Argentina

Míriam Leitão: Erro argentino

A Argentina cometeu o erro de deixar a inflação voltar e se estabelecer. O governo de Mauricio Macri até tentou, mas a taxa nunca baixou para níveis aceitáveis. Está, este ano, em 24%. Isso se tornou o ponto de fragilidade que a fez viver uma pressão forte no dólar esta semana. O Banco Central reagiu subindo três vezes a taxa de juros até chegar a 40% ao ano, para tentar segurar o câmbio.

Macri corrigiu muito dos erros que encontrou. A inflação mesmo manipulada no governo Cristina Kirchner, só ficou um ano abaixo de 20%, em 2009. A administração Kirchner fez uma intervenção no Indec, criou outro índice e ainda reprimiu tarifas públicas. Quando assumiu, Macri teve que corrigir o erro passado e a taxa chegou a 40%. Depois caiu, mas nunca abaixo de 20%.

Macri conseguiu também elevar as reservas cambiais que tinham sido dilapidadas pela sua antecessora. Ele recebeu o governo com US$ 25 bilhões e em janeiro estava com US$ 63,9 bilhões, mas esse nível baixou nos últimos dias. Com inflação alta e déficit fiscal é difícil enfrentar um momento de estresse internacional.

O dólar subiu quase 9% na quinta-feira, para 22 pesos, o maior nível desde a chegada de Macri à Casa Rosada, no final de 2015. O governo reagiu. Aumentou novamente os juros, a terceira alta em sete dias, desta vez para 40%. Na semana anterior, a taxa básica estava em 27,25%. Se comprometeu a reduzir o gasto público e cortou a meta de déficit fiscal do ano, de 3,2% do PIB para 2,7%. A terceira medida foi reduzir o volume de dólares que os bancos podem manter em reservas para forçá-los a vender a moeda americana.

Foi uma tempestade perfeita, conta à coluna o economista Dante Sica, da consultoria Abeceb, de Buenos Aires. A gota d’água veio das turbulências internacionais, provocadas por Donald Trump. Antes disso, a Argentina já enfrentava uma seca histórica que reduziu a geração de dólares pelo agronegócio. Na tentativa de impedir que a inflação mensal passe dos 2%, o governo vendeu dólares. Torrou US$ 7,3 bi das reservas desde janeiro. Fundos estrangeiros aproveitaram a oferta e aumentaram a demanda pela moeda estrangeira. A atuação vacilante do Banco Central nos últimos dias também contribuiu. Na sexta-feira anterior, havia aumentado os juros para 30,25%, tentando conter a inflação. Na quinta subiu outra vez os juros. Mesmo assim, o dólar disparou e por isso ontem as taxas foram para os 40%. A agência de classificação de rating Fitch piorou a perspectiva da dívida argentina citando a inflação alta e os desequilíbrios fiscais.

— Estou revisando as projeções. O PIB, que cresceria até 2,7% em 2018, deve ficar em 2,3%. A inflação pode fechar o ano em 24%. O governo foi mal na semana passada e teve que corrigir antes que houvesse uma reação. Não vi as pessoas saindo às ruas atrás de dólares. Na verdade, o que tem arranhado a imagem do governo é a inflação alta — conta Dante Sica.

Em 2017, a inflação ficou em 24,6%. O PIB subiu 2,9% e o ritmo estava acelerando, tanto que, no quarto trimestre, a alta anualizada foi de 3,9%. Para nós, esse crescimento foi bom. As exportações para lá saltaram 31% no ano passado, para US$ 17,6 bilhões. A balança foi positiva para o Brasil em US$ 8,1 bi, alta de 88% na comparação com o ano anterior. Em 2018, de janeiro a abril, as exportações cresceram mais 15%. No topo da lista estão automóveis, veículos de carga, tratores e chassis. Uma crise prolongada por lá acabaria por afetar a recuperação das montadoras brasileiras.

Dante Sica diz que o governo Macri é um “equilibrista de pratos”. Ele tenta melhorar os indicadores sem derrubar os outros. Mas o fato é que a Argentina convive há muito tempo com a inflação alta e com déficit fiscal, que no ano passado foi de 3,9% do PIB. Em 2016 havia sido de 4,6%. Além disso, a sociedade argentina busca proteção na moeda americana quando a incerteza aumenta.

