naquela casa de Niterói em 1922,/Mas cantaram e fundaram o partido (…)”. Este poema foi escrito em 1982 por ocasião do 60º Aniversário de Fundação do PCB. O poeta o escreveu atendendo ao pedido do histórico dirigente Giocondo Dias. Ver: Alves Filho, Ivan. Os Nove de 22. Brasília-DF: Fundação Astrojildo Pereira, 2021. s/p.
[40] The Internationale. Disponível em: https://stringfixer.com/pt/The_Internationale_in_Chinese
[41] Thorez, Maurice. Vive L’Internationale: L’Internationale , hymne de la revolution, hymne des trauailleurs du monde dans la bataille pour la democratie et la paix. Discours de Maurice Thorez le lº octobre 1949, a Saint-Denis, en hommage a Pierre Degeyter. I.C.C. (J. London, Impr.), 13, rue de la Grange-Batelière, Paris (9º). 18 p.
[42] Disponível em: https://multimedia-ext.bnf.fr/pdf/Revol7_Internationale.pdf
[43] Idem
[44] “A Federação de Artistas de Paris. Os artistas de Paris, ao aderirem aos princípios da Republica Comunal, formaram uma federação. Essa união de todos os intelectos artistas tem como base: – A livre expressão da arte, livre toda supervisão governamental e de todos os privilégios.; – Igualdade de direitos entre todos os membros da federação.; – A independência e dignidade de todo artista tomada sob proteção de todos por meio da criação de um comitê eleito pelo sufrágio universal dos artistas. – Esse comitê irá fortalecer as ligações de solidariedade e unidade de ação.
Composição do Comitê. O Comitê será composto por 47 membros representando várias faculdades, nominalmente: – 16 pintores; – 10 escultores; – 5 arquitetos; – 6 gravuristas; e – 10 membros representando as artes decorativas, incorretamente chamadas de artes industriais. Eles serão nomeados por um sistema de lista com voto secreto. Cidadãos de ambos os sexos que provaram sua posição enquanto artistas – tanto pela sua fama de seus trabalhos, ou por suas exibições, ou por meio de um atestado escrito por dois artistas que o auxiliem – tem direito a votar. Os membros do Comitê terão mandato de um ano. Na expiração do mandato, 15 membros designados por voto secreto do comitê irão continuar mais um ano de mandato; os outros 32 membros serão trocados. Os membros cessantes só podem ser reeleitos ao final de um intervalo de um ano. O direito de revogação pode ser exercido contra um membro que não esteja cumprindo seu mandato. Esta revogação só pode ser deliberada um mês após a sua solicitação, e – se votado na assembleia geral – com maioria de dois terços dos eleitores pedindo a revogação.
Estabelecendo o Mandato. Esse governo do mundo das artes composto pelos artistas tem como missão: – Preservar os tesouros do passado; – Implementar e iluminar os elementos do presente; e – Regenerar o futuro por meio da educação. – Preservar monumentos e museus. Monumentos, do ponto de vista artístico, museus de Paris e outros estabelecimentos contendo galerias, coleções, bibliotecas de arte que não pertençam a indivíduos privados, serão encarregadas de serem cuidadas pela supervisão administrativa do Comitê. Ele irá erguer, preservar, e ajustar, além de completar planos, inventários, indexes e catálogos. Ele irá colocar esses monumentos a disposição do público de modo a encorajar estudos e satisfazer a curiosidade dos visitantes. Ele irá observar o estado de preservação dos prédios, indicar reparos urgentes, e trazer a Comuna frequentes informes de seus trabalhos. Irá apontar administradores, secretários, arquivistas e guardas, depois de avaliar a capacidade e investigar a moralidade destas pessoas, para assegurar o atendimento das necessidades do serviço desses estabelecimentos e para as exibições, que serão comentadas posteriormente.
Exibições. O comitê irá organizar exibições comunais, nacionais e internacionais em Paris. Para exibições nacionais e internacionais que não ocorram em Paris, o comitê irá delegar uma comissão encarregada pelos interesses dos artistas parisienses. Será admitido somente trabalhos assinados pelos autores, criações originais ou traduções de uma arte para a outra, como gravuras tornando-se pinturas, etc. Rejeitará absolutamente toda exibição mercenária que tende a exibir o nome do auditor ou distribuidor em vez do real criador. Não tenha recebido nenhum prêmio. Os trabalhos ordinários encomendados pela Comuna serão distribuídos entre os artistas que os votos de todos os expositores terão designado. Trabalhos extraordinários serão submetidos a concurso.
Educação. O comitê irá supervisionar o ensino do desenho e modelagem nas escolas primarias e profissionais da Comuna, onde os professores serão apontados por meio de competição; irá encorajar a introdução de métodos lógicos e atrativos; irá carimbar modelos; e irá desenvolver os sujeitos de modo que seu espírito seja elevado, e seus estudos sejam concluídos sob o custos da Comuna. Irá promover e encorajar a construção de vastos halls para a educação superior, para conferencias sobre estética, história e filosofia da arte.
