100 anos de Luiz Maranhão
A política de frente ampla de Luiz Maranhão
Luiz Maranhão formou-se na cultura de frentes políticas. Ainda estudante secundarista, em 1934 distribuiu panfletos da Aliança Nacional Libertadora, a frente que buscava combater o fascismo no Brasil. Organizou atos, em Natal, em prol dos aliados durante a II Guerra Mundial.
Juntamente com seu irmão, Djalma Maranhão, prefeito de Natal de 1956 a 1964, Luiz Maranhão sempre defendeu a união de diferentes setores políticos e sociais para desenvolver o Brasil. Nos textos a seguir, publicados pelo site Gramsci e o Brasil, conheça um pouco da política desenvolvida pelos irmãos Maranhão.
A política de Djalma Maranhão (1915-1971)
Cláudio de Oliveira
No centenário do ex-prefeito de Natal cumpre ressaltar sua relevância política. Interlocutor de líderes nacionais como o presidente João Goulart e o governador de Pernambuco Miguel Arraes, Djalma Maranhão é lembrado pelo jornalista Marco Antônio Tavares Coelho, ex-deputado federal, em encontro na Cinelândia, Rio de Janeiro, em 14 de março de 1964, um dia depois do comício da Central do Brasil:
[…] deparei também com Djalma Maranhão[…]. Chamou-me porque desejava transmitir sua angústia a alguém da direção do PCB. Não me esqueço de sua figura e de seus gestos. Alto e gordo, moreno, deu-me a impressão de um urso ao caminhar em minha direção. Pegou em meu braço e com energia foi explodindo: “Vocês estão loucos? Não estão vendo que vamos ser liquidados?” Foi nesse diapasão que ele desfiou a análise de nossa marcha para o precipício. Contestei o que dizia. Entretanto, a força de seus argumentos era inegável. Registro essa opinião de Djalma Maranhão porque, antes do golpe de Estado, foi o único, dentre as pessoas com responsabilidade política, de quem ouvi um julgamento certeiro sobre a real situação que enfrentávamos [1].
Djalma se opunha à radicalização política de então, considerada artificial e sem apoio na sociedade. Talvez três fatos da juventude possam explicar suas posições moderadas. Em 1935, aos 20 anos, foi preso após o levante armado da Aliança Nacional Libertadora, organizada pelo antigo PCB. Mesmo comunistas como o pernambucano Cristiano Cordeiro, um dos fundadores do partido, recusaram-se a participar do movimento. Para ele, sem apoio popular seria uma ação de quartel sem chance de sucesso [2]. Em 1945, Djalma foi expulso do PCB, no qual ingressara ainda garoto, e não por acaso chamou a direção local de “aventureira” [3]. Antes, em 1939, havia participado da fundação do Diário de Natal junto com intelectuais de tendência liberal-democrática, com o objetivo de combater o nazifascismo na Europa e, implicitamente, de se opor à ditadura do Estado Novo no Brasil, implantada por Getúlio Vargas em 1937. As chamadas frentes únicas antifascistas eram entendidas como a união de todos os democratas com o objetivo de restabelecer a democracia.
Depois de obter a legalidade em 1945, o PCB teve seu registro cassado em 1947. Perseguido e jogado à clandestinidade, assumiu posições de extrema-esquerda. Fora do partido em 1945, Djalma tomou caminho oposto ao adotar uma postura mais ampla. Juntou-se então a Café Filho, que, entre 1954 e 1955, exerceu a Presidência da República. No leito do cafeísmo, que no Rio Grande do Norte exerceu um papel progressista, Djalma se elegeu deputado estadual em 1954, pela Aliança Social Progressista, formada entre o PSP e o PTN. Pelo acordo do PSP com a UDN, que levou Café Filho a apoiar a eleição de Dinarte Mariz ao governo potiguar em 1955, Djalma foi nomeado prefeito de Natal em 1956.