Brasil e Argentina sofreram uma devastação inflacionária nas décadas de 1980 e 1990 até estabilizarem suas moedas. O Brasil reage fortemente em cada alta, como aconteceu em 2015, e traz a inflação para baixo. A Argentina aceitou um pouco mais de inflação e agora paga o preço. Este é um inimigo com o qual não se pode conviver.


Míriam Leitão: Transição argentina

A economia da Argentina está em recuperação e pode crescer 3% este ano e 4% no ano que vem. Isso explica em parte a vitória do presidente Mauricio Macri nas eleições do último final de semana. O ajuste promovido pelo governo já traz resultados concretos que começam a ser percebidos pela população. A recuperação do Brasil também tem ajudado, pelas fortes relações comerciais entre os dois países.

Assim como o Brasil, a Argentina vive um período de transição na economia. O governo Kirchner entregou o país com o PIB em queda, inflação alta e represada pela manipulação das tarifas públicas e falsificação dos índices de preços. Com Macri, a conjuntura piorou antes de começar a melhorar. No ano passado, o PIB afundou 2,2% e a inflação chegou a 41%, como resultado do ajuste promovido pelo governo. Este ano a economia voltou a crescer, mas lentamente.

Mesmo assim, há previsões de especialistas e economistas de bancos, como os do BNP Paribas, de um crescimento de 3% do PIB em 2017 e de 4% em 2018. O brasileiro Itaú Unibanco estima que a taxa de inflação poderá recuar para 22% e 16% nesses dois anos. Ainda longe da meta de 5% do governo, para 2019, mas claramente em tendência de queda. Outro ponto positivo de Macri foi ter reformulado o índice de preços, que hoje tem números com credibilidade. O governo kirchnerista fez uma intervenção no Indec e passou a manipular os índices econômicos.

Para Florencia Vazquez, economista do BNP Paribas na Argentina, a melhora dos indicadores já começou a ser percebida no dia a dia dos argentinos, ao contrário do que acontece aqui no Brasil.

— A situação que se vive hoje no Brasil, de ter indicadores melhores mas sem a sensação nas ruas, é a que se vivia na Argentina há seis meses atrás. A vitória neste final de semana é sinal de que isso está mudando. A recuperação foi guiada por investimentos, mas agora está mais focada no consumo e se espalhando por outros setores. Isso faz com que mais pessoas percebam a recuperação. A confiança dos consumidores teve alta de 20% nos últimos três meses — explicou Florencia em entrevista por telefone.

O melhor desempenho do Brasil também está ajudando a Argentina, diz Florencia, pelos fortes laços comerciais entre os dois países. A corrente de comércio está tendo um crescimento de 20% de janeiro a setembro de 2017, em relação ao mesmo período do ano passado. O Brasil está comprando mais produtos argentinos, e eles estão importando mais do Brasil.

Na política argentina, o fortalecimento do presidente Mauricio Macri é uma novidade. Por ter sido o primeiro presidente eleito que não é nem peronista nem radical, em 70 anos, havia dúvidas sobre sua capacidade de manter base de apoio. Por isso, e pelos planos da ex-presidente Cristina Kirchner de preparar sua volta ao poder, essa eleição parlamentar representava mais do que as cadeiras que eram disputadas na Câmara e no Senado da Argentina.

Se a ex-presidente tivesse tido uma vitória consagradora, seus planos se fortaleceriam. Mas sua eleição não convenceu. Ela disputou pela província de Buenos Aires, principal colégio eleitoral, mas ficou em segundo lugar, com 37% dos votos, e o candidato macrista Esteban Bullrich venceu com 41%. Vai para o Senado sem a força necessária para seus planos de volta. O peronismo conseguiu mandar para o parlamento três ex-presidentes — Cristina Kirchner, Carlos Menem e Rodriguez Saá — mas continua sem uma liderança que costure as muitas divisões do partido. Além da força de Macri, cujo grupo “Cambiemos” teve 40% dos votos nacionais, outra política sai fortalecida, a governadora da Buenos Aires, María Eugenia Vidal, que jogou-se na campanha de Bullrich num duelo com Cristina. Mesmo sem ser candidata, ela fez campanha como se fosse, como informou em O GLOBO de sábado a correspondente Janaína Figueiredo. Vidal pensa em voos mais altos.