Publicidade. Irá criar um órgão publicitário chamado: Officiel des arts. Sob o controle e responsabilidade do comitê, este jornal irá publicar eventos que dizem respeito ao mundo das artes e informações úteis aos artistas. Irá publicar informes dos trabalhos do comitê, o tempo de suas reuniões, o montante que entra e sai de seu caixa, e todos os trabalhos estatísticos que dão luz e preparam a sua ordem. A seção literária se dedicará a ensaios sobre estética, será um espaço neutro para todas as opiniões e todos os sistemas. Progressista, independente, digna e sincera, Officiel des arts será a mais séria declaração de nossa regeneração.
Arbitragens. Para todas as disputas que tenham relação com as artes, o comitê – sob a requisição da parte interessada (artistas ou outros) – irá apontar árbitros conciliadores. Sobre questões de princípios e interesses gerais, o comitê irá forma um conselho arbitrário, e suas decisões serão publicadas no Officiel des arts.
Iniciativas individuais. O comitê convida todos os cidadãos a enviarem todas suas propostas, projetos, reportagens e opiniões sobre o progresso da arte, a emancipação moral e intelectual dos artistas, e o avanço material de seus trabalhos como objetivo final. Prestará contas a Comuna e dará seu suporte moral e sua colaboração em tudo que se consiga realizar. Chama a opinião pública a sancionar todas as tentativas de progresso, dando a essas propostas a publicidade do Officiel des arts. Por fim, pela palavra, pela caneta, pelo lápis, pela reprodução popular de obras-primas e por imagens inteligentes e edificantes que podem ser divulgadas em profusão e exibidas nas prefeituras das mais humildes aldeias da França, o comitê trabalhará para a nossa regeneração, a inauguração da riqueza comunitária, os esplendores do futuro e a República Universal. COURBET, MOULINET, STEPHEN MARTIN, ALEXANDRE JOUSSE, ROSZEZENCH, TRICHON, DALOU, JULES HÉREAU, C. CHABERT, H. DUBOIS, A. FALEYNIÈRE, EUGÈNE POTTIER, PERRIN, A. MOUILLIARD”. Traduzido do Francês para Inglês por Jeff Skiner. Originalmente publicado na revista Red Wedge. Tradução por Andrey Santiago. Disponível em: https://traduagindo.com/2020/03/30/manifesto-da-federacao-de-artistas-da-comuna-de-paris-1871/
[45] Ross, Kristin. “O internacionalismo no tempo da Comuna”. Edição – 94. 3 de maio de 2015. Disponível em: https://diplomatique.org.br/o-internacionalismo-no-tempo-da-comuna/
[46] Juana Ugarte, “Deux grands hymnes idéologiques : le Te Deum, l’Internationale”, Mots. Les langages du politique, 70 | 2002. mis en ligne le 07 mai 2008, consulté le 21 mai 2019. Disponível em: http:// journals.openedition.org/mots/8923 ; DOI : 10.4000/mots.8923
[47] Após muitas lutas, a anistia aos communards deportados, refugiados ou presos foi conquistada em 10 de julho de 1880. Segundo Lissagaray, são esses os números da vingança reacionária: “Vinte mil homens, mulheres, crianças mortos durante a batalha ou após a resistência de Paris e na província; pelo menos três mil mortos nos depósitos de presos, pontões, fortes, prisões na Nova Caledônia, no exílio ou em decorrência de doenças contraídas no cativeiro; 13.700 condenados a penas que, para muitos, duraram nove anos; 70 mil mulheres, crianças e velhos privados de seu apoio natural ou mandados para fora da França; cerca de 107 mil vítimas: eis o balanço da vingança da alta burguesia pela revolução de dois meses iniciada em 18 de março”. Cf.: Lissagaray, Op. Cit. pp.351-352
[48] Este significativo e emblemático contingente presente de quinze mil pessoas ao adeus a Pottier consta em: Barbedette, Mathilde. “L’Internationale, Genèse et destin d’une chanson mythique”. s/d. / s/p. Disponível em: https://multimedia-ext.bnf.fr/pdf/Revol7_Internationale.pdf
[49] K. Z. Al compositor de la ‘Internationale’ // Buryat-Mongolskaya Pravda. Verkhneudinsk. No. 276 (949) 7 de diciembre de 1926. p. 4.
[50] Hegel, Georg Wilhelm Friedrich (1770-1831). Estética: a ideia e o ideal; Estética: o belo artístico ou ideal. Tradução: Orlando Vitorino. – 5º ed. São Paulo: Nova Cultural, 1991. (Os Pensadores). p. 3
[51] Hobsbawn, Eric. Historia do marxismo. Vol. 7. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987. p 171.
[52] Rocha, Eduardo. “Almeida, o Veludo Vermelho”. Almeida: um combatente da democracia. Orgs: George Gurgel & Ivan Alves Filho. Brasília: Abaré Editorial, 2020. p 69.
[53] Texto meu dedicado à justa homenagem a um singular brasileiro e internacionalista que integra o livro: O Último Secretário: a luta de Salomão Malina. Org.: Francisco Inácio de Almeida. Brasília: Fundação Astrojildo Pereira/FAP, 2002, p . 275
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