Após o suicídio de Vargas em 1954 e a divulgação do relatório de Nikita Khruschev em 1956, no qual o novo líder soviético denunciou os crimes de Josef Stalin, o PCB reviu sua linha política sectária. Já em 1955, Luiz Maranhão, então o principal dirigente do PCB no estado, apoiou a candidatura a presidente de Juscelino Kubitschek, um liberal-democrata do centrista PSD, eleito em aliança com o PTB. Em 1958, o PCB adotou um caminho reformista ao atuar pelas reformas de base dentro do regime democrático e constitucional.
Com a nova política, no Rio Grande do Norte em 1960, o PCB participou da Cruzada da Esperança, a coligação vitoriosa que reuniu comunistas, socialistas, trabalhistas e liberais e que elegeu Djalma novamente prefeito de Natal e Aluízio Alves, dissidente da UDN, ao governo do estado. Em 1962, Djalma Maranhão filiou-se ao PSB, partido pelo qual pretendia se candidatar em 1965 ao governo do Rio Grande do Norte.
O clima de radicalização política nacional que se seguiu afastou os dois líderes. Djalma foi deposto pelo golpe de Estado de 1964 e obrigado ao exílio no Uruguai, onde morreu em 1971. Aluízio, apesar de ter apoiado a deposição de João Goulart, também foi vítima do regime autoritário. Em 1969, por força do AI-5, teve seu mandato de deputado cassado e seus direitos políticos suspensos por dez anos.
Luiz Maranhão, irmão de sangue e de ideias de Djalma, sobreviveu até 1974, quando foi preso no DOPS de São Paulo e torturado até a morte. Mas teve tempo suficiente para participar da organização do MDB em 1966, a frente democrática que, após uma longa resistência, conseguiu vencer o regime autoritário com a eleição de Tancredo Neves a presidente em 1985. Foi uma frente semelhante, o bloco progressista na Constituinte, sob o comando de Ulysses Guimarães, que nos legou a Carta de 1988, a mais democrática e de mais garantias sociais de nossa história. Para reverenciar a memória de Djalma Maranhão em seu centenário, lembremo-nos da atualidade de sua política de união dos partidos democráticos com base em um programa comum de desenvolvimento nacional e de melhoria das condições de vida da população.
Dedicado à memória do jornalista Ticiano Duarte
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[1] Tavares Coelho, Marco Antonio. Herança de um sonho. As memórias de um comunista. Rio de Janeiro: Record, 2000.
[2] Entrevista ao jornalista Ricardo Noblat. Pernambuco: Jornal do Commercio, 12 ago. 1979.
[3] Moacyr de Góes. De pé no chão também se aprende a ler. São Paulo: Cortez, 1991.
Fonte: Especial para Gramsci e o Brasil.
Confira a publicação original em:
https://www.acessa.com/gramsci/?page=visualizar&id=1880
A candidatura do dr. Vulpiano em Natal
Cláudio de Oliveira – Dezembro 2011
Contavam os antigos militantes que o Partido Comunista Brasileiro preparava a candidatura do médico Vulpiano Cavalcanti à Prefeitura de Natal. Era o ano de 1964 e discutia-se a sucessão do então prefeito Djalma Maranhão. Nascido no Ceará a 15 de março de 1911, dr. Vulpiano radicou-se em Natal nos anos 40, depois de concluir o curso de medicina no Rio de Janeiro. Como se sabe, o golpe de Estado de 1964 interrompeu a processo democrático. O dr. Vulpiano foi uma de suas primeiras vítimas. Preso, teve seus direitos políticos suspensos.
Aquela não teria sido a primeira candidatura frustrada do dr. Vulpiano. Em fins dos anos 1950, o PCB debatia lançar seu nome a deputado estadual. Ocorreu que o professor Luiz Maranhão, também dirigente partidário, fora chamado para uma conversa com uma autoridade religiosa. O clérigo teria sido direto: se o candidato fosse ele, Luiz Maranhão, os religiosos não seriam a favor, mas também não fariam campanha contra. Se o candidato fosse o dr. Vulpiano, sua congregação se oporia. O Comitê Estadual reuniu-se e decidiu então lançar Luiz Maranhão a deputado, afinal eleito em 1958.