Macri anunciou que continuará com suas reformas e vai reduzir impostos para estimular o crescimento. Dará novos passos no seu realismo tarifário, aumentando o preço da gasolina. E diz que tentará reduzir a pobreza que chega a quase 30%. Com isso, quer diminuir a resistência a algumas de suas políticas, como a de estabelecer um teto de gastos, semelhante ao aprovado no Brasil.

- O Globo

 


Sergio Fausto: Ainda é tempo  

Na Argentina o centro político se consolida. E no Brasil, para onde vamos?

A eleição de outubro na Argentina será um teste decisivo para o governo de Mauricio Macri. Está em jogo quase metade das cadeiras da Câmara e um terço do Senado. As pesquisas indicam que Cambiemos, a coalizão de partidos que apoia Macri, vencerá nos principais colégios eleitorais do país. Provavelmente a vitória não lhe dará maioria, mas o presidente ampliará em muito sua bancada nas duas Casas do Congresso. Com seu principal adversário abatido, o kirchnerismo, e sem uma oposição alternativa de peso, Macri evitará o destino de todos os presidentes derrotados nas eleições de meio de mandato (tornar-se um “pato manco”) e se projetará como favorito às eleições presidenciais de 2019. Trata-se de um fato inédito: pela primeira vez na Argentina, desde o surgimento do peronismo, um presidente não peronista chegará ao fim de seu mandato. E mais, com chances de se reeleger.

A provável vitória de Cambiemos não se explica pelo desempenho da economia. Em 2016, primeiro ano do mandato do atual presidente, o PIB argentino reduziu-se e a inflação aumentou, por força dos ajustes tarifários e da desvalorização cambial que Macri foi obrigado a fazer. Só agora o crescimento econômico começa a despontar. A popularidade de Macri manteve-se elevada porque ele conseguiu convencer a maioria dos argentinos de que a culpa cabia a Cristina Kirchner.

O cientista político Juan Germano, em exposição recente na Fundação Fernando Henrique Cardoso, sustentou a tese de que está em curso na Argentina uma mudança estrutural das preferências políticas e das identificações partidárias do eleitorado. Dividido internamente e diante de eleitores que, em sua maioria, nasceram depois da morte de seu líder icônico, Juan Domingo Perón, o peronismo declina e em seu lugar uma força política de centro começa a ganhar corpo: Macri e Cambiemos.

Germano reconhece que a consolidação dessa nova força política dominante não são favas contadas. Já a polarização peronismo versus antiperonismo, que marcou a história política argentina desde os anos 40 do século passado, parece mesmo página virada. Macri escapa a essa dicotomia, assim como a governadora da província de Buenos Aires, Maria Eugênia Vidal, uma política de primeiro mandato com índices de popularidade ao redor de 70%. Se a sustentação de uma força política depende da disponibilidade de sucessores à altura, Cambiemos, ao que tudo indica, está bem servido por muitos anos.

Diante desse quadro, salta aos olhos o contraste com a situação brasileira. Aqui o centro político está desarrumado, num quadro de alta fragmentação partidária, sem uma candidatura à Presidência que prevaleça naturalmente sobre as demais alternativas. O chamado “mercado”, a julgar pelos preços dos ativos, minimiza o problema. Aposta que a melhora da economia pavimentará o caminho para a vitória de um candidato de centro em 2018. Além disso, confia que a agenda de reformas, previdenciária à frente, se imporá inevitavelmente no próximo período presidencial.

O contraste com a Argentina ajuda a ver por que a reconstrução do centro político no Brasil é um problema mais complexo do que faz crer a leitura economicista do “mercado”. A diferença mais visível reside no fato de que a crise econômica, política e moral que atingiu o kirchnerismo nem sequer respingou nas forças políticas aglutinadas em torno de Macri. Aqui a crise que pôs fim aos governos do PT abalou também o centro político, atingido igualmente pela Lava Jato. Com a melhora da economia, os danos político-morais podem ser mitigados, mas não deixarão de ser profundos e duradouros.