Talvez o dr. Vulpiano estivesse identificado com os tempos duros do PCB, quando o partido adotara posições anticlericais e de extrema-esquerda. Enquanto Luiz Maranhão representaria a nova política, favorável a um diálogo com amplos setores da sociedade. Já em 1955, o PCB apoiara a candidatura de Juscelino Kubitschek, do PSD, à Presidência da República. Em março de 1958, manifestava-se a favor da democracia representativa e de um caminho pacífico das transformações sociais. Todavia, quem o conhecia de perto sabia que as posições políticas do dr. Vulpiano eram as mesmas do seu correligionário professor. Ambos formavam internamente no PCB a ala dos renovadores.
Naqueles dias agitados de 1964, Djalma Maranhão, Luiz Maranhão e Vulpiano Cavalcanti se colocavam contra o processo de radicalização política em curso no país. Veio o golpe e, como é sabido, Djalma Maranhão foi deposto da Prefeitura e preso juntamente com os principais líderes esquerdistas da cidade. Inicialmente ficaram detidos no berçário do Hospital da Polícia Militar. Um dos últimos a chegar, o dr. Vulpiano disparou com o seu habitual bom humor:
– Viram no que deu a doença infantil do comunismo?
Vulpiano Cavalcanti assistira, estudante no Rio de Janeiro, à derrota dos rebeldes de 1935 da Aliança Nacional Libertadora, de cujo lançamento participou no Teatro João Caetano. Assim, refutou a tese da luta armada contra o regime de 1964. Optou pela chamada resistência democrática, política aprovada no congresso do PCB em 1967.
Obrigado à clandestinidade, Luiz Maranhão transfere-se para São Paulo, onde fará parte da comissão do PCB responsável pelas articulações na Frente Ampla. A proposta, reunindo João Goulart, Juscelino Kubitschek e Carlos Lacerda, além de Ulyssses Guimarães, Tancredo Neves, Franco Montoro, Itamar Franco, Aluízio Alves e outros, uniu a oposição ao autoritarismo.
Tal articulação será a base para a fundação do MDB, que imporá em 1974 e 1978 duas fortes derrotas eleitorais ao regime. Ante a derrota nas urnas e a pressão da opinião pública, o regime se vê forçado à abertura. A Anistia é aprovada, os exilados retornam ao país, os presos políticos são libertados e o dr. Vulpiano tem os seus direitos políticos de volta. Mas ele ainda não terá sua cidadania plenamente restituída. Seu PCB continuará proibido.
Numa tarde ensolarada, visitei o dr. Vulpiano em sua casa em Petrópolis. Contou-me do telefonema que recebera de Luiz Carlos Prestes convidando-o a abrir uma dissidência no PCB. O legendário “Cavaleiro da Esperança” voltara do exílio e acreditava que era hora de fundar uma frente unicamente de esquerda, dela excluindo os setores democrático-liberais. O dr. Vulpiano discordou de Prestes e mostrou-se favorável à união de todos os setores da oposição como melhor caminho para superar o regime. E assim emprestará seu apoio à campanha de Tancredo Neves, do PMDB, cuja vitória enterrou duas décadas de autoritarismo.
Morreu em novembro de 1988, vítima de pneumonia, quando visitava suas irmãs em Fortaleza. Mas viveu o tempo suficiente para ver seu partido legalizado em 1985 e promulgada a nova Constituição, na qual foram estabelecidas não só as liberdades políticas, como também garantias sociais que melhoraram a vida de milhões de brasileiros. Confirmou-se o seu prognóstico segundo o qual a liberdade era a condição necessária para a construção de um Brasil assentado nos valores da igualdade e da fraternidade.
Fonte: Tribuna do Norte, 4 dez. 2011.
Confira a publicação original em:
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