Outra diferença diz respeito ao tempo transcorrido na reconstrução do centro político na Argentina, tempo de que o centro político brasileiro não dispõe até as eleições de outubro de 2018. Cambiemos é a decantação de um processo que teve início em 2005 com a fundação do Compromisso para el Cambio (depois renomeado Propuesta Republicana, PRO, o partido de Macri) e se desdobrou na eleição e reeleição do ex-presidente do Boca Juniors para à prefeitura da cidade de Buenos Aires em 2007 e 2011. Um ano antes das eleições presidenciais de dezembro de 2015, não restava dúvida sobre quem carregaria as bandeiras de uma política renovada e pós-ideológica.

No Brasil, a um ano das eleições, há muito mais interrogações do que certezas no centro do espectro político, seja em relação a nomes, seja em relação às ideias-força que deverão diferenciar uma candidatura e conectá-la com os sentimentos majoritários do eleitorado. Jogará o centro político a carta da condução segura e previsível da economia ou da renovação do establishment político, a da conciliação ou da polarização política, a da polarização com a direita ou com a esquerda? Claro que qualquer candidato, para ser competitivo, deve jogar com mais de uma carta, mas as mensagens principais não podem ser embaralhadas a ponto de confundirem o eleitor.

Ainda é tempo, porém, de reconstruir o centro político para as eleições. Macri não era o favorito um ano antes das eleições, e sim Sergio Massa, candidato do peronismo dissidente. A costura da aliança que o levou à Casa Rosada foi obra de ousadia e sabedoria política do então prefeito de Buenos Aires, da deputada Elisa Carrió, símbolo da intransigência contra a imoralidade pública, e do senador Ernesto Sanz, líder da velha União Cívica Radical, que deu a Macri a capilaridade territorial que seu partido não tinha.

A melhora da economia pode contribuir, mas a inteligência política e o desprendimento pessoal das lideranças são o que poderá oferecer à sociedade melhores escolhas para o próximo mandato presidencial. Não se trata de criar o candidato dos sonhos, mas de evitar o pesadelo de uma escolha de Sofia entre uma direita truculenta e uma esquerda populista.

* Sergio Fausto é superintendente executivo da Fundação FHC. Colaborador do Latin American Program do Baker Institute of Public Policy da Rice University. É membro do GACINT-USP

 

 

 


Crise humanitária na Venezuela requer resposta regional

A Venezuela está afundada em uma crise humanitária que levará talvez décadas para superar

Na semana passada, o novo chanceler brasileiro, José Serra, obteve uma importante e inesperada vitória diplomática: conseguiu convencer Buenos Airese Montevidéu a unirem esforços para aumentar a pressão sobre a Venezuela. Os membros do Mercosul deram até 1º de dezembro para que o país conclua a internalização das normas do bloco, sob pena de suspensão. A Venezuela entrou no Mercosul em 2012, mas ainda não ratificou muitas das normas do grupo para comércio, política, democracia e direitos humanos. O ultimato representa uma relevante mudança da estratégia em relação à Venezuela, que havia, até o momento, contado com um sólido apoio na América Latina desde a vitória deChávez na eleição de 1999.

É possível que a Venezuela peça uma extensão do prazo para acatar o pedido, mas é improvável que chegue a implementar as normas do Mercosul. É preciso lembrar que Caracas nunca teve a intenção de se adaptar às regras econômicas e comerciais do bloco regional. De um ponto de vista econômico, o protecionismo do Mercosul não faz nenhum sentido para a economia venezuelana. Ao contrário do Brasil e da Argentina — que querem proteger suas indústrias da competição chinesa, europeia e norte-americana —, a Venezuela exporta somente petróleo e importa praticamente tudo que consome. Uma porcentagem crescente dos produtos que importa vem daChina, e cada vez mais sua aquisição é requisito para conseguir crédito chinês. Adotar a tarifa externa comum geraria resistência em Pequim, um preço alto demais para Caracas. Isso mostra que nem mesmo uma mudança de regime na Venezuela alteraria a falta de sincronia implícita que sua adesão ao Mercosul criou.

Por mais que o ultimato do Mercosul represente um primeiro passo na direção certa, é preciso que haja mais pressão diplomática para preservar a democracia na Venezuela. Ao invés de apenas apontar para questões técnicas, o Brasil deveria articular uma declaração conjunta dos membros do Mercosul defendendo a realização de um referendo de recall antes de 10 de janeiro, o que possibilitaria a realização de novas eleições gerais, caso a população escolhesse cassar o mandato de Maduro.

Além de defender a democracia, no entanto, líderes em Brasília e Buenos Aires precisam de uma estratégia para lidar com algo ainda mais urgente: ajudar a salvar vidas venezuelanas. Com o pior desempenho econômico e a maior taxa de inflação do mundo, a Venezuela, rica em petróleo, está cada vez mais afundada em uma crise humanitária que levará anos, senão décadas, para superar. Uma parcela significativa da população não tem mais condições de ter três refeições diárias. Até mesmo remédios básicos estão em falta em hospitais públicos por todo o país e pessoas com doenças crônicas que precisam de tratamento são forçadas a emigrar para sobreviver. A pilhagem de supermercados é cada vez mais frequente. Portanto, Brasília e Buenos Aires deveriam encabeçar um esforço internacional para pressionar o governo Maduro a permitir a entrega, em grande escala, de medicamentos básicos em hospitais. Solucionar a crise humanitária não é meramente uma questão moral, como também faz parte do interesse nacional de Brasil e Argentina: quanto mais tempo perdurar o problema, maiores os riscos de conflitos civis na Venezuela, o que poderia gerar instabilidade na região.

Um levantamento recente do Datincorp, um instituto de pesquisa localizado em Caracas, apontou que 57% dos venezuelanos querem sair do país, contra 49% em maio de 2015. Consertar uma economia quebrada é difícil, mas convencer os jovens e aqueles com alto nível educacional a retornarem daqui alguns anos será ainda mais complicado: com uma política cronicamente instável e uma diáspora bem organizada em lugares como Estados Unidos e Argentina, muitos nunca retornarão. Uma fuga de capital humano é o pior cenário possível para um país que tenta desesperadamente reduzir sua dependência do petróleo e diversificar suas atividades em outras indústrias e serviços.

Políticos argentinos e brasileiros nunca criticaram Hugo Chávez, que, fortalecido temporariamente pela alta nos preços do petróleo, lentamente desmontou a democracia em seu país. Contratos vantajosos com a Odebrecht e outras empreiteiras ajudaram na internacionalização das campeãs nacionais brasileiras. A internacionalização do capitalismo brasileiro se tornou uma marca registrada da política regional de Lula e a Venezuela se tornou um elemento-chave nesta política. O compromisso de Chávez com a democracia, como os conselheiros de Lula reconheciam a portas fechadas, era limitado, mas os interesses econômicos em jogo eram grandes demais para arriscar perder um importante cliente. Em dado momento, o serviço secreto venezuelano descobriu que uma grande empreiteira brasileira havia doado dinheiro tanto para o partido de Chávez quanto para a oposição antes de uma eleição. Furioso, Chávez ameaçou expulsar a empresa em questão de seu país e foi necessário que Lula interviesse pessoalmente para resolver o problema. Outros líderes da região, desde Evo Morales na Bolívia até Cristina Kirchner da Argentina, são igualmente culpados.

É complicado para qualquer governo, mesmo para os autoritários, aceitar ajuda humanitária, pois fazê-lo é um reconhecimento óbvio de fracassos severos na política econômica (em particular no caso da Venezuela, tendo em vista que a crise não pode ser atribuída a um fator externo, como uma má colheita ou uma crise generalizada na região). Ainda assim, convencer um país a aceitar auxílio humanitário é muito mais fácil do que mediar com êxito as negociações entre um governo e a oposição, algo que sempre gera apreensões sobre a questão da soberania. É o mínimo que Brasil e Argentina podem fazer depois dos benefícios que a bonança da Venezuela lhes trouxe por anos.


Fonte: